Pois bem, vamos considerar um país de coesão genérica – chamem-no Espécia, ou Grepanha. Ele teve 7 anos gordos após a criação do euro, experimentando grandes influxos de capital e inflação relativamente alta. Agora a bolha estourou, a arrecadação fiscal entrou em colapso e os problemas avultam.

O que o país deve fazer, independentemente de como seja realizada, é conseguir uma deflação relativa – reduzir seus custos e preços em comparação com Alemanha e França, recuperar a competitividade. Como a inflação alemã é baixa, isso significa um prolongado período de deflação, com custos altos em emprego e produção. Significa também dificuldades fiscais, requerendo cortes de gastos e aumento de impostos que aprofundam a crise.

O risco de crise imediata é o de uma perda de confiança autoalimentada por investidores em bônus, que temem o calote e, portanto, pedem taxas de juro tão altas que forçam o calote, mesmo que o país esteja disposto e seja capaz de suportar muitas dificuldades. Daí as garantias de empréstimos: ao fornecer dinheiro a taxas não tão punitivas, a ideia é ganhar tempo para ajustes. E a crise foi em frente, contagiando Portugal e Espanha.

Agora vêm os anúncios de ontem. O anúncio nº1, dos ministros da União Europeia, basicamente ofereceu uma versão maior do falido plano grego. Isso, por si, não faria muito pela Grécia. Discutivelmente, poderia ajudar Portugal e, em especial, a Espanha, que não estão em tão má forma e poderiam (apenas possivelmente) ser capazes e estar dispostos a suportar anos de deflação e austeridade fiscal contanto que evitassem um ataque especulativo. Essa é uma questão um pouco marginal, contudo. Quando o primeiro anúncio veio, minha reação foi dizer que a UE estava cometendo um erro clássico, tratando um problema de solvência como se fosse um problema de liquidez.

O anúncio nº2, do Banco Central Europeu (BCE), muda as coisas um pouco. Agora parece que (Jean-Claude) Trichet foi arrastado esperneando para se tornar ao menos um semi-Bernanke, engajando-se em políticas muito mais expansivas que antes. (Sim, o BCE diz que são apenas operações de liquidez e que serão esterilizadas, blá, blá – só podemos esperar que eles não queiram mesmo dizer isso.)

Uma política monetária mais expansiva poderia fazer uma verdadeira diferença – em especial se o BCE acabar aceitando uma inflação um pouco mais alta. Suponham que a Espécia ou a Grepanha precise conseguir uma queda de 15% nos preços relativos nos próximos cinco anos. Se a zona do euro tiver uma inflação de 1%, isso representa uma deflação de 10% na periferia. Se a zona do euro tiver uma inflação de 3%, tudo que se precisará são preços estáveis. Também, uma economia da zona do euro no geral mais forte significa um Produto Interno Bruto maior e, portanto, uma arrecadação maior, tornando menos sombrias as dificuldades fiscais.

Portanto, há algo de substantivo aqui; não se trata apenas de ganhar tempo durante o qual nada de bom ocorrerá.

Dito isso, eu fico pensando nas grandezas. Estou certo de que o BCE não tem nenhuma intenção de deixar que a inflação avance 200 pontos-base (apesar de que ele deveria saudar esse desdobramento). E a Grécia, ainda o epicentro da crise, não ganha muito com as linhas de crédito. Então uma queda de mais de 500 pontos-base no rendimento de títulos gregos de 10 anos fará sentido? Acho que não.

A boa nova aqui é que, pela primeira vez nesta crise, as autoridades europeias agiram à frente da curva de juros, com mais vigor do que se esperava. Isso é um choque, e deixou os mercados boquiabertos. Mas eu ainda não acho que seja minimamente suficiente.

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Fonte: jornal O Estado de S. Paulo