O pré-sal e a contradição principal na condução macroeconômica
Veio a crise financeira e o governo, de forma acertada, pisou no acelerador do crédito e na isenção de impostos. A discussão sobre o desenvolvimento ganhou fôlego e os dogmas neoliberais pareceram estremecer, mesmo que por instantes. Na verdade, esse movimento acelerou-se no segundo mandato do presidente Lula, momento este que o PCdoB tem colocado como o da gestação de fulcros de um novo projeto nacional de desenvolvimento. Deve-se discutir o papel do Banco Central. Aliás, algo que beira uma questão de ordem pública tamanhos interesses antinacionais por detrás dos homens a frente desta instituição. Nada também de não se impressionar, pois no corte do czar Nicolau II existiam tanto pró-alemães quanto pró-ingleses, ambos grupos com ares de fanatismo. No Brasil pós-década de 1990 seria idealismo rasteiro esperar coisa diferente e como veremos nesta discussão rasteira sobre o pré-sal, eis aí no BC e na condução da política monetária é que reside o "x" do problema.
O importante é que se acumulou forças nos últimos anos. A descoberta de óleo na camada de pré-sal veio em auxílio a este processo. Sob um ponto de vista particular, independente do momento político nada bom para se discutir essa problemática da “partilha do bolo”, a grande verdade é que a grandeza de muitos políticos e intelectuais poderiam estar sendo testada. O buraco é muito mais embaixo, assim como muito mais força deverá ser acumulada…
Estão todos certos
Desde que se descobriu bilhões de barris de petróleo no subsolo oceânico brasileiro, a discussão tem-se pautado pelas formas de exploração, parceria, licitações ou não e por ai vai. A proposta apresentada pela Agência Nacional do Petróleo foi simplesmente avançadíssima nesta matéria. Aos entendidos do assunto é muito claro que o interesse nacional foi preservado, independente da grita nos arraiais do entreguismo no Congresso, na sociedade e na mídia mais podre do mundo. Não vou me estender nessa matéria, mas comentei certa vez com Haroldo Lima que se tratou de uma proposta tão avançada quanto à chinesa nesta mesma matéria, algo – que no caso chinês – passei alguns anos pesquisando.
A discussão – paralela e seguinte – foi pautada pela partilha do bolo. Também não vou comentar o mal estar de ver uma discussão envolvendo até trilhões de dólares sendo discutida em pleno ano eleitoral e pelo legislativo arraigado de interesses desde pessoais até estaduais (justamente), algo que a meu ver deveria estar sendo debatido no judiciário, no Supremo Tribunal Federal.
Imaginando uma regra de usos e costumes, a coisa evoluiu para uma grande parcela dos rendimentos ficar atrelada ao Estado produtor. Até aí tudo bem: façamos de conta que nosso país não é uma federação, com uma conformação histórica altamente desigual, com níveis de desenvolvimento também altamente desigual (não sou de fazer onda sobre o conceito de subdesenvolvimento, afinal subdesenvolvimento não é modo de produção) e com demandas represadas há séculos. Por outro lado, não podemos fazer de conta que os Estados produtores também não guardam demandas seculares. Para um Estado como o do Rio de Janeiro, tudo que ele precisava era de uma dádiva desta. O Rio de Janeiro é uma das maiores vítimas do neoliberalismo no país e na sua mais horrível face sintetizada num tecido social alquebrado, cujos curativos – apesar dos investimentos do PAC no Estado – invariavelmente sempre são analgésicos de tipo fascista: assassínio de pobres pelo próprio Estado pela introdução – também por usos e costumes – de pena de morte seletiva e “choques de ordem” cujas vítimas sempre são pobres, negros e descendentes de nordestinos. Invariavelmente.
Enfim, acredito que estão todos certos nesta história. Os produtores e os não-produtores. Todos estão no mesmo barco de um Estado para quem a única coisa passiva de planejamento é o pagamento religioso dos juros da dívida interna. Isso ainda está para ser invertido.
