1 – O livro de Darc Costa representa uma iniciativa, rara no Brasil, de conjugar o conhecimento filosófico, histórico estratégico com o fim de definir os fundamentos de uma estratégia para um projeto nacional brasileiro.

2 – A idéia de um projeto nacional e, portanto, de uma estratégia para implementar os objetivos desse projeto, pareceu ultrapassada durante a longa e escura noite do pensamento único, da “vitória” esmagadora do pensamento político e econômico neo-liberal. Noite na periferia. pois esse pensamento foi em extremo útil para concentrar cada vez mais poder econômico, político e militar em be¬nefício das Grandes Potências que se encontram no centro do sistema mundial. Essas Grandes Potências se encontram temporariamente abaladas pela grave crise, a qual nos assola, a elas e a nós, mas que, em grande medida, poderá vir a manter a posição relativa de poder entre os Estados, quando chegar ao seu final. Aquele "pensamento único" afirmava, em síntese, que o Mercado seria capaz de resolver naturalmente todas as questões econômicas (e sociais) e que. portanto. projetos, estratégias, programas, todos sinônimos de intervenção do Estado, seriam idéias não só arcaicas, mas contraproducentes.

3. Todavia, a necessidade de um projeto nacional, e de uma estratégia que a ele corresponda, é tanto maior:

(a) quanto maior a aceleração do progresso científico e tecnológico e quanto menor a capacidade do país na geração de inovações tecnológicas;

(b) quanto maior o número de países que executam políticas internacionais com base na competição, e que o fazem a partir de projetos nacionais. e quanto maior o atraso relativo do país em relação aos demais países;

(c) quanto maior o potencial não desenvolvido do país;

(d) quanto maiores os diferenciais de renda entre grupos sociais e entre as regiões do país;

(e) quanto menor o nível absoluto de acumulação de riqueza pelo país e quanto maior o percentual de famílias abaixo do nível de pobreza;

(f) quanto mais recente a sua civilização e quanto mais difundida no país a noção de inferioridade relativa de sua sociedade.

4. Esse conjunto de circunstâncias certamente se aplica à situação brasileira.
Assim, pela necessidade de um projeto nacional brasileiro e de sua estratégia, a obra de Darc Costa é mais do que oportuna, ela é indispensável para um debate sobre o futuro que a sociedade deseja para si mesma, para o Brasil. Não aquele futuro que elites ínfimas, equipes de tecnocratas alienados, oligarquias encrustradas, almejam não para o Brasil mas em realidade para si mesmas.

5. A crítica da análise da evolução do pensamento ocidental, que é essencial para o conhecimento e a interpretação da realidade, base indispensável para a formulação de uma estratégia nacional, em seus aspectos ideológicos e físicos, po¬deria ser com melhor proveito feita por um estudioso da filosofia e não por quem assina este prefácio. Todavia, é possível afirmar que a apresentação panorâmica deste pensamento, feita por Darc Costa na parte inicial de seu livro, a própria idéia de fazer esta apresentação. é extremamente válida para aqueles que não são filósofos, mas que se interessam pelas questões estratégicas.

6. Da leitura da descrição dos principais temas dessa trajetória filosófica, da síntese do pensamento de seus principais expoentes, fica clara a importância de Hegel para o pensamento de Darc Costa. Em especial a idéia de que a evolução do Homem através dos tempos depende não só do espírito, mas sim da vontade humana de transformar a natureza das relações sociais.

7. Esta é uma questão central para a elaboração e a execução de uma estratégia nacional. t certo que uma estratégia nacional necessita para ser exitosa do apoio de uma parcela substancial da população, mas, certamente, não seria a maioria da população em um país subdesenvolvido como o Brasil, em situação aguda de privação física e intelectual. que poderia elaborar uma estratégia nacional. Serão certamente aquelas elites mais comprometidas com a idéia de transformação do país. de reorganização nacional, de superação dos privilégios que subjugam a so¬ciedade, o Estado e a população a situações de fraqueza, de extrema desigualdade e de subdesenvolvimento que poderão formulá-la.

