Faz parte das tradições políticas e jurídicas do Brasil a concessão de asilo político. A Constituição Federal de 1988 o inscreve entre os princípios que regem nossas relações internacionais, como se lê no artigo 4º, inciso X. Como o Brasil é signatário da Convenção de Caracas de 1954, é nela que se encontram as regras que disciplinam a concessão do asilo político, dando apoio a quantos se sintam desamparados do respeito aos direitos inerentes à cidadania.

Ouso dizer que o asilo político é complementar ao exercício da cidadania. O professor José Afonso da Silva, em sua obra “Comentário Contextual à Constituição”, chega a considerá-lo como “um direito fundamental consoante disposto no artigo 16 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, segundo o qual: todo homem, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países”.

Da simples leitura dos textos legais pode-se sentir a importância do direito de asilo na América Latina, sempre tão conturbada, sem que dela se exclua o Brasil desde o alvorecer do Império. Como ignorar tal realidade a partir do golpe de Estado de 1964? Assim, causa espanto que tentem levar o direito de asilo político à chacota, desmerecendo-lhe a significação histórica, porque estão desfigurando o próprio Estado de Direito democrático.

Pois, a rigor, o cidadão que recorre à prerrogativa do asilo político está defendendo as liberdades públicas, o exercício do direito de voto, o próprio mandato popular, subtraídos pelo obscurantismo do Estado autoritário, além de sua integridade física.

Pouco me importam aqueles que se valham da palavra aviltada para agredir os exilados. Porque a palavra tem a grandeza de seu valor próprio. Ou seja: o exílio não é fuga, não é covardia mascarada de ação política, não é forma implícita de deixar intocável a ordem ditatorial.

O exílio, ao contrário, é uma frente de combate, como soubemos fazê-lo em Santiago do Chile, denunciando perante U Thant -o então secretário-geral das Nações Unidas- e o tribunal Bertrand Russell a prática odiosa da tortura, que levou à morte tantos militantes da resistência democrática.

Não tenho dúvidas de que esse trabalho anônimo, expondo em escala internacional a verdadeira face do regime militar, terá contido de algum modo a sanha dos assassinos fantasiados de salvadores da pátria. Talvez isso baste e sobre para que os exilados mereçam o respeito de todos…

Mas, se quiserem evocar o significado histórico do exílio, detenham-se na biografia de Vitor Hugo, durante 18 anos asilado na Inglaterra, combatendo pela palavra escrita a ditadura de Napoleão 3º.

Ou tragam à memória de hoje o exílio de Rui Barbosa (na Argentina, em Portugal e na Inglaterra), em confronto aberto com o arbítrio do general Floriano Peixoto, que assumira a Presidência da República em um autêntico golpe de Estado.

Recordemos as personalidades da América Latina que se viram na contingência de recorrer ao asilo político, a exemplo de Juan José Torres, presidente da Bolívia, e do general Carlos Prates (comandante das Forças Armadas do Chile, no governo do presidente Allende), ambos exilados na Argentina.

Ou, ainda, tenham presente a figura de Mário Soares -primeiro-ministro de Portugal, por anos a fio exilado na França, retornando à sua terra com as tropas da Revolução dos Cravos.

Mas, sobretudo, saibam respeitar os exilados brasileiros proscritos durante tanto tempo. Eram centenas que, além de nossas fronteiras, deram combate sem trégua ao regime militar. Voltaram e continuaram a luta pela restauração democrática.

Dessa trajetória ficaram as cicatrizes do exílio. Alguns morreram heroicamente. Mas muitos estão de pé. Em campos diversos, talvez: mas de pé! Não cabe dividir o que é por natureza indivisível. Salvo para quem não tenha compromisso com a grandeza da pátria.

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Almino Affonso, 81, é advogado. Foi deputado federal pelo PSB-SP, ministro do Trabalho e da Previdência Social (governo João Goulart) e vice-governador do Estado de São Paulo (governo Quércia).

Fonte: jornal Folha de S. Paulo