O futebol arte em debate
Para o professor José Geraldo Vinci Moraes (USP) o fenômeno do futebol é pouco analisado pelos pesquisadores, de modo que no máximo os intelectuais tangenciam o tema. Observa que a relação dos fatos futebolísticos se dá de maneira mais forte com a música e com os artistas, a exemplo de Chico Buarque, Novos Baianos e de Noel Rosa – todavia, com exceção da maioria dos compositores este último aborda pontos menos simpáticos dos meandros do futebol e seus bastidores.
Numa análise literária, Moraes, destaca na obra de Mário de Andrade, a “Paulicéia Desvairada” (1922), a abordagem que o autor faz do futebol enquanto manifestação das multidões e também das afinidades percebidas entre o futebol com o fenômeno urbano que se constituía naquele momento.
Moraes faz ainda uma interessante abordagem às músicas entoadas pelas torcidas organizadas, onde identifica uma “função dinamogênica da música, unificando uma emoção – são potências emotivas de trocas e compartilhamento que se dão pela música, é uma excitação, estímulo” ao mesmo tempo em que “nós fazem sentir um hipnotismo, é entorpecente nos tranqüilizando