Logo de saída, o reconhecimento da figura de João Amazonas, como principal ponto de apoio na tarefa de resgatar a história do Partido, chama a atenção. Além de ter uma trajetória de vida que se entrelaça com a do Partido, ele influenciou as gerações posteriores e é parâmetro para se compreender as mudanças da atualidade.

Amazonas conviveu com militantes e dirigentes tanto da época da fundação do Partido, como Astrojildo Pereira e Leôncio Basbaum, quanto da atualidade, como Renato Rabelo, além de comunistas históricos como Luis Carlos Prestes, Maurício Grabois, Carlos Marighella, Pedro Pomar e Diógenes Arruda Câmara. Em sua longa vida e militância, ele participou de todas as fases vividas pelo Partido desde 1935, como a estreita ligação com URSS, a repressão do Estado Novo, a reorganização na Conferência da Mantiqueira em 1943, a crise deflagrada com o XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), a reorganização de 1962, o enfrentamento à ditadura militar de 1964, os massacres promovidos pela ditadura na Guerrilha do Araguaia e na chacina da Lapa, a anistia, o processo de redemocratização, até a formação das bases e das direções que configuram o PCdoB atualmente.

Mais do que isso, além de ser o personagem central da história narrada no livro, Amazonas é mencionado como principal idealizador da obra. Ele sabia que sistematizar e registrar a história e fomentar o debate interno eram condições vitais para a permanência do PCdoB no cenário político como um partido autêntico, fiel aos seus princípios e ao mesmo tempo capaz de se atualizar e de se ajustar à realidade de cada momento.

Entretanto, ainda que a reverência à história de João Amazonas e sua importância para o PCdoB sejam, e não poderiam deixar de ser, unanimidades, os frutos de seu legado não constituem uma linha rígida. E, dentro do espírito desse legado, a gestão do Partido mudou desde 2001, quando ele pediu para não ser reconduzido ao principal cargo da direção.

É natural: a política e a conjuntura mudaram, e o Partido, sem fugir aos seus princípios, segue estas alterações. Ao longo destes nove anos houve uma nítida mudança na condução do Partido. Isso parece óbvio, mas cabe ressaltar que esta história não seguiu uma linha reta, desde que o Partido retomou sua conduta leninista se reorganizando, em 1962, até hoje.

A partir de 1956, devido às providências tomadas pelo Partido sob o comando de Prestes, uma ala do PC liderada por Amazonas, Grabois, Pomar e outros iniciou um movimento de resgate da linha partidária leninista. Este movimento culminou com a reorganização de 1962, quando o Partido reafirmou os princípios mais essenciais postos lá na fundação, em 1922, descolando-se da experiência de Moscou, que caminhava para o naufrágio. O PCdoB se aproximou da China, da Albânia, minimizando, ao longo do tempo, as referências internacionais na busca de se focar na adaptação da teoria à realidade brasileira.

Tão logo o Partido se reorganizou, com seus princípios originais, veio a ditadura militar, radialmente anticomunista, promovendo, em suas duas décadas de existência (1964-1985), um profundo desfalque nas lideranças do Partido. Pela restituição da democracia política o PCdoB se sujeitou a um duro embate, tendo como prejuízo o sacrifício de muitos de seus principais cérebros. Prejudicado por estas perdas e também pela morte de quadros do movimento sindical e estudantil, o PCdoB volta a se reestruturar com novos quadros a partir de 1979.

A preparação de uma nova geração de dirigentes comunistas no Brasil, iniciada por Amazonas ainda na presidência, culmina com a eleição para presidente do Partido de Renato Rabelo no 10º Congresso do partido, em 2001. A história recente comprova que o PCdoB pôde, enfim, passar por essas turbulências mantendo sua integridade e sua base ideológica.

A análise da trajetória do Partido, exposta no livro Contribuição à história do Partido Comunista do Brasil, mais do que o conhecimento dos fatos convida à reflexão sobre as continuidades e as diferenças dos caminhos tomados pelas gerações de comunistas que se seguiram. A reflexão sobre o que significou a perda de quadros essenciais do PCdoB promovida pela ditadura militar é condição fundamental para se compreender o partido hoje. É nítido e vital o contínuo processo de construção ideológica e cultural, sujeito aos riscos inerentes a este processo.

Seguindo o curso natural da história, hoje estas lideranças dão o tom das ações do PCdoB à luz da interpretação do legado de antigos dirigentes, combinada à busca de seu próprio caminho. É natural, portanto, que tenhamos aspectos diferentes daquilo que Amazonas vislumbrou, a partir de sua experiência e de seu conhecimento teórico.

João Amazonas se mantém vivo como referência na ação e na constante formação partidária – ele não é, nem pode ser, apenas uma fotografia parede. Este ano o Partido Comunista do Brasil completou 88 anos. Sua trajetória não foi uma linha reta, mas oscilou ao sabor dos desafios da conjuntura. E, assim, deixou uma marca indelével em toda a história da luta pela democracia e pelo progresso social desde a sua fundação.