Emancipação das mulheres: uma luta socialista
O atraso imposto às mulheres começou a ser rompido, de fato, com as revoluções do século XX. Na Rússia, a “Revolução de Outubro” de 1917 abalou profundamente velhas convicções machistas e elevou a condição da mulher a um patamar avançado na luta pelos seus direitos. Pode-se dizer que elas foram uma das principais forças na fase decisiva da revolução. Já no dia 3 de março de 1913, as mulheres lembraram o seu dia com manifestações e protestos. No ano seguinte, a prisão das organizadoras do evento impediu uma nova comemoração.
O início da Primeira Guerra Mundial, em 1914, encontrou as mulheres socialistas russas dispostas a não permitir que o país fosse destruído por interesses que nada tinham a ver com o povo. Em pleno fogo da guerra, no começo de 1917, elas realizaram mobilizações, no dia 23 de fevereiro — segundo o calendário russo de então, a data correspondia ao dia 8 de março — que deram origem à greve espontânea das tecelãs e costureiras de Petrogrado. As trabalhadoras saíram às ruas para exigir a paz e pedir pão — e declararam-se em greve.
Cinzas da Segunda Guerra Mundial
Começava ali, efetivamente, a chamada “Revolução de Fevereiro”, que destruiria o império czarista e abriria caminho para a “Revolução de Outubro” — quando os trabalhadores, liderados por Vladimir Lênin, assumiriam o poder no país. A comissária do povo soviético Alexandra Kollontai escreveu que o dia 23 de fevereiro — 8 de março — de 1917 foi “uma data memorável para a história”. “Nesse dia, as mulheres russas levantaram a tocha da revolução”, disse ela.
Com o poder soviético, as mulheres descortinaram novos horizontes. A “Conferência das Mulheres Comunistas”, realizada em 1921 na cidade de Moscou, oficializou o 8 de março como o “Dia Internacional das Mulheres”. A decisão foi amplamente divulgada pela Terceira Internacional, mas o combate ao terror nazi-fascista que cobriu a Europa de sombras, prenunciando acontecimentos tenebrosos, fez com que a data deixasse de ser comemorada.
O Dia da Mulher só voltaria a ser lembrado na década de 60, quando o mundo começava a deixar para trás as cinzas da Segunda Guerra Mundial. Durante todo esse período, no entanto, a emancipação da mulher foi uma bandeira segurada com firmeza pelos socialistas. A base dessa luta são as idéias marxistas. O livro de Friedrich Engels A Origem da família, da propriedade privada e do Estado estabelece uma dimensão realista do peso imposto pelas sociedades baseadas na exploração de classe sobre a mulher. “A opressão do homem pelo homem iniciou- se com a opressão da mulher pelo homem”, escreveu Karl Marx.
Crescente mobilização das mulheres
A teórica marxista Clara Zetkin desenvolveu uma vasta literatura sobre o tema, iniciada nas últimas décadas do século XIX — já nos primeiros anos após a criação da Primeira Internacional. A luta pelos direitos da mulher rapidamente transformou-se em uma das principais bandeiras socialistas. August Bebel, proeminente representante da Primeira Internacional, escreveu o livro A mulher e o socialismo; e Lênin produziu importantes teses sobre o papel da mulher na nova sociedade almejada pelos socialistas. Toda essa torrente resultou na grande obra A nova mulher e a moral sexual, de Alexandra Kollontai.
Pode-se dizer que a formulação socialista deu impulso a um processo de rebeldia feminina iniciado na segunda metade do século XIX. À época, as mulheres — principalmente nos países onde o capitalismo ganhara predominância, como Inglaterra e Estados Unidos — já lutavam pelo direito de votar. Com a fundação do partido socialista norte-americano, em 1901, as mulheres daquele país criaram a União Socialista das Mulheres a fim de exigir esse direito. Nos anos seguintes, brotaram, nos Estados Unidos, muitos clubes de mulheres que empunhavam essa bandeira.
A crescente mobilização feminina levou o partido socialista norte-americano, por meio do seu Comitê Nacional da Mulher, a organizar, no dia 28 de fevereiro de 1909, em Nova York, o primeiro Dia da Mulher no país. “A realização da revolução das mulheres é um dos meios mais eficazes para a revolução de toda a sociedade”, dizia a convocatória do movimento. Até aquele ano, apenas quatro Estados permitiam que elas votassem — o sufrágio universal feminino só chegaria em 1920.
Longa greve nos Estados Unidos
No âmbito da Internacional Socialista — à época a Segunda Internacional —, o debate sobre o voto feminino também era intenso. A 1ª Conferência Internacional das Mulheres Socialistas, realizada em 1907 na cidade de Stuttgart (Alemanha), com a participação de 58 delegadas representando 14 países, aprovou uma resolução — elaborada por Clara Zetkin, Rosa Luxemburgo e Alexandra Kollontai — segundo a qual os partidos socialistas teriam de encampar a bandeira do voto feminino.
A mobilização das mulheres avançava rapidamente. Nos Estados Unidos, o Dia da Mulher de 1910 — o segundo organizado pelo partido socialista — contou com uma grande participação de trabalhadoras têxteis que acabara de sair de uma greve pelo reconhecimento do sindicato da categoria. A repressão agiu com dureza — além da violência aberta, mais de seiscentas pessoas foram presas. Mas as trabalhadoras estavam determinadas a conquistar o seu objetivo e sustentaram a paralisação de 22 de novembro de 1909 até 15 de fevereiro de 1910.
Ainda em 1910, o partido socialista norte-americano aprovou, em congresso realizado no mês de maio, uma proposta, que seria levada à Segunda Conferência das Mulheres Socialistas — realizada em agosto — instituindo o Dia Internacional da Mulher. “As mulheres socialistas de todas as nações organizarão um Dia das Mulheres específico, cujo primeiro objetivo será promover o direito de voto feminino. É preciso discutir esta proposta, ligando-a à questão mais ampla das mulheres, numa perspectiva socialista”, publicou o jornal A Igualdade, dirigido por Clara Zetkin, na edição do dia 29 de agosto de 1910.
Emancipação dos trabalhadores
A data não foi especificada. Alexandra Kollontai, que dirigia a Secretaria da Mulher Socialista da Internacional, propôs que na Europa o Dia da Mulher fosse lembrado em 19 de março — segundo ela para coincidir com o aniversário de um levante de trabalhadoras na Prússia, em 1948, que conquistou, embora provisoriamente, o direito do voto feminino. Mais tarde, na “Conferência das Mulheres Comunistas” realizada em 1921 na cidade de Moscou, houve a unificação em torno do 8 de março — a data da greve em que “as mulheres russas levantaram a tocha da revolução”, como dissera Alexandra Kollontai.
A versão de que o 8 de março surgiu como Dia Internacional das Mulheres em decorrência da greve na fábrica Cotton, em Chicago, no ano de 1857, começa a ser contestada por alguns historiadores. Seja como for, é importante reafirmar essa tradição da luta feminina, que tem como objetivo intrínseco a emancipação de todos os trabalhadores. Como escreveram Marx e Engels, na família moldada pelos ditames capitalistas o homem é o burguês e a mulher representa o proletariado. Não é possível, portanto, a emancipação dos trabalhadores sem a libertação das mulheres.