A geografia da produção de alimentos
Introdução
No presente artigo buscamos discutir a temática da produção de alimentos e sua relação com a soberania alimentar. Procuramos demonstrar que essa temática está diretamente relacionada à nocão do desenvolvimento nacional e que determinadas políticas de inserção submissa à liberalização econômica acabam por se tornar um atentado contra a própria soberania nacional.
Para expor nossas idéias apresentamos uma sequência de subtítulos que demonstrem um histórico do problema, a sua manifestação territorial ao abordarmos a especialização da produção, o desenvolvimento desigual e combinado na agricultura e a concentração no comércio de alimentos e sua internacionalização. Por fim em nossas considerações finais mostramos a relação desses aspectos com uma política nacional de desenvolvimento e soberania alimentar.
A produção de alimentos é um fator fundamental na construção de um projeto nacional que preze pela manutenção das condições suficientes para o desenvolvimento das forças produtivas e que vise o bem estar da sua população. O papel da agricultura no desenvolvimento econômico foi algo muito presente no debate clássico ocorrido nos anos 1960 no Brasil. A capacidade da agricultura em gerar recursos para a industrialização, assim como gerar mercado consumidor e, ao mesmo tempo, conseguir produzir alimentos para abastecer as cidades que iam se formando era uma preocupação presente naquele momento em que a urbanização e industrialização apareciam de forma mais acentuada.
Desde os anos 1930, quando um projeto nacional de desenvolvimento com base industrial, levado adiante pelo governo de Getúlio Vargas, a preocupação com a produção e o abastecimento foi algo presente. Os mecanismos de mercado numa conjuntura de grande urbanização e forte êxodo rural não teriam a capacidade de resolver os problemas de abastecimento, sendo necessários mecanismos de intervenção estatais que conseguissem levar o alimento produzido no campo para as populações que cada vez mais se concentravam nas cidades. Também é bom lembrar que o Brasil tinha uma estrutura de produção agrícola em grande parte voltada para as exportações e não tinha um mercado nacional estruturado, mas economias regionais quase independentes, o que agravava o problema da distribuição.
Foi no governo de Getúlio Vargas que se iniciou uma política de centralização dos mercados em um grande mercado nacional, sendo que um dos principais atos para essa política foi o de extinguir as tarifas aduaneiras entre os estados da federação. Desta forma as economias locais diretamente voltadas ao exterior passaram também a fazer parte de uma economia nacional, criando condições para a formação de um mercado interno mais amplo ao mesmo tempo em que acabou concentrando algumas atividades, privilegiando principalmente os Estados de São Paulo e Rio de Janeiro.
A intensa urbanização que ocorria criava, ao mesmo tempo, um problema em relação à capacidade de alimentar as grandes cidades e a possibilidade de um crescimento dos setores produtores de alimentos que então vislumbravam um mercado mais amplo. A economia agrário-exportadora ia se transformando numa economia com um caráter cada vez mais urbano-indusirial. Tal problema passou por dois momentos fundamentais: o da produção de alimentos e o da capacidade destes alimentos chegarem às populações, assim como da qualidade dos alimentos que serão consumidos.
Logicamente ao falarmos de uma população majoritariamente agrícola, como era o caso do Brasil até a década de 1930, onde cerca de 80% da população vivia no campo, esse era um problema menor pois o morador do campo em grande parte produz o seu próprio alimento e, portanto, mesmo com baixa produtividade a produção e abastecimento era um problema resolvido de antemão. Com o aumento das populações urbanas a necessidade de um aumento da produtividade do trabalho no campo e de mecanismos de distribuição e abastecimento das grandes cidades passaram a ser problemas centrais do processo de industrialização/urbanização.
Territorialização e Especialização da produção de alimentos no Brasil
O processo de desenvolvimento brasileiro acabou por concentrar em grande parte a produção industrial nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Tais estados tornavam-se assim os principais pólos de atração que traziam grandes fluxos de pessoas para morarem em suas capitais. A necessidade de abastecimento dessas grandes cidades permitiu, em grande parte, a consolidação de setores agrícolas voltados à produção de alimentos para o mercado interno.