8. E neste processo é essencial a idéia de que o Espírito é uma força vital, real, transformadora, já que as condições reais, objetivas, são absolutamente desfavo¬ráveis. as resistências e a miopia dos privilegiados é enorme, e os desafios gigan¬tescos. Acreditar na possibilidade de transformação das condições econômicas objetivas, das relações tradicionais de produção e de poder, acreditar na força das idéias. é indispensável às elites intelectuais progressistas, assim como é indispen¬sável a difusão dessas idéias para que venham a ler o apoio imprescindível da maioria da população.

9. Sem esquecer a contribuição de Marx, sem renegar a realidade das condições materiais objetivas, é necessário, no subdesenvolvimento, acreditar com absoluta convicção na possibilidade de transformação. na capacidade do povo de promover a radical transformação de seu destino. Assim ocorreu no Japão, arquipélago feudal de centenas de ilhas. que se transformou na segunda potência econômica mundial; assim ocorreu na Coréia, país feudal com imenso contingente de analfabetos, hoje país industrializado e tecnologicamente avançado e assim por diante. Assim, terá de ocorrer no Brasil.

10. A segunda parte do livro de Darc Costa, que se ocupa da formação histórica do Brasil, representa também conhecimento indispensável e necessariamente pré¬vio à discussão sobre uma estratégia nacional.

11. Nessa parte do livro, Darc Costa expõe sua visão da estratégia portuguesa de mundialização, uma nova forma de globalização, e do Brasil como herdeiro dessa estratégia. na qualidade de América Portuguesa. a partir de um centro irradiador de civilização no Atlântico Sul. Esse seria um processo positivo de globalização humanista em oposição à globalização anglo-saxônica em curso, com suas características mercantis, individualistas e consumistas.

12. A idéia de mundialização merece um comentário mais detido. De um lado, seria difícil imaginar, salvo uma catástrofe gigantesca, tal como uma guerra nu¬clear, uma reversão do processo de globalização em curso, que está intimamente ligado ao avanço tecnológico na área da telecomunicação e da cibernética. Trata-¬se, portanto, de humanizar a globalização, fazer com que ela funcione não em benefício apenas dos países ricos e nesses de suas elites mais ricas, nem apenas em benefício das elites ricas dos países pobres, mas sim em benefício da imensa maioria da humanidade, excluída, empobrecida, vitimizada.

13. Os portugueses foram certamente os pioneiros do processo de criação do sistema mundial moderno e, com enorme audácia e persistência, foram ao encon¬tro das civilizações mais distantes na Ásia. em um contato em que a violência e a ganância estiveram presentes. Na América, sua contribuição foi mais duradoura e sólida e contribuiu para a formação de uma sociedade multiétnica, de caracterís¬ticas que se poderia dizer novas, mas que seus próprios integrantes por vezes não reconhecem.

14. Em sua discussão na terceira parte do livro, Darc Costa aborda a questão da estratégia nacional em seus principais aspectos. Examina os temas da Nação, do Estado, das relações entre centro e periferia, as questões-chaves de energia, de educação e defesa e. finalmente, da inevitável relação do Brasil com seus vizinhos sul-americanos no processo de integração da América do Sul, o maior desafio de política externa (e interna) que enfrentamos e enfrentaremos nos próximos anos.

15. O Brasil exibe características extraordinariamente positivas em termos de nação. Seu território terrestre e marítimo não é contestado, nem partes dele fo¬ram adquiridas pela força; sua população é resultado de um amplo processo de miscigenação ainda em pleno curso, sem estigmas raciais profundos, sem fraturas religiosas, sem discriminações regionais significativas; seu maior desafio são as extremas disparidades de riqueza e a integração de sua sociedade e de seu sistema econômico; há uma clara idéia de um passado comum, e, certamente, há uma visão crescentemente positiva de destino comum do povo brasileiro.

16. O Estado brasileiro ainda representa majoritariamente os interesses das eli¬tes econômicas politicamente hegemônicas, e somente há poucos anos começou a reorientar sua ação para promover uma redistribuição mais significativa de re¬cursos sociais, resultado óbvio da tributação, de modo a corrigir gradualmente as extraordinárias disparidades. Todavia, as elites econômicas lutam encarniçada¬mente para recuperar o que pagam como tributo ao Estado: clamam pela redução dos impostos e contra a carga tributária, que julgam sempre “excessiva”; exigem a redução do Estado apesar de já ser ele mínimo; esbravejam contra a micro corrup¬ção enquanto fraudam o fisco em larga escala; argumentam contra a ação social do Estado e alegam que os recursos dos programas sociais caso fossem entregues ao setor privado seriam mais útil e eficientemente usados; defendem, com unhas e dentes, seu controle dos meios de comunicação social e seu direito de liberdade de expressão de suas opiniões, inclusive por vezes de defesa de interesses estran¬geiros e assim por diante.

17. Na realidade, o Estado é frágil e de pequena dimensão em seu ramo execu¬tivo; controlado pelos interesses econômicos setoriais no Legislativo; insuficiente e desequipado no Judiciário, que aplica a lei com rigor contra os desprovidos e com suave leniência às classes médias e às elites. Dele, as elites que o controlam tudo cobram, enquanto que o povo reconhece, em momentos de sabedoria, que interesses, em geral e na maior parte do tempo, esse Estado representa.

18. O Estado é fone para defender os privilégios das classes hegemônicas e fraco para defender os direitos legítimos da enorme maioria do povo oprimido. Sempre que se encontram em dificuldade, como nesta crise de 2009, as classes hegemônicas clamam pela proteção do Estado enquanto, sempre que se sentem ameaçados seus privilégios. exigem sua intervenção para conter as reivindicações das classes oprimidas.

19. Assim, ao falar do fortalecimento do Estado brasileiro, o que se deve ler como objetivo é a sua desprivatização, é a sua transformação em instrumento de progresso material e espiritual para a maioria da população brasileira, para que deixe de ser um instrumento de preservação dos privilégios e da hegemonia das classes tradicionais.

20. Centro e periferia. Questão central para o pensamento de Darc Cosia que procura mostrar como os Estados da periferia têm a vocação de se tornar centro, de marcharem para o centro, em um processo histórico de substituição dos países líderes do sistema mundial. A questão não é simples, pois este não é um processo natural, nem automático, nem necessário. De um lado, os Estados que se encontram no centro do sistema procuram preservar seus privilégios e os mecanismos de acumulação de poder e de riqueza que os beneficiaram historicamente; de ou¬tro lado, ainda que tenha havido através dos tempos a substituição de potências hegemônicas por outras, o fato é que nem todos os candidatos a potência, a cen¬tro, foram bem-sucedidos em seu intuito. Nos últimos séculos, desde que se con¬figurou um sistema que se possa chamar de mundial, sua principal característica estrutural tem sido os impérios coloniais formais, sucedidos nas décadas de 60 e 70 por impérios informais, mas não menos poderosos, em que coube aos países europeus e aos países de colonização européia, em especial anglo-saxônica, o pa¬pel de metrópole. Assim. Portugal e Espanha foram sucedidos pela Holanda, esta pela França e Inglaterra. com a predominância final da Inglaterra após a derrota de Napoleão, a Inglaterra pelos Estados Unidos. Outros Estados que se aventuraram a desafiar a liderança do momento, como a Rússia, a Alemanha e o Japão, não somente não foram bem-sucedidos, como foram punidos.

21. Não há dúvida de que as questões relativas à energia, à educação e à de¬fesa são centrais na definição de uma estratégia nacional de desenvolvimento no contexto de um sistema mundial caracterizado por uma acirrada competição econômica, política e militar. A formação de mão de obra de alto nível científico e tecnológico e sua integração no sistema produtivo e social brasileiro; um programa de investimentos em geração e transmissão de energia que permita a ampliação da produção industrial, ao qual se deveria acrescentar um programa de fortalecimen¬to e de integração da indústria de bens de capital; e um programa de recuperação e modernização da indústria de defesa, com tecnologia cada vez mais própria e nacional, são programas estratégicos essenciais, cujos resultados não são imedia¬tos e sim a longo prazo, mas que têm de ser iniciados e perseguidos com o maior empenho e determinação por décadas. A estes se devem acrescentar programas de desenvolvimento da cibernética. da biotecnologia. da indústria nuclear e espacial. Essas áreas são a chave do futuro soberano e próspero de uma grande sociedade urbana.