Hora de se discutir o país
È depressivo o nível desta discussão sobre o direito de quem deve ficar com o fatia maior do bolo. É como se “deus” tivesse escolhido este ou aquele Estado para “abençoar”. Em outras palavras, é como se qualquer Estado brasileiro por si só tivesse condições de erguer, com suas próprias finanças e sem apoio federal, uma super-infra-estrutura para dar cabo de todo o processo produtivo envolvendo a prospecção e refino do petróleo. Os compreensíveis interesses imediatos mais uma vez estão pautando o debate. Abrindo parêntese, tem gente tão patriota metida nisso que na primeira oportunidade de se importar até o parafuso da plataforma “x” o faria utilizando o mesmo sarcástico argumento de que é “mais barato importar que fazer no Brasil”. Os ex-governadores de SP Mário Covas (que se foi), Geraldo Alckmin, o atual governador José Serra, o presidente do BC Henrique Meirelles e outros serial killers da indústria nacional brasileira entendem disso muito bem.
A questão central, a raiz, o “x” do problema reside em alguns pontos fundamentais. O primeiro foi a destruição do pacto federativo brasileiro (Uma herança maldita de FHC ainda a ser enfrentada) em prol da centralização dos recursos no âmbito federal com vistas a certos “compromissos financeiros”. Isso causou uma apostasia nas relações entre União, Estados e Municípios de forma que de um lado, a primazia no pagamento dos juros da dívida interna ganhou primariedade em detrimento dos interesses mais imediatos de reprodução da nação. Por outro lado, consolidou-se uma lógica feudal nas relações entre os três níveis citados redundando no repasse a este ou aquele “governador” (ou vassalo) de acordo com os interesses do governo federal de plantão. Como o pagamento de juros está na ordem primária dos acontecimentos, é sempre a governabilidade dos Estado e dos municípios que estará em risco. Nunca o dos bancos.
Outra questão: os municípios. O Fundo de Participação dos Municípios é uma verdadeira piada de mau gosto. Por exemplo, poucos sabem, mas durante a crise financeira este repasse ora foi cancelada, ora foi dosada a “conta gotas”. Vejamos a velocidade da recuperação de Angra dos Reis após os desastres do início deste ano que veremos como a coisa tem andado. Todo ano em Brasília, ao Congresso Nacional tem uma “marcha de prefeitos”. Esses nobres prefeitos vão atrás do que em Brasília? A maioria vai atrás de dinheiro para pagar salários atrasados de servidores.
Enquanto isso…
Enquanto se discute o problema dos royalties e o pagamento de salários atrasados do funcionalismo de um milhar de municípios brasileiros, será que todos os envolvidos tem noção qual a parcela do orçamento brasileiro segue religiosamente para os cofres dos bancos e famílias detentoras de títulos da dívida pública? Exatamente 30,1%. Não estou confundindo com as verbas carimbadas da educação, não. Nos últimos dez anos foram cerca de 2,5 trilhões de reais desviados do orçamento federal para este “nobre” fim. Nos próximos 50 anos o petróleo do pré-sal não vai render nem metade disso, meus caros. O problema é que os bancos não tem só isso. Eles tem a seu favor a força política, a mídia, a capacidade de corrompimento de muitos “intelectuais”, a covardia de outros tantos (ocupados em discutir “democracia” e outros contos de ciência política que soam bonitinho para certos ambientes “acadêmicos”) e o pior, a meu ver: a naturalização deste processo de sangria.
A culpa é de Lula? Digo que não, pois o prestígio nacional e internacional não se materializou em força política capaz de derrubar esse esquema “fortemente armado”. Não cabe diletantismos e metralhadora giratória nesta história, o problema é de pura força política, matéria contra matéria. Não se trata de poupar nosso presidente, mas de ter noção de realidade política, de concreto.
Voltando, será que se as coisas estivessem diferentes, com o país crescendo 8%, 9% ou 10% ao ano estaria-se perdendo tanta energia com essa discussão do “bolo”? Esse é o “x”. O pior é saber que Meirelles esteve semana passada em Nova Iorque para acalmar seus patrões, dizendo que não tem risco de mudança na condução macroeconômica do Brasil. Para Meirelles, o tempo está parado…
A saída, felizmente, não é ficar parado chorando as pitangas. Por o dedo na ferida é um passo. O momento é de ação, pois independente dos problemas ainda não enfrentados, muita coisa andou, muita força se acumulou e muito ainda a se de acumular, principalmente com a eleição de Dilma Roussef.
Imaginem se esse país a partir de 2011 passa a ser comandado por um tipo José Serra? Seria uma derrota estratégica para o Brasil.