A estratégia da CIA para manipular a opinião pública europeia quanto à guerra no Afeganistão
Desde o seu lançamento em 2007, o sítio web de denúncias WikiLeaks tem sido sujeito a "actos hostis" de serviços de segurança estatais e privados por revelar casos de crime, corrupção e violência perpetrados na profundidade dos estados capitalistas.
Mas ao invés de se acovardar com as ameaças do governo ou actos abertos de violência, incluindo o assassínio de dois promotores dos direitos humanos em Nairobi, em Março último, os quais proporcionaram aos denunciantes relatórios sobre matanças extra-judiciais da polícia do Kenya, WikiLeaks virou a mesa sobre a CIA.
Em 26 de Março, o grupo publicou um documento notável que esboça a estratégia da Agência para manipular a opinião pública europeia sobre o apoio declinante à guerra no Afeganistão.
O documento classificado como "Confidential/NOFORN" (No Foreign Nationals) de 11 de Março de 2010 intitula-se "Afeganistão: Sustentar o apoio da Europa Ocidental para a Missão conduzida pela NATO – Porque contar com a apatia pode não ser suficiente" ("Afghanistan: Sustaining West European Support for the NATO-led Mission–Why Counting on Apathy Might Not Be Enough").
Preparado pela Red Cell da CIA, a entidade é descrita no texto como uma sub-unidade da Agência "encarregada pelo Director de Inteligência de adoptar uma abordagem 'pronta para usar' que provocará [mudança de] ideias e apresentará um ponto de vista alternativa sobre todo o conjunto de questões analíticas".
Segundo a equipe WikiLeaks, "As estratégias de RP propostas centram-se em pontos de pressão que foram identificados dentro destes países. Para a França é a simpatia do público para com refugiados e mulheres afegãs. Para a Alemanha é o medo das consequências da derrota (drogas, mais refugiados, terrorismo) bem como para a posição da Alemanha na NATO. O memorando é uma receita para a manipulação dirigida da opinião pública em dois países aliados da NATO, escrito pela CIA".
Curiosamente, num eco do capitalismo real e não imaginado, com conteúdo social vivo, a CIA evoca A sociedade do espectáculo de Guy Debord. Afinal de contas, foi Debord quem, ao comentar acerca da capacidade das sociedades contemporâneas de produzirem e reproduzirem um mundo monstruoso "mediado por imagens", primeiro identificou os media como o locus central para administrar a própria realidade.
O melhor e mais brilhante novo conselho dos mestres políticos da América, em Langley, é que embora a "apatia" possa ser o seu aliados mais forte ao travar a infindável "guerra ao terror", não se pode contar com ela indefinidamente para apoiar o projecto imperial.
Contraste a evocação da CIA da "apatia" como uma ferramenta para travar a guerra com a percepção de Debord de que "o espectáculo … exprime nada mais do que a sua vontade de dormir. O espectáculo é o guardião daquele sono". Alguém pode acrescentar que o proposta assalto da Agência aos media [para manipular] a opinião pública ocidental está a ser preparado precisamente para garantir que as massas continuem sonolentas.
França e Alemanha: Rumo à saída?
A queda no mês passado do governo holandês devido ao seu apoio contínuo à ocupação do Afeganistão conduzida pelos EUA foi uma campainha de despertar para Washington.
A notícia foi recebida com desgosto pelos partidários da intervenção afegã e os seus sicofantas dos media. O New York Times informou a 21 de Fevereiro, que quando fracassou o esforço final para manter as tropas holandesas no Afeganistão isto imediatamente levantou "temores de que a coligação militar ocidental a travar a guerra estava cada vez mais em risco".
Quando forças estado-unidenses e britânicas intensificavam operações por todo o teatro do Afeganistão, lançando ataques assassinos e indiscriminados com aviões sem piloto no Paquistão e "matanças direccionadas" e massacres ali, o espectro de um recuso significativo por parte dos governos francês e alemão fez soar campainhas de alarme no Pentágono.
A retirada planeada para Dezembro de cerca de 2000 soldados holandeses da International Security Assistance Force (ISAF), sem dúvida prejudicaria os trabalhos em curso. Os holandeses actualmente estão a operar na irrequieta província sulista de Oruzgan, a norte das fortalezas Taliban nas províncias de Helmand e Kandahar onde importantes operações militares estão em curso; a sua partida iminente alterará significativamente os planos da NATO.
Embora a história de cobertura para a intensificação de operações no Afeganistão por parte de Washington seja ostensivamente destruir a base de dados afegã-árabe dos descartáveis activos de inteligência ocidentais conhecidos como al-Qaeda, e travar a avalanche de drogas de atingir os consumidores ocidentais, isto é, e sempre foi, um ridículo conto de fadas.
