Nos finais de 2009, vários jornais francófonos e anglófonos apresentavam histericamente o retorno dos hmong ao Laos como a entrega dos oprimidos hmong ao opressor laociano. Por detrás dos apelos humanitaristas e da aparente preocupação caritativa com este povo asiático, esconde-se, na realidade, um anticomunismo primário a que nos habituámos ver patenteado nos media assim como uma preocupante ofuscação da colaboração de uma parte da comunidade hmong com o poder colonial indochino.

Síntese histórica da comunidade hmong

Povo nómada originário das regiões montanhosas do sul da China, do norte do Vietname e do Laos, os hmong (ou Méo) dispersaram-se ao longo do território chinês, em consequência de guerras e batalhas seculares com os Hans [1]. No século XIX, os hmong atravessaram a fronteira sino-laociana e estabeleceram-se nas montanhas do Laos, onde cultivavam a papoila e o ópio, primeiro, para os chineses, depois, para os franceses (1887-1953). Incentivados a desenvolver a cultura do ópio pelo colono francês, os hmong tornar-se-iam, através do seu trabalho agrícola, um elemento fundamental da economia colonial francesa indochina. Após uma breve revolta contra o colonizador francês, entre 1917 e 1922 – a Guerra do Louco, que se saldou pela morte do líder hmong, Pa Chay –, o poder colonial indochino francês compreendeu a necessidade de assimilar os hmong à sua política. Entre os hmong que serão nomeados para postos de destaque na Indochina colonial destaca-se Ly Foung, que empreendeu, igualmente, uma luta sem tréguas contra o movimento comunista anti-colonial indochino.

Constituem, actualmente, o quinto grupo étnico (em termos de população) da China actual (aproximadamente 9 milhões de indivíduos) e 7% do actual Laos.

A Indochina Francesa e a luta independentista

Em 1930, Ho Chi Min (1890-1969) funda o Partido Comunista da Indochina (PCI), em Hong Kong. Vietnamita, na sua origem, o PCI vai alargando-se a toda a região indochina, nascendo, em 1936, uma secção laociana. Nos anos 40, uma campanha de recrutamento intensifica-se no Laos, e Kaysone Phomviane (1920-1992) entra para o PCI. Em Setembro de 1945, Phomviane organiza o movimento de independência em Savannakhet (província laociana), onde conhece o príncipe Souphanouvong; ambos apoiarão o governo nacionalista do príncipe Pethsarath que, em Ventiane, havia declarado a independência do Laos. Porém, em 1946, a ofensiva real francesa restabelece o poder real, forçando Pethsarath, Souphanouvong e seus apoiantes a exilarem-se em Bangkok. Phomvihane organiza, então, no norte do país, grupos de guerrilheiros, juntando-se a ele, em 1949, Souphanouvong, que havia rompido com o grupo de Bangkok. Este último unir-se-á, neste mesmo ano, ao governo real de Ventiane. Neste contexto, o príncipe Souphanouvong funda, em 1950, o Pathet Lao (Pátria do Laos), que, lado a lado com a coligação Viet Minh (Liga para a Independência do Vietname) – criada em 1941 sob a chefia comunista de Ho Chi Min, e cujo braço armado seria constituído pelo Exército Popular Vietnamita (criado em 1944) – combaterá o colonialismo francês.

Entretanto, em 1940, o Império Japonês invade a Indochina francesa, enfranquecendo a potência ocidental. Em 1941, após a decisão do PCI em criar o Viet Minh, Ho Chi Min inicia, então, a luta pela libertação e independência do Vietname, combatendo, até 1945, a dupla ocupação do território quer pelo poder imperial japonês quer pelo poder colonial francês. A 10 de Agosto de 1945, num momento em que os japoneses perdem posições no Pacífico, o Viet Minh lança uma insurreição armada. É, assim, ao Viet Minh que as autoridades japonesas apresentam a capitulação, no Vietname, e não à potência europeia. Encontra-se em curso a Revolução de Agosto, durante a qual o Viet Minh alarga a sua influência, ganhando posições em todo o Vietname, mormente no Norte. A República Popular do Vietname é, por conseguinte, proclamada a 2 de Setembro de 1945.