22. Os capítulos finais do livro de Darc Costa são dedicados à análise do maior desafio de política interna e externa brasileira: as relações do Brasil com seus vizinhos e o projeto de integração da América do Sul.

23. Uma das principais características do sistema mundial em processo de glo¬balização, e que sobrevive apesar da enorme crise que o sistema enfrenta em 2009. é a formação de grandes blocos de países, sob a liderança hegemônica de Grandes Potências tradicionais. Assim, na Europa, forma-se, desde o Tratado de Roma de 1957, através de processos econômicos e políticos, um novo Esta¬do, a União Européia, com suas instituições bem definidas: a moeda única, o Banco Central Europeu, a Política Agrícola Comum, a tarifa externa comum, o Parlamento Europeu, a Corte Européia, e dezenas de milhares de regulamentos que procuram estruturar o mercado comum, as condições de concorrência neste mercado. a livre circulação do capital, da mão de obra, de bens e serviços etc.

Com seu centro na América do Norte. a partir do NAFTA, forma-se uma cada vez mais extensa área de livre-comércio, com normas uniformes para o comércio de bens e de serviços, a movimentação do capital financeiro e o capital de investi¬mento, a propriedade intelectual, que agora já inclui toda a América Central, a República Dominicana, a Colômbia, o Peru e o Chile. Há iniciativas para celebrar acordos bilaterais entre esses países e até talvez para unificar todos esses acor¬dos em um só chamado Caminho da Prosperidade, como pretendem os Estados Unidos. Em outra região, observa-se um esforço estratégico russo de reorganizar a antiga área geográfica da União Soviética, através de acordos de livre-comércio e de acordos de defesa entre a Rússia e os novos Estados que surgiram com a de¬sintegração da antiga superpotência. Mais a Leste, na Ásia, está em pleno curso a estratégia chinesa de celebrar acordos com países da região, com o objetivo de distribuição da atividade produtiva. e que levam à formação de ampla área de influência. Na África, formou-se a União Africana e se articulam várias iniciativas de organização de uniões aduaneiras, mas sem que haja, como nos casos anterio¬res, um Estado que exerça sobre os demais uma clara liderança.

24. A América do Sul é o centro da política externa brasileira e cada dia mais importante falar para a estratégia econômica brasileira e para o sistema político brasileiro. Apesar das visões preconceituosas e primeiro-mundistas das elites tra¬dicionais, que insistem em olhar com desprezo os nossos vizinhos e com admira¬ção subserviente os países do Norte.

25. A situação na América do Sul tem como principais características as extre¬mas assimetrias entre os países da região; a prevalência de enorme concentração de riqueza, em que se defrontam ínfimas elites riquíssimas e numerosas massas em estado de indigência e pobreza; a precariedade dos vínculos físicos de integra¬ção dentro e entre os diferentes Estados; os ressentimentos históricos latentes que volta e meia eclodem entre os diversos Estados da região.

26. A primeira e essencial tarefa de um projeto nacional em sua vertente externa é a promoção da integração física da América do Sul, nas áreas de energia, trans¬porte e comunicações, que permita a formação de um grande mercado regional e, portanto, a emergência de grandes empresas capazes de competir com sucesso não só na região como no mundo.

27. Em segundo lugar. a promoção da união sul-americana, como instrumento es¬sencial de fortalecimento dos Estados da região nas negociações internacionais, para que as regras a serem estabelecidas nos mais diversos campos. tais como o comércio, a economia, as finanças, o meio ambiente, os temas militares, venham a fortalecer e não a inibir o desenvolvimento de cada Estado e da região como um todo.
28. Em terceiro lugar. a cooperação, através do intercâmbio de experiências bem¬-sucedidas, para a redução das desigualdades sociais que existem em cada Estado e que são o principal fator inibidor de seu desenvolvimento econômico e de sua estabilidade política.

29. O Brasil somente poderá se tornar uma nação desenvolvida, próspera, jus¬ta e democrática em uma América do Sul que também o seja. Assim, o projeto nacional brasileiro e sua estratégia tem de contribuir de forma decisiva para o desenvolvimento da América do Sul. A implementação deste projeto é urgente, e o livro de Darc Costa chega no momento oportuno.