Como sabemos através de incontáveis investigações e revelações ao longo de décadas, desde o Vietname até o Watergate e desde o caso Irão-Contra à infindável "Guerra ao terror", o comércio internacional de drogas é a criada de serviço das campanhas de contra-insurgência do Pentágono, de operações da CIA e da violência das elites por todo o mundo.
ONew York Times informou a 21 de Março que as lucrativas plantações de ópio do Afeganistão já não são um objectivo das operações militares. Segundo o Times, a posição dos militares é clara: "As forças dos EUA já não erradicam", como afirmou um oficial da NATO. O ópio é o principal meio de vida de 60 a 70 por cento dos agricultores em Marja, a qual foi tomada pelos rebeldes Taliban numa grande ofensiva no mês passado. O fuzileiros navais americanos que ocupam a área têm ordens para deixar incólumes os campos dos agricultores".
Mas com os maiores actores do jogo da droga no Afeganistão ligados a aliados próximos da América no corrupto governo Karzai, o significado implícito é claro. Como há muito argumentaram os analistas Michel Chossudovsky e Peter Dale Scott, a intervenções americanas tendem a administrar, não a eliminar, os fluxos globais de drogas, favorecendo narco-traficantes que cooperam enquanto aponta para a destruição dos que não cooperam.
Como informou Scott em Janeiro no Global Research , nada menos que Antonio Maria Costa, o chefe do Gabinete de Drogas e Crime das Nações Unidas, afirmou que "dinheiro da droga no valor de milhares de milhões de dólares manteve o sistema financeiro a flutuar na altura da crise global [de 2008]". Na verdade, Costa disse a The Observer em Dezembro último que viu a evidência de que "no ano passado as receitas do crime organizado foram 'o único capital líquido de investimento' disponível para alguns bancos à beira do colapso".
E como revelou Chossudovsky em 2005, de acordo com um relatório do Senado dos EUA, "uns US$500 mil milhões a US$1 milhão de milhões em receitas criminosas são lavados através dos bancos em todo o mundo a cada ano, com cerca da metade daquela quantia movimentada através de bancos dos Estados Unidos".
Acima de tudo, a estratégia da CIA é destinada a deter qualquer tentativa de cidadãos da Europa de encurralar os seus governos e forçá-los a finalizar a sua participação nos esforços efectuados pelos EUA para recolonizar a Ásia Central e do Sul.
Um abalo, comentou Julian Lindley-French, professor de estratégia de defesa da Academia Holandesa de Defesa, em Breda, ao New York Times: "Se os holandeses se vão, a implicação de tudo isto é que podia abrir as comportas para outros europeus dizerem também, 'Os holandeses estão a ir embora, nós também podemos'."
Dados estes sentimentos, a CIA e o Pentágono voltar-se-ão para "outros meios" a fim de impedir os seus parceiros da NATO de rumarem para a saída.
Uma operação cínica dos media
As operações da CIA com os media estão em plena consonância com os objectivos e métodos utilizados pelos planeadores da guerra dos EUA. Na verdade, a manipulação da opinião pública por batalhões de especialistas em relações pública, pesquisadores de opinião e antigos oficiais de alta patente, muitas vezes empregados por corporações gigantes da defesa e da segurança como "matilhas de caça", são parte do exército secreto do estado de "multiplicadores de mensagens de força".
Que tais operações têm consequências desastrosas para o funcionamento de democracias, para não mencionar as vítimas da NATO, não pode se suficientemente enfatizada. Para assegurar que as bombas continuem a cair e que o controle ocidental sobre o acesso as reservas vitais de gás e petróleo da Ásia Central continue, a opinião pública, tratada como uma frente essencial da "batalha do espaço" imperial, deve ser "adoçada".
Consequentemente, a CIA descobriu que "a baixa importância pública da missão no Afeganistão permitiu aos líderes franceses e alemães ignorarem a oposição popular e aumentarem firmemente as suas contribuições de tropas para a International Security Assistance Force (ISAF). Berlim e Paris actualmente mantém os terceiros e quarto mais altos níveis de tropas na ISAF, apesar da oposição de 80 por cento dos alemães e franceses a deslocações acrescidas para a ISAF, segundo inquérito do INR no fim de 2009".
O inquéritos do Bureau of Intelligence and Reserarch (INR) do Departamento de Estado descobriram:
Apenas uma fracção (0,1-1,3 por cento) dos inquiridos franceses e alemães identificaram "Afeganistão" como a questão mais urgente confrontada pelo seu país numa pergunta aberta, segundo o mesmo inquérito. Este público classificou "estabilizar o Afeganistão" como entre as mais baixas prioridades para os líderes dos EUA e da Europa, segundo inquéritos efectuados pelo German Marshall Fund (GMF) ao longo dos últimos dois anos.