A França, porém, aproveitando o contexto asiático do final da segunda Grande Guerra (o Partido Comunista Chinês ainda não tinha derrotado o Kuomintang e Ho Chi Min procurava aliados entre os países asiáticos não socialistas, não tendo, por enquanto, o apoio político claro da URSS), volta a ocupar posições no sul do país. O Viet Minh conduz, por conseguinte, desde 1945, acções de guerrilha no sul do Vietname contra as tropas francesas. Caminha-se, desta forma, para a Guerra da Indochina (que se inicia em 1946) em cuja luta a guerrilha independentista será apoiada pela República Popular Chinesa (a partir de 1949) e pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Em 1947, Viatcheslav Mikhaïlovitch Molotov, então Ministro dos Negócios Estrangeiros da URSS, afirma esperar que «la France et le Viêt Nam pourraient réaliser un accord satisfaisant pour les deux parties» sem que «un régime de domination coloniale» [2] seja reinstaurado.

Em 1951, no seu segundo Congresso, o PCI decide dissolver-se e criar três estruturas partidárias autónomas, as quais passariam a representar os três países sob a autoridade colonial francesa: Laos, Cambodja e Vietname. No Vietname, tomará a designação de Partido dos Trabalhadores do Vietname ou Lao Dong (o nome de Viet Minh continuará, contudo, a ser utilizado até ao final da Guerra da Indochina). Nos Acordos de Genebra de 1954, a França reconhece, finalmente, a República Democrática do Vietname ao norte do paralelo 17, e o poder colonial francês no sul do Vietnam é gradualmente substituído pelo poder estadunidense. Engaja-se, a partir de então (1955), um novo movimento no sul do Vietname, a Frente Nacional pela Libertação do Vietname do Sul ou Viet Cong, que virá a combater corajosamente o Exército estadunidense na Guerra do Vietname (1959-1975).

O Laos no contexto da luta anticolonialista

Desde a sua formação como movimento de resistência comunista de guerrilha que o Pathet Lao sempre combateu a ocupação francesa, lado a lado com o Viet Minh, na primeira Guerra da Indochina (1946- 1954), libertando e controlando a zona norte do Laos. Por seu lado, o Partido do Povo Lao – Phak Pasason Lao (PPP), mais tarde (em 1972) Partido Revolucionário Popular Lao (PRPL) – apenas será oficialmente criado em 22 de Março de 1955, preferindo manter a sua existência secreta até 1975 e dirigir as suas actividades através de outras estruturas, como o Pathet Lao. Em 1956, o Pathet Lao cria o movimento político Frente Patriótica do Laos (FPL), sua vitrina legal. Esta será a força política que participará nas diferentes coligações governamentais (1957, 1962, 1974).

Em 1954,os Acordos de Paz de Genebra acordam a independência aos Laos, confirmando, porém, a continuação da monarquia constitucional laociana, implantada, em 1947, pelo poder colonial francês. O governo real continua sob o reinado de Sisavang Vong, sendo o primeiro-ministro o príncipe Souvanna Phouma (que o é desde 1951). Em 1955, os EUA financiam e treinam o exército real laociano (rebaptizado Exército Nacional), com o acordo da França, controlando o governo real. Assim, o primeiro-ministro Souvanna, considerado demasiado fiel aos acordos de Genève, é substituido por Katay Don Sasorith. Perante irregularidades eleitorais, Katay Don Sasorith demite-se e Souvanna retoma o poder. Em Novembro de 1957, o primeiro-ministro Souvanna e o seu meio-irmão, o príncipe Souphanouvong, chegam a um acordo no qual se estipula a participação do FPL no governo de coligação governamental, contra a posição estadunidense. O Exército real inicia, por conseguinte, uma série de ataques a zonas sob o controle do Pathet Lao. Nas eleições legislativas de Abril-Maio de 1958, a FPL e o seu aliado – o Comité de Paz e Neutralidade – obtêm maioria. São, então, criadas duas forças pró-americanas que reclamam a partida dos ministros do FPL, enquanto, paralelamente, os EUA suspendem a ajuda americana ao Laos e obrigam Souvanna a demitir-se. A ajuda financeira americana apenas é reposta com Phoui Sananikone como primeiro-ministro. Em Maio de 1959, o Ministro da Defesa exige a rendição dos batalhões do Pathet Lao. Estes recusam obtemperar. Os deputados do FPL e os seus colaboradores são, então, presos e acusados de traição. Os combates entre o Pathet Lao e o exército real retomam na zona limítrofe do Vietname do Norte, aproveitando o governo para acusar (caluniosamente!) na ONU a intervenção do Vietname do Norte no conflito. Em 1959, o rei Sisavang Vong morre, sucedendo-lhe o seu filho, Savang Vatthana e, em 1960, o príncipe Souvanna Phouma é reinstalado no poder. Em 1962, é organizada uma segunda Conferência em Genève que conduz à formação de um novo governo de coligação com a FPL. Um equilíbrio frágil reina até 1963, data a partir da qual o Pathet Lao deixa de reconhecer a autoridade de Souvanna, então apoiado pelos EUA, lançando uma ofensiva de guerrilha que lhe permite o controlo do este e do nordeste do país. Por seu lado, os Estados Unidos da América, de forma a conter o avanço do comunismo e, desta forma, a controlar a antiga Indochina francesa, apoiam política e militarmente o regime monárquico do Laos. O Norte do Laos (zona sob o controlo do Pathet Lao) torna-se num espaço de conflito armado, sendo fortemente bombardeado, de 1963 a 1972, pelo exército estadunidense (500.000 raids durante 9 anos, ou seja, uma ataque aéreo de 8min em 8min, durante 9 anos). Os EUA utilizam, então, armas biológicas que destroem a vegetação e envenenam as águas. Por outro lado, para que os vietnamitas do norte pudessem abastecer em armas e munições os viet cong, aqueles tinham de passar pela cordilheira anamítica (Pista Ho Chi Min), situada em território cambodjano e laociano. Este trajecto foi, por isso, outro dos alvos preferidos da aviação militar norte americana, tendo sido constantemente bombardeado a partir de bases militares tailandesas. Paralelamente, em troca do apoio estadunidense à monarquia laociana, o governo monárquico autorizou a CIA, nos anos sessenta, a instalar bases militares nas montanhas laocianas assim como a recrutar entre as populações que aí viviam novos soldados para combater o Pathet Lao e os seus aliados viet cong e norte vietnamitas. A história dos hmong cruza, a partir de então, a história do imperialismo americano.

Apesar do apoio dos EUA à monarquia e do apoio militar dos paramilitares hmong, o Pathet Lao e o Viet Minh controlavam, em 1969, 2/3 do país.

A Comunidade Hmong e o colaboracionismo colonial

Na primeira Guerra da Indochina, parte da comunidade hmong já havia combatido lado a lado com o colonialista francês, contra a independência e libertação da Indochina colonial. Quando o controlo da Pista Ho Chi Min se torna necessário, de forma quer a impedir o aprovisionamento dos viet cong quer a combater o Pathet Lao, os EUA, através da CIA, vão proceder ao engajamento massivo do povo hmong, criando unidades de combate especial (constituídas, igualmente, por outras minorias étnicas, também elas originárias das montanhas, mas numericamente inferiores à participação militar hmong): “The United States had opted to use Agency for International Development (AID) programs, AID advisers, and ultimately “covert action” to bolster the Lao government. The CIA’s paramilitary efforts in Laos were divided roughly along geographic lines: There were separate programs in north Laos, where I was initially assigned; central Laos—also known as the Panhandle—where I would later be assigned; and south Laos. Each program involved working with different tribal/ethnic groups, such as the Hmong in the mountainous north and the Lao in the lowlands.” (Richard L. Holm (CIA)) [3]. Para que os EUA pudessem atingir os seus objectivos, Bill Lair, agente da CIA, recruta, em 1959, um hmong laociano para a agência americana: Van Pao. A CIA entra, desta forma, em estreita colaboração com o poder monárquico laocianao, ele próprio dependente do poder neocolonial francês (que dominava quer as instituições públicas quer as formações militares).

Nascido em 1931, Van Pao torna-se, aos 13 anos, intérprete dos pára-quedistas franceses que organizam a resistência anti-japonesa na Planícia de Jars, em 1945. Militar do Exército laociano, Van Pao é tenente quando o Laos fornece homens suplementares ao Exército francês durante a primeira Guerra da Indochina. Van Pao comandará, aliás, uma unidade de reforço aos militares franceses que se encontravam cercados em Dien Bien Phu, em 1954. No final da primeira Guerra da Indochina, Van Pao é já Major do Exército, comandando, simultaneamente, milícias de autodefesa Hmong. Com o recrutamento de Van Pao, a CIA lança a fase inicial da Guerra Secreta no Laos. O objectivo, defendido, actualmente, sem nenhum pejo, consistia em “to defend the Kingdom of Laos from a small band of invading communist insurgents and the massive North Vietnamese Army. The Americans gave Vang Pao god-like powers via the U.S. military machine. If a remote village needed pigs – pigs would parachute from the sky. Guns and military hardware fell in abundance and soon the Hmong were scoring brilliant ambushes on communist insurgents. If Hmong villages were threatened, they called Vang Pao and aluminum supersonic birds swept in, demolishing their enemies. If the Hmong wanted money – it fell too.” [4].

Armado e financiado pela CIA, o Exército de Van Pong não respondia, sequer, ao governo monárquico, dependendo inteiramente dos EUA. Van Pao, chefe hmong de “méthodes musclées” [5] cujo carácter « impitoyable »” [6] era admirado por “beaucoup d’agents opérationnels de la CIA” [7] torna-se, igualmente, no barão da droga local. Ora, desde 1862 que as autoridades francesas haviam incentivado o cultivo da papoila ópio na Conchichina (Vietname) que “d’ultime recours des temps difficiles, (…) se mua en un des fondements du développement économique d’Indochine” [8]. Os hmong eram, por seu lado, uma das populações locais que vivia do cultivo da papoila do ópio. Tal como os franceses, também os EUA compreenderam, portanto, quer a importância do ópio para o financiamento da colonização (política e militar) quer a importância que representava na economia colonial a população hmong. Esta serviu, por conseguinte, quer a economia colonial quer, através do exército de Van Pao, a guerra contra o Pathet Lao e os viet cong.

Contudo, o exército de Van Pao e o exército real laociano, apoiados pelos EUA, sofriam pesadas derrotas militares, enquanto o Pathet Lao, ao contrário, estendia a sua influência. Neste contexto, o príncipe Souvanna Phouma negocia, nos finais de 1972, com o Pathet Lao, assinando ambos, em Janeiro de 1973 [9], os acordos de Paris, nos quais se estabelecia um cessar-fogo e uma Assembleia Nacional provisória. Em 1975, na sequência da vitória das guerrilhas comunistas no Cambodja e no Vietname, o poder monárquico laociano é abolido pelo Pathet Lao e, em Dezembro de 1975, é instaurada oficialmente a República Democrática Popular do Laos, presidida por Souphanouvong. Van Pao, por seu lado, refugia-se nos EUA, onde se torna no chefe incontestado da Comunidade hmong que aí se instala após a criação da república independente laociana.

Ingerência estadunidense através da CIA

Theodore (Ted) Shackley é agente da CIA desde 1951, envolvendo-se “in CIA’s Black Operations” [10], ou seja, em programas que tinham como objectivo afastar do poder “unfriendly foreign leaders” [11]. Tais operações induziram golpes de Estado, ainda nos anos cinquenta, como foi o caso, em 1954, na Guatemala, do golpe de estado que afastou do poder Jacob Arbenz.

Em Abril de 1962, Shackley, ao serviço da CIA, integra um plano que prepara uma tentativa de assassínio de Fidel Castro, no quadro da Operação 40, cujo objectivo consistia na destruição do sistema socialista cubano. Mais tarde, tornar-se-ia responsável dessa mesma operação. A Operação 40 fora instalada em 1959, e contava, inicialmente, 40 agentes (mais tarde, contaria 70). Era presidida por Richard Nixon, e financiada por bussinessman como Georges Bush (pai) e Jack Crichton, ambos homens do petrobusiness que, recrutando cubanos exilados, pretendiam constituir um Exército que invadisse Cuba: “It is known that at this time that George Bush and Jack Crichton were involved in covert right-wing activities. In 1990 The Common Cause magazine argued that: «The CIA put millionaire and agent George Bush in charge of recruiting exiled Cubans for the CIA’s invading army; Bush was working with another Texan oil magnate, Jack Crichton, who helped him in terms of the invasion.»” [12]. A Operação 40, liderada por Shackley, organizou, por conseguinte, quer a espionagem em Cuba, através do recrutamento de anti-castristas exilados, quer tentativas de assassínio de Fidel.

Na continuação desta perspectiva de combate ao socialismo e ao comunismo, o agente da CIA Billy Lair recruta, como mencionámos, em 1959, Van Pao, quem deveria criar um Exército secreto de hmongs de, aproximadamente, 10.000 homens [13].

Em 1966, Shackley é nomeado responsável da CIA para o Laos e organiza a Guerra Secreta. Incorpora, neste projecto, Carl Jenkis e David Morales. Jenkis participara, juntamente com Shackley, em 1963, na organização de uma (das) tentativa(s) de assassínio de Fidel Castro (que, ao que parece, não teria sido o único visado. Numa entrevista, em 2005, “Gene Wheaton claims it was Jenkins who redirected this team to kill John F. Kennedy” [14]). David Morales, por seu lado, era o responsável pela organização de acções paramilitares no Laos. É, assim, sob as suas ordens que será efectuada a tentativa de controlo da Pista Ho Chi Min, acima mencionada. Quando Shackley e a sua equipa organizam a Guerra Secreta no Laos, mesclam-se, paralelamente, no tráfico de estupefacientes, via o Major Pao, que era, então, a figura maior do tráfico do ópio e da heroína no Laos: “In 1967 Shackley and Clines helped Vang Pao to obtain financial backing to form his own airline, Zieng Khouang Air Transport Company, to transport opium and heroin between Long Tieng and Vientiane” [15].

Entretanto, em 1969, Sheckley leva, igualmente, a cabo o Programa Fénix no Vietname, cujo objectivo consistia no assassínio de civis vietnamitas não-combatentes que os EUA e a CIA pensavam colaborar com o movimento comunista independentista. Mais de 28.000 civis foram, assim, mortos através deste programa. Com o fim da Guerra do Vietname, Sheckley e os seus homens partem para Teerão, organizando o assassínio de oponentes ao regime do Xá. Lançam, por conseguinte, um programa de assassínios no Irão, sobretudo de comunistas, cuja actividade Sheckley considerava terrorista. Shackley terá, ainda, um papel crucial na queda e assassínio de Salvador Allende, em 1973, no Chile.

Assim, quando George W. Bush é nomeado Director da CIA, Shackley torna-se no “second-in-command of all CIA covert activity” [16]. Abandonando a CIA em 1979, forma “his own company, Research Associates International, which specialized in providing intelligence to business (in other words he sold them classified information from CIA files)” [17]. Organiza, então, operações de branqueamento de capitais oriundos do tráfico de droga e de armas, como, por exemplo, dinheiro oriundo do tráfico de Van Pao, envolvendo-se no Irangate e apoiando militar e financeiramente os Contra, na Nicaráguan (terroristas envolvidos no combate ao governo eleito da frente sandinista).

A diáspora hmong forçada: uma consequência inevitável da história colonial Indochina

O apoio ao poder colonial imperial, primeiro francês, depois estadunidense, assim como a colaboração militar de várias centenas de milhar de hmong lado a lado com as tropas americanas, durante a Guerra do Vietname e do conflito armado no Laos, fizeram com que, após a partida dos EUA da região da Indochina, milhares de hmong procurassem refúgio fora das fronteiras da ex-Indochina. Van Pao e os seus homens, colaboradores e praticantes da política de horror e de guerra estadunidense, fugiram do Vietname e do Laos, o primeiro continuando os negócios, que havia encetado na sua terra natal, na sua nova terra de acolhimento: os EUA.

Várias centenas de milhares de hmong, colaboradores do regime opressor colonial e/ou monárquico neocolonial, foram, por isso, obrigados a exilar-se. Este exílio é, hoje em dia, na comunidade hmong instalada, sobretudo, no Canadá, na França (metropolitana), na Austrália, nos EUA e na Guiana Francesa, apresentado como o fruto de uma perseguição a que foram sujeitos os membros dessa comunidade. Os jornais, sempre ávidos de toda e qualquer notícia que justifique a exaltação do seu anti-comunismo primário, encontram, por isso, na diáspora hmong uma justificação para relatar as perseguições supostamente perpetradas pelos Partidos Comunistas asiáticos. Apresentam, igualmente, esta perseguição como uma consequência inelutável da própria ideologia marxista e, portanto, de qualquer Partido Comunista que a aprove. Ao fazê-lo, não só falsificam a história do movimento comunista internacional, como desrespeitam a luta e o combate engendrado por milhares de homens e mulheres (incluindo alguns membros da comunidade hmong) que, nos quatro continentes, lutaram pela construção de uma sociedade igualitária, livre do domínio e da repressão colonial. Esquecem, igualmente, na ex-Indochina francesa e, depois, americana, não só o carácter colaboracionista e assassino de paramilícias e exércitos organizados clandestinamente para combater comunistas e outros progressistas como desrespeitam os milhares de mortos e de assassínios, civis e não civis, em consequência da guerra engendrada pelos diferentes poderes coloniais postos em prática, apoiados por minorias que se aliaram ao dominador.

Excepção feita àqueles que, como Van Pao, continuaram a enriquecer graças à perduração dos seus negócios ilícitos, os hmong sofreram, porém, os efeitos da desresponsabilização dos seus antigos aliados, como a França e os EUA, que lhes haviam prometido asilo em caso de abandono forçado do território indochino. Assim, dispersos por diferentes países, normalmente depois de terem atravessado o Laos, em direcção aos campos de refugiados da Tailândia, por vezes em condições de grande dificuldade física, a comunidade hmong que abandonou o Laos e o Vietname teve de se adaptar a novas terras e a novos climas, tornando-se, nalguns casos, indispensável para a economia agrícola de certas regiões [18].

Tais dificuldades não invalidam, contudo, o necessário alerta para a falsificação histórica com a qual somos constantemente confrontados, e que deixou em liberdade muitos daqueles que permitiram que a repressão perdurasse na Ásia (neo)colonizada. Tampouco invalidam a necessária reflexão sobre procedimentos políticos e militares imperialistas que continuam a executar o mesmo modus operandi em outras regiões do globo ou a denúncia necessária da colaboração colonial (como foi o caso das paramilícias hmong de Van Pao) que conduziu a assassínios, torturas, mortes e negócios ilícitos de armas e de droga que perduram até à actualidade.

Notas:

[1] População maioritária da China, os Han foram os primeiros a unificar a China sob a dinastia Han (206 ac-220dc), fundada por Liu Bang (206 ac-195 ac).

[2] Entrevista com Molotov sobre a Indochina, Moscovo, 15 de Janeiro de1947, Catroux, d. 1352, c. 153, Nouveau Fonds, Indochine, CAOM. In http://humanite-socialiste.over-blog.com/ext/http://fr.academic.ru/dic.nsf/frwiki/1706560.

[3] http://74.125.45.132/search?q=cache:LOIhzN0JRYwJ:https://www.cia.gov/library/center-for-the-study-of-intelligence/csi-publications/csistudies/studies/vol47no1/article01.html+bill+lair&cd=2&hl=fr&ct=clnk&gl=gp&client=firefox-a).

[4] www.digitaljournalist.org/issue0708/still-a-secret-war-part-ii.html.

[5] http://les7duquebec.wordpress.com/2009/07/31/de-victor-jara-a-guantanamo-la-meme-cia-1/

[6] Ibidem.

[7] Ibidem.

[8] Chantal Descours, Quand l’opium finançait la colonisation en Indochine, Paris, L’Harmattan,1992, p. 263.

[9] Entretanto, em 1972, no seu segundo Congresso, o Pathet Lao havia mudado o seu nome para Partido Popular Revolucionário Laociano (PRPL).

[10] www.spartacus.schoolnet.co.uk/JFKshackley.htm

[11] Ibidem.

[12] http://www.spartacus.schoolnet.co.uk/JFKoperation40.htm

[13] Cf. http://www.north-by-north-east.com/articles/05_04_2.asp

[14]http://www.spartacus.schoolnet.co.uk/JFKshackley.htm

[15] Ibidem.

[16] Ibidem.

[17] Ibidem.

[18] Na Guiana Francesa, a comunidade hmong é a responsável por, aproximadamente, 80% da produção agrícola local.

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Ana Saldanha é amiga e colaboradora de Odiario.info

Fonte: ODiário.info