A produção de alimentos, antes dispersa e inserida ainda na lógica do complexo rural e, portanto, não especializada teve, com o processo de desenvolvimento de suas forças produtivas, um impulso para se tornar cada vez mais especializada passando a ter em grande parte uma visível dimensão territorial. Conforme nos aponta ELIAS (2003, p.37)
A organização do espaço geográfico se dá pela permanente relação de troca entre o homem e a natureza. Os conjuntos técnicos, mediadores dessa relação, são diferentes a cada fase de evolução da humanidade marcando de maneira particular o território.
Ou seja, a intensificação da urbanização e formação dos mercados nacionais de alimentos e o desenvolvimento técnico da agricultura marcam de forma substancial a capacidade de produção, trazendo um processo de especialização territorial da agricultura. Este vai se tornando mais intenso com a melhoria dos sistemas de transportes que proporcionou a incorporação de novas terras (as fronteiras agrícolas) ao mercado nacional. Tal processo faz com que uma série de alimentos sejam produzidos de forma intensiva em partes do território nacional e de lá partam para o abastecimento do restante do país.
Os alimentos básicos para a população hoje podem ser vistos de forma bem territorializada, podemos dar como exemplo a produção de arroz, que apesar do predomínio do Rio Grande do Sul, se encontrava dispersa por vários estados, entre eles o estado de São Paulo, onde concentra-se a maior parte da população brasileira. Com a maior especialização da produção este estado praticamente abandonou a produção de arroz passando a adquirir esse produto de outros estados, como o caso de Santa Catarina, Mato Grosso e Rio Grande do Sul.
Outros exemplos da especialização da produção podem ser citados, como o fato de cerca de 1/4 da produção brasileira de leite se encontrar em Minas Gerais; ou mesmo os cerca de 80% da produção brasileira de laranja ser feita no estado de São Paulo; a maior parte da produção brasileira de maçãs nos Estados de Santa Catarina e Paraná; a maior parte da produção de aves para abate no oeste de Santa Catarina e sudoeste do Paraná; grande parte da produção de suínos ocorrer no estado do Paraná, entre vários outros exemplos. Dessa forma percebemos uma dinâmica territorial bem marcada na produção de alimentos no Brasil. Logicamente não existe uma concentração total desses produtos, mas é inegável o papel da especialização que a produção de alimentos vem adquirindo.
Tal característica de especialização se deu como derivação do processo que chamamos de Modernização da Agricultura levada adiante a partir da década de 1960. Uma série de políticas de Estado que visavam aumentar a capacidade de produção e o grau de intensificação técnica da agricultura, em grande parte baseados em dois pontos principais: uma política de crédito rural subsidiado e uma política de preços mínimos. Tais políticas visavam resolver os problemas apresentados nos anos 1960, alvo do grande debate em relação ao papel da agricultura no desenvolvimento. Vale lembrar que a Modernização da Agricultura não se deu de forma igual entre todos produtos e mesmo entre todos os Estados brasileiros.
Desenvolvimento desigual e combinado na agricultura brasileira
O processo de Modernização da Agricultura brasileira teve, em grande parte, o objetivo de apresentar soluções para dois pontos fundamentais da época: o aumento das exportações agrícolas como forma de buscar divisas para financiar a continuidade do processo de industrialização e o aumento da produtividade na agricultura como forma de garantir a produção de alimentos a preços baixos possibilitando a manutenção dos salários urbanos a níveis baixos e, assim, melhores condições no processo de acumulação urbana.
As políticas de modernização voltadas aos produtos para exportação em grande parte seguiram a lógica de adicionar valor através do processo de industrialização. Vale lembrar que uma série de incentivos eram dados aos produtos agrícolas que passassem por algum tipo de transformação industrial antes de serem exportados. Alguns setores foram grandemente beneficiados com tais políticas governamentais como foi o caso da laranja, da soja, da cana-de-açúcar, etc.
Outro aspecto importante foi a política, adotada pelo governo, de diminuir sistematicamente a dependência do Brasil em relação às exportações de café, aumentando a pauta de exportações de produtos agrícolas combinada à uma política de aumento das exportações industriais.
Por outro lado houve políticas para os produtos voltados ao mercado interno, em grande parte ligadas à existência de preços mínimos e às políticas de distribuição, armazenagem e abastecimento (através da Cobal, Cibrazem, etc). Os incentivos fiscais também foram marcantes para uma série de produtos. Como já afirmamos, não só a preocupação com a produção se torna importante, mas também a preocupação em relação aos aspectos do abastecimento.
Por mais que houvesse concentração dos incentivos fiscais para determinados produtos e para determinados estados (grande parte dos incentivos se concentraram dos estados do Centro-Sul) o desenvolvimento mais intenso da agricultura proporcionou uma expansão da modernização para outras áreas que não obtiveram incentivos. A própria especialização criada com as demandas de produtos para exportação criou a necessidade do surgimento de novas áreas para os produtos alimentícios. O aumento das redes de transporte, por exemplo, proporcionaram a incorporação de grandes áreas novas liberando outras áreas para a agricultura. Podemos citar o exemplo da incorporação do oeste do Estado de São Paulo e o Mato Grosso do Sul na produção de carne bovina, que levou à liberação de grandes áreas destinadas à pecuária na região de Barretos que passaram a ser cultivadas com cana-de-açúcar ou laranja.
Além disso, o desenvolvimento tecnológico proporcionado pela especialização da produção permite o barateamento da tecnologia mais antiga fazendo com que outros produtores menos capitalizados tenham acesso a elas. Podemos dar o exemplo da cadeia produtiva de frango que teve grande desenvolvimento tecnológico proporcionado pelas grandes empresas exportadoras e que, ao criarem novas tecnologia, acabam disponibilizando sua antiga tecnologias para empresas menores, em grande parte voltadas ao mercado interno.
Ou seja, por mais que tenha havido um caráter desigual no processo de modernização da agricultura brasileira, esse processo teve também o seu caráter combinado, levando uma das características fundamentais do processo de acumulação que é a existência do desenvolvimento desigual e combinado. Ora, tal processo é de fundamental importância para podermos entender a lógica em que vai se inserir um projeto de segurança e soberania alimentar no Brasil.
A dicotomia entre produção familiar e agronegócio
Um dos principais aspectos que se observa hoje em dia em relação produção de alimentos está relacionado ao que produzir e como produzir, unindo dois aspectos fundamentais em relação às necessidades nacionais: o primeiro a produção de alimentos com qualidade e o segundo que possam ser efetuadas sem dependência do exterior, trazendo assim a possibilidade de se ter o que se convencionou chamar de soberania alimentar.
Obviamente esses dois aspectos mostram que a permissão para a produção de soja transgênica com o monopólio da Monsanto na comercialização das sementes é um atentado contra qualquer política de segurança e soberania alimentar. Não devemos, no entanto, romantizar e achar que o único alimento que deva ser consumido é aquele que é cultivado apenas com os recursos que a natureza dadivosa nos dá. O uso de tecnologia moderna, insumos químicos e defensivos não devem ser descartados de imediato. Uma agricultura ecologicamente correta, não "envenenada", deve representar um passo adiante em relação ao desenvolvimento das forças produtivas, e não um passo atrás.
Algumas políticas ligadas à produção de alimentos e abastecimento presentes hoje ainda são visivelmente ligadas ao grau técnico de desenvolvimento da agricultura, como é o caso da necessidade da melhoria dos tipos de alimentos produzidos (ligados à diminuição do uso de agrotóxicos, por exemplo) e aos programas de combate a fome, fazendo chegar à mesa da população alimentos melhores e mais baratos. Tal objetivo pode ser atingido aumentando o grau técnico da agricultura e não na sua diminuição com políticas de "volta do homem ao campo". Nas palavras de GONÇALVES (2003, p.64)
Por que a política para agricultura familiar, centrada no exemplo do feijão, mostra-se incompatível, e até mesmo antagônica, com os objetivos do programa contra a fome? Para combater a fome urbana ou de regiões com baixas possibilidades de produção suficiente, deve-se mobilizar os instrumentos de sucesso da agricultura brasileira. Assim, para uma mesma quantidade de recursos disponíveis, quanto menor o preço final pago pelo consumidor, maior a quantidade de alimentos adquirida e consumida. Feijão mais barato é mais feijão no prato, poderia ser o lema. Afinal, como produz feijão, uma lavoura modernizada nos padrões capitalistas, esse como os demais grãos? (…)
Em outras palavras, uma política de combate a fome e de segurança alimentar deverão estar ligadas à radicalização e ampliação do processo de modernização da agricultura. Com aumento de nível técnico, mecanização, biotecnologia, tecnologias limpas, etc. Não dá para se produzir alimentos para quase duzentos milhões de habitantes utilizando-se de sistemas arcaicos de produção.
No entanto é bom lembrarmos que hoje não é a produção o problema que mais nos preocupa. A produção de alimentos no Brasil já é em grande parte feita por propriedades modernas e com alto grau de produtividade. A questão do não acesso aos alimentos por grande parte da massa da população é uma questão de demanda e não de oferta. Os problemas que restam, dessa forma, dizem respeito à produção com melhor qualidade e as formas de fazer com que os alimentos cheguem à mesa da população. Portanto discutir a dicotomia entre o agronegócio e a agricultura familiar é um aspecto secundário da questão. O ponto fundamental está na discussão do crescimento econômico, da geração de empregos e da forma subordinada com que o país se inseriu na economia mundial.
Concentração na comercialização de alimentos e abastecimento: um ataque à soberania
O Estado brasileiro se pautou pelas mais diversas formas de intervenção nas questões do abastecimento até os anos 1980. Nas palavras de BELIK, (2000, p. 156)
Apoiado na emergência de aquilo que se determinou 'crises de abastecimentos', o estado iniciou sua intervenção no mercado já no final da primeira década deste século. Tendo como motivação o controle de preços, o poder público passou a exercer não apenas a regulação das relações de produção e distribuição, mas também o armazenamento, o atacado e o varejo de alimentos.
A partir dos anos 1980 as políticas de Estado foram se tornando cada vez mais raras chegando aos anos 1990 com um processo de entrega dos problemas do abastecimento para serem resolvidos pelo mercado. Foram as grandes redes de supermercados que se instalam a partir da década de 1990 que passaram a comandar o abastecimento das grandes cidades.
Verificamos assim que boa parte das políticas de regulação do Estado no comércio de alimentos foi sendo abandonada. Como aponta BELIK (2000, p. 149)
As causas para este movimento podem ser localizadas não só no avanço da Grande Distribuição com a consequente redução do papel das formas tradicionais de comércio de alimentos, mas também pela ação do Estado na sua função tradicional de promover políticas compensatórias.
Para reforçar nossa argumentação, voltamos ao debate dos anos 1960 em relação aos problemas de abastecimento. Como nos apontava Rangel (1963) o principal problema do abastecimento no Brasil ocorria pelo fato da comercialização se dar obedecendo dois critérios diferenciados, um relativo aos produtos de exportação e outro para os produtos voltados ao mercado interno. Nesse segundo caso a comercialização se faz na condição oligopsônio-oligopólio, o qual, graças à presença do Estado opera como se monopsônio-monopólio fosse. De um lado apóia-se na baixíssima elasticidade-preço e renda da demanda dos produtos que supre, de outro, na elevada elasticidade-preço da oferta dos mesmos produtos. (Rangel: 1963, pp. 91-92)
Ora, um dos principais fatos, já apontados na década de 1960, era a comercialização em forma de oligopólio-oligopsônio. Algumas políticas públicas de abastecimento conseguiam minimizar o papel do atravessador criando melhores condições na distribuição. O processo de desnacionalização dos anos 1990 criou condição para a volta desse oligopólio-oligopsônio com uma característica piorada, que é o fato de grande parte do abastecimento no Brasil estar altamente concentrado e nas mãos de grandes grupos estrangeiros , como nos aponta BASTOS (2005, p. 55)
No Brasil, no ramo de supermercados, assiste-se também forte processo de concentração, pois em 1997, as cinco maiores empresas do ramo de auto-serviço detinham cerca de 27% do faturamento, no ano 2000, esse percentual saltou para 41% (Carrefour, Pão-de-Açúcar, Sonae, Bompreço e Sendas). Ressalte-se que, destas empresas, o Pão-de-Açúcar tem participação de capital estrangeiro (28% do grupo Cassino , francês) e apenas a última é 100% nacional, sendo as demais controladas pelo capital estrangeiro.
Ou seja, a discussão da segurança alimentar no Brasil hoje, obrigatoriamente deve passar pela análise desse processo de desnacionalização e concentração dos setores de distribuição, e não somente na produção, como tem sido comum a preocupação. Vale lembrar que mesmo no setor de produção de alimentos a concentração tem sido muito intensa também. Como se dá a inserção do produtor agrícola numa situação de oligopólio no comércio de alimentos? Num setor onde a industrialização dos produtos alimentícios se dá em grande parte de forma intensamente concentrada? Entender as práticas monopolistas no setor é ponto fundamental para se poder falar em uma política de soberania alimentar. Os produtores de laranja acuados pelo cartel das empresas esmagadoras notam bem o que é o jogo de força entre o produtor e o monopólio .
Em nossa visão o ponto fundamental a se discutir é a inserção subordinada que o país teve na economia mundial nos últimos anos e a falta de um projeto nacional. A ponto de, como já dissemos anteriormente, se adotar uma política suicida de plantio de soja transgênica totalmente subordinada ao monopólio da Monsanto e, ao mesmo tempo, proibir ou dificultar as pesquisas nacionais nesse tema. Vale lembrar que foi com apoio de alguns intelectuais de “esquerda” e de movimentos sociais que a Embrapa ficou praticamente proibida de pesquisar variantes da soja transgênica.
Considerações finais: soberania e segurança alimentar no bojo de um projeto nacional
Do ponto de vista nacional, ter a capacidade de alimentar sua população é tão ou mais importante que qualquer política relativa à defesa do território. Um país que não consegue produzir alimentos suficientes, ou não tem capacidade para fazer com que tais alimentos cheguem à mesa da população, acaba se tornando dependente de importações de alimentos fazendo com que sua soberania alimentar acabe se tornando um ponto fraco da própria consolidação da sua soberania nacional. Os EUA tem isso de forma clara, e se utilizam do seu "arsenal de cereais" como arma importante em suas políticas de relações exteriores. Como nos aponta FLYNN (1982, p. 66):
Quando o presidente Cárter anunciou um boicote de cereais contra a URSS, em principio de 1980, em represália pela intervenção no Afeganistão, já não podia haver dúvidas de que os alimentos constituem uma arma no arsenal da política externa norte-americana. Embora essa medida seja o exemplo mais impressionante da diplomacia alimentar dos EUA nos últimos anos, o poder alimentar foi um tema frequente na política externa norte americana na década passada. O ex-secretário de Agricultura Earl Butz resumiu o pensamento predominante em Washington ao dizer aos jornalistas, em 1974: " O alimento é um instrumento, é uma arma de negociação para os Estados Unidos".
Ou seja, o uso das políticas de ajuda alimentar (em grande parte marcadas pela Lei 480 de 1954) foi a forma dos Estados Unidos unirem a política de seu comércio agrícola, destinando parte do seu excesso de produção para outros países ao mesmo tempo que cria condições para que isso servisse como arma na sua política imperialista . A própria utilização das políticas de exportações de cereais para países de terceiro mundo (em grande parte travestidas de políticas de 'ajuda' ao desenvolvimento) demonstraram o poderio que a capacidade de produzir alimentos tem. Durante o governo Allende no Chile os Estados Unidos diminuem sua política de "ajuda alimentar" com o intuito de derrubar o governo e, logo após sua queda, volta a financiar e exportar alimentos para esse pais.
Um ataque ao abastecimento alimentar é algo que tem a capacidade de desestabilizar governos ou mesmo de destruir a capacidade de resistência de nações, daí a importância marcante em relação à soberania alimentar. Resta saber qual é a forma com que o Brasil pretende se inserir nessa lógica. Os exemplos da história podem ser altamente didáticos e servir para elaboração de estratégias de uma inserção menos subordinada. A soberania alimentar passa não somente pelos seus aspectos de produção mas também pela distribuição/comercialização dos alimentos. Políticas de segurança alimentar devem representar um passo adiante na modernização, devemos nos atentar para os fatores principais de nossos problemas e não para o que é secundário.
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Referências
BASTOS, José Messias e ESPÍNDOLA, Carlos José , Reesiruturação agroindustrial e comercial no Brasil. Florianópolis: UFSC, 2005.
BELIK, Walter. Mecanismos de cooerdenação na distribuição de alimentos no Brasil. In BELIK, Walter e
MALUF, Renato S. (orgs.) Abastecimento e Segurança Alimentar: os limites da liberalização. Campinas: Unicamp-IE, 2000.
BELIK, Walter. Muito Além da Porteira: mudanças nas formas de coordenação da cadeia agroalimentsr no Brasil. Campinas. Unicamp-IE, 2001.
DELGADO, Guilherme C. Expansão e modernização do setor agropecuário no pós-guerra, um estudo da reflexão agraria. In Estudos Avançados – Vol. 15 n. 43 – set/dez 2001. USP
ELIAS, Denise. Globalização e Agricultura. São Paulo.Edusp, 2003.
FLYNN, Patrícia e BURBACH, Roger. Agroindústria nas Américas. Rio de Janeiro, Zahar, 1982.
GONÇALVES, José Sidnei. Crise Agrária no Desenvolvimento Capitalista: fugindo da aparência na busca da essência. Informações Económicas, IEA-SP, v. 33, n, 11, nov, 2003,
GRAZIANO DA SILVA, José. A Nova Dinâmica da Agricultura Brasileira. Campinas:Unicamp-IE, 1998.
RANGEL, Ignacio. A Inflação Brasileira. Rio de janeiro: Tempo Brasileiro, 1963.
SAMPAIO, Fernando dos Santos . A consolidação do monopólio na citricultura brasileira. In: Marcio Rogério da Silveira; Lisandra Pereira Lamoso; Paulo Fernando Cirino Mourão. (Org.). Questões nacionais e regionais do território brasileiro. 1 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2009, v. 1, p. 133-154.
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O complexo rural conforme nos aponta Rangel (1990) era composto por uma série de atividades, na qual a agricultura era apenas uma delas. A abertura do complexo rural significou maior especialização das atividades deixando para o campo as atividades propriamente agrícolas e transferindo para as cidades suas atividades não agrícolas.
– Vale lembrar que em 2005 a participação acionária do grupo Cassino no Pão de Açúcar passou para 50%.
– Para maiores detalhes sobre o caso da laranja, ver Sampaio (2009).
Conforme nos aponta FLYNN E BURBACH 1982, p.67): "Com a aprovação da Lei 480 em 1954 a ajuda alimentar foi institucionalizada como arma do imperialismo norte-americano, e o fluxo de alimentos para o exterior atingiu proporções sem precedentes "