Segundo o inquérito INR no fim de 2009, a visão de que a missão no Afeganistão é um desperdício de recursos e "problema não nosso" foi citada como a razão mais comum de oposição à ISAF por inquiridos alemães e foi a segunda razão mais comum para inquiridos franceses. Mas o sentimento do "problema não nosso" também sugere que, até então, enviar tropas para o Afeganistão ainda não é um problema na maior parte do radar dos eleitores. (CIA Red Cell, Afghanistan: Sustaining West European Support for the NATO-led Mission–Why Counting on Apathy Might Not Be Enough, 11 March 2010)
"Se algumas previsões de um Verão sangrento no Afeganistão se verificarem", escrevem os planeadores da CIA, "o desgosto passivo de franceses e alemães com a presença das suas tropas poderia tornar-se hostilidade activa e politicamente potente. O tom do debate anterior sugere que um aumento de baixas francesas ou alemães ou baixas de civis afegãos poderia tornar-se um ponto de viragem na conversão de oposição passiva em apelos activos para a retirada imediata".
Isto deve ser evitado a todo custo. Cinicamente, os analistas da CIA concluem que "mensagens sob medida poderiam evitar ou pelo menos conter a reacção adversa".
Ao olhar as coisas sobre o terreno, a CIA terá que manipular muito a fim de consertar o pretexto desgastado da NATO para a intervenção no Afeganistão.
Como revelou a 13 de Março uma investigação do jornalista Jerome Starkey em The Times , "um ataque nocturno executado por pistoleiros estado-unidenses e afegãos levou à morte de duas mulheres grávidas, uma adolescente e dois responsáveis locais numa atrocidade que a NATO a seguir tentou encobrir".
Segundo Starkey, quando pormenores do ataque vieram à luz, oficiais da NATO afirmaram que a força havia descoberto os corpos das mulheres "amarrados, amordaçados e mortos" numa sala, dando a entender que os pavorosos assassínios foram obra de insurgentes.
"Uma investigação do Times ", escreve Starkey, "sugere que as alegações da NATO são ou deliberadamente falsas ou, no mínimo, enganosas. Mais de uma dúzia de sobreviventes, oficiais, chefes de polícia e um líder religioso entrevistados nas proximidades da cena do ataque afirmaram que os perpetradores foram pistoleiros estado-unidenses e afegãos. A identidade e o estatuto dos soldados é desconhecida".
Tal como o guião do lançamento de qualquer novo produto, ou movimento para aumentar o interesse numa mercadoria existente, os nichos de consumidores, as opiniões públicas francesa e alemã quanto à intervenção no Afeganistão são agora sujeitas a uma estratégia de marketing dirigida pela CIA.
Consequentemente, desde que o inquérito INR descobriu que "os franceses [estão] centrados em civis e refugiados", analistas da CIA afirmam que "citar exemplos de ganhos concreto poderia limitar e talvez mesmo reverter a oposição à missão. Tais mensagens sob medida podiam atender agudas preocupações francesas com civis e refugiados". Na verdade, a percepção de que "contraditar o 'ISAF faz mais mal do que bem' é claramente importante, particularmente para a minoria muçulmana da França".
Tais construções cínicas são ainda mais notáveis quando se considera que "a minoria muçulmana da França" são acusadas pelo estado francês, seus apoiantes de extrema-direita e pelos guerreiros secretos americanos como uma verdadeira "quinta coluna" a ser estreitamente vigiada e quando necessário reprimida, temendo que um alegado "contágio islâmico" ganhe raízes no coração da própria Europa!
Quanto a isto, "mensagens que dramatizem as consequências adversas potenciais de uma derrota da ISAF para civis afegãos podiam alavancar [o sentimento] de culpa de franceses (e outros europeus) por abandoná-los. A perspectiva do Taliban a repelir progressos duramente conquistados na educação de meninas poderia provocar a indignação francesas, tornar-se um ponto de aglutinação para o público amplamente não religioso da França e dar aos eleitores uma razão para apoiar uma causa boa e necessária apesar das baixas".
Não importa que os senhores da guerra e a coligação islâmico/mafiosa que inclui o governo Karzai, como documentado por inúmeras organizações de direitos humanos e pelas próprias mulheres afegãs, tais como a expulsa deputada Malalai Joya, tenham descoberto que as mesmas condições brutais para as mulheres persistem hoje sob o retrógrado regime Taliban apoiado pelos EUA/Paquiestão da década de 1990.
