A crise capitalista e o genial Karl Marx
O capital é o afã de valorização máxima, o que implica em negação máxima do trabalho necessário, o que só se atinge a partir da frenética produção, pela própria produção. As crises, portanto, de nenhum modo poderiam advir da “estagnação”. Tal “ideia” não só é estapafúrdia, como produziu outra aporia congênere pior ainda: o capitalismo tenderia inexoravelmente à estagnação.
Como afirmou Marx, o que (em última instância) limita a tendência do dinamismo capitalista é
“a propensão a acumular, a aumentar o capital e a produzir mais-valia em e cala ampliada. É a lei da produção capitalista, imposta pelas revoluções constantes nos próprios métodos de produção e pela depreciação conseqüente do capital em funcionamento, pela luta geral da concorrência e pela necessidade de melhorar a produção e ampliar sua escala”. [1] No modo de produção capitalista – disse ainda Marx -, uma lei, “A autovalorização do capital – a criação de mais-valia – é pois objetivo determinante, predominante e avassalador do capitalista, impulso e conteúdo absoluto de suas ações”. [2] Nesse processo prenhe de contradições, não é o subconsumo das massas que deflagra a crise, pois “(…) a força motriz da produção capitalista é a valorização do capital, ou seja a criação da mais-valia, sem nenhuma consideração para com o trabalhador” (Marx,idem, p. 20).
Nas crises, à medida que uma queda geral dos preços paralisa e desestrutura o processo de reprodução do capital, são interrompidos vários “pontos da cadeia de obrigações de pagamento”, em prazos antes estabelecidos, levando ao “desmoronamento do sistema de crédito”; advêm crises violentas, depreciações bruscas, decréscimo real da produção. [3]
Moderno sistema de crédito onde o papel do capital portador de juros é expresso no movimento D-D’ – a forma mais fetichizada do capital. Dinheiro que gera dinheiro sem passar pela produção. Quer dizer, o juro aí aparece não como uma forma do lucro por extração da mais-valia do trabalho operário!
Marx revelou também que o capital financeiro se desdobra em: a) capital portador de juros (ou capital-dinheiro); b) capital fictício (títulos negociáveis no futuro ou ações ordinárias das Bolsas, títulos públicos, e a própria moeda de crédito – bancária). Para valorizar o valor, a especulação é constitutiva do desenvolvimento do moderno sistema de crédito. Expectativas de ultravalorização de ativos podem “explodir” os preços; cuja demanda obedece à alimentação dos circuitos que “drenam” mais e mais do setor industrial para a órbita financeira. Os ganhos (“reais” prometidos) reforçam a febre especulativa, do chamado “efeito riqueza”, estimulando famílias, empresas, bancos etc., a aumentarem o seu grau de alavancagem nos mercados de ativos financeiros e imobiliários.
Conforme Michel Aglietta, as crises (financeiras) de liquidez que determinam “credit crunch” (aperto no crédito) são os processos de propagação mais fulminantes; ou “desordens cujas conseqüências são mais lentas, mas freqüentemente mais insidioso para a economia real” – diz ele. [4]
Marxismo, crises e dogmatismo
“Entre os marxistas de todos os países há pelo menos três leigos para cada economista treinado, e esse economista é, de modo geral, marxista apenas no sentido restrito definido na introdução desta seção: presta devoção no tempo, mas lhe volta as costas nas pesquisas”. [5]
Schumpeter tinha lá suas razões. A crise originada nos EUA foi expressamente financeira, resultando de superacumulação e superprodução de capitais, desta feita tendo o componente especulativo atingindo proporções gigantescas. Recordemos: o termo “subprime” significa um ativo financeiro (um título hipotecário), ou um crédito específico para fins habitacionais. Nesse caso das hipotecas “subprime” dos EUA (garantidas por instituições financeiras públicas e privadas), um tipo de crédito de altíssimo risco. Gestada pela desregulamentação e liberalização financeiras, a farra foi sustentada pelo crédito abundante – insuflando maior liquidez e euforia -, à baixíssima taxa de juros, e imensa alavancagem derivativa (inovações financeiras futuras) por sobre as hipotecas ''subprime''.
Ademais, a expectativa de queda nos ganhos financeiros que vinha num crescendo desde 2006, com o início das insolvências das hipotecas, impondo à desvalorização na extensa rede de títulos financeiros vinculada às hipotecas. Tal desvalorização fez com que a suspensão da oferta de crédito para os imóveis (gerando superacumulação relativa monetária ou de ativos financeiros que já não mais vinculados ao financiamento de imóveis ou de hipotecas empenhadas). O resultado subseqüente: caída nas vendas, mas não por falta de demanda, sim por falta de capital que permitisse a venda (como antes); a superprodução de mercadorias então reforça a superacumulação, vez que parte do capital que estava sob a forma mercadoria passou a também a sobrar e a se desvalorizar. E haja Estado!
A propósito, descreveu com nitidez Marx:
“Para sustentar os preços e conter assim a verdadeira causa do mal, foi necessário que o Estado pagasse a preços vigentes antes de estalar o pânico comercial e que descontasse as letras de câmbio, as quais não representavam outra coisa senão bancarrota estrangeira. Em outras palavras, as perdas dos capitalistas privados deveriam ser pagas com o patrimônio de toda a sociedade, representada pelo governo” (Marx, “A crise financeira na Europa”, Editorial do New York Daily Tribune, 22 de dezembro de 1857). [6]
Crise e “estatismo de ocasião”
A expressão, vinda do professor L. Belluzzo, se assemelha aos comentários feitos pelo marxista I. Mészáros, focando particularmente o exemplo na Inglaterra. [7] Com efeito, disse ele, a “novidade pragmática” oposta “ao dogma e à política” – nas noviças palavras usadas por The Economist – na recente “nacionalização da bancarrota capitalista”, pelo governo britânico, é que os contribuintes obtiveram com isso absolutamente nada (“zero-zero-zero”, diz) pelas enormes somas de dinheiro investido em ativos capitalistas fracassados, incluindo os bancos britânicos nacionalizados em cerca de dois terços (de seus valores acionários). Tal nacionalização da bancarrota capitalista – prossegue Mészáros – seria bastante diferente daquela instituídas após a Segunda Guerra Mundial quando a “Cláusula 4” do Partido Trabalhista da Inglaterra, defendendo o controle público dos meios de produção, “ainda fazia parte da sua Constituição”. É que em 1945 os setores nacionalizados foram transferidos para o controle do Estado, e enquanto durou foram “generosamente engordados” com dinheiro público, outra vez para serem privatizados, “no devido momento”.
NOTAS
[1] Ver: “O Capital”, Livro 3, v. 4, Civilização Brasileira, s/d.
[2] Em: “Capítulo inédito D’O Capital – resultados do processo de produção imediato”, Porto, Escorpião, 1975.
[3] Ver: “O Capital”, Livro 3, v. 4, Civilização Brasileira, s/d.
[4] Ver: “Macroeconomia financeira. Crises financeiras e regulação monetária”, v. 1, São Paulo, Edições Loyola, 2004.
[5] Joseph Schumpeter, em “Teorias econômicas. De Marx a Keynes”, Rio de Janeiro, Zahar, p. 63, n. 51.
[6] Em “Marx-Engels – Escritos económicos menores”. Carlos Marx, Frederico Engels – Obras fundamentales v. 11, pp. 204-5, México, Fondo de Cultura Económica, 1987.
[7] Em; “A Crise em desdobramentos e a relevância de Marx”, István Mészáros, in: “Monthly Review, novembro de 2008.