Para os alemães, contudo, serão jogadas as cartas xenófoba e nacionalista. "Mensagens que dramatizem as consequências da derrota da NATO para interesses específicos alemães poderiam conter a percepção generalizada de que o Afeganistão não é um problema da Alemanha. Mensagens, por exemplo, que ilustrem como uma derrota no Afeganistão poderia aumentar a exposição da Alemanha o terrorismo, ópio e refugiados poderiam ajudar a fazer a guerra mais palatável para os cépticos".
Além disso, os analistas da CIA sublinham que "a ênfase sobre aspectos multilaterais e humanitários da missão podiam ajudar a facilitar as preocupações alemãs sobre travar qualquer espécie de guerra enquanto apelaria ao seu desejo de apoiar esforços multilaterais. Apesar da sua alergia a conflitos armados, os alemães estaviveram desejosos de romper precedentes e utilizar a força nos Balcãs na década de 1990 para mostrar o compromisso para com os seus aliados da NATO. Os inquiridos alemães mencionaram a ajuda aos seus aliados como uma das mais convincentes razões para apoiar a ISAF, segundo um inquérito INR no fim de 2009".
Considerando que os aliados EUA/NATO saltaram para dentro dos Balcãs só quando ficou claro que o imperialismo alemão sob o governo em bancarrota de Helmut Kohl pretendia destruir o estado socialista multicultural da Jugoslávia, e assim fez só para não ser deixada para trás por um ressurrecto estado unificado alemão com os olhos claramente centrados em mercados lucrativos da Europa do Leste, trata-se de uma notável reescrever da história!
Outra carta com a qual a CIA pretende jogar é a alegada "confiança dos públicos francês e alemão na capacidade do presidente Obama para manusear os assuntos estrangeiros em geral e o Afeganistão em particular".
Na verdade, os apelos do novo capo de tutti capo da América "sugerem que seriam receptivos à sua afirmação directa da sua importância para a missão do ISAF – e sensíveis a expressões directa de desapontamento para com aliados que não ajudam". Tais apelos directos do Padrinho global "podem proporcionar pelo menos alguma alavancagem para manter as contribuições à ISAF".
Dados do inquérito GMF mencionados pela CIA revelam que "quando aos inquiridos foi recordado que o próprio presidente Obama havia pedido deslocações de tropas acrescidas para o Afeganistão, o seu apoio à aceitação desta solicitação aumentou dramaticamente, de 4 para 15 entre inquiridos franceses e de 7 para 12 entre alemães. As percentagens totais podem ser pequenas mas elas sugerem sensibilidade significativa quanto a desapontar um presidente que é encarado como estando em sincronia com as preocupações europeias".
Outra bala explorável mencionada pela CIA são as mulheres afegãs. Consequentemente, estas "poderiam servir como as mensageiras ideais para humanizar o papel da ISAF no combate ao Taliban devido à capacidade que têm para falar pessoalmente e com credibilidade acerca das suas experiências sob o Taliban, suas aspirações em relação ao futuro e os seus temores de uma vitória Taliban".
Contudo, como destaquei acima, apenas algumas "mulheres afegãs" seria consideradas como "mensageiras ideais" nestas operações nos media. As de esquerda, feministas ou outras críticas do regime Senhores da Guerra-Máfia-Islâmicos de Karzai seriam, por definição, excluídas de tais fóruns. Para as poucas escolhidas que passam na revista, "iniciativas de envolvimento que criem oportunidades nos media para mulheres afegãs partilharem suas histórias com mulheres francesas, alemãs e outras da Europa poderia a ajudar a ultrapassar o cepticismo difuso entre as mulheres da Europa Ocidental quanto à missão ISAF".
Conclusão
Os Estados Unidos e os seus aliados da NATO estão a deparar-se com resistência firme no Afeganistão. A fim de reforçar o apoio político de cépticos cidadãos norte-americanos e europeus, a CIA e os seus "amigos" entre os conglomerados de gigantes dos media estão a remover todos os entraves.
A publicação deste documento analítico da CIA pela Wikleaks proporciona ao movimento anti-guerra uma visão de como o imperialismo pretende vender ao público a infame guerra afegã.
Contra-estratégias que potencializem este conhecimento podem em princípio proporcionar munições aos críticos que desafiam directamente a propaganda americana, desarmar os sicofontas académicos, nos media e na política e, ainda mais importante, descarrilar a política de travar guerras agressivas e "antecipativas" no futuro.
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[*] Investigador residente em San Francisco. Seus artigos são publicados em Covert Action Quarterly, Global Research, Dissident Voice , The Intelligence Daily , Pacific Free Press , Uncommon Thought Journal , Antifascist Calling… e no sítio web Wikileaks. É o editor do livro Police State America: Us Military 'Civil Disturbance' Planning .
O original encontra-se em http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=18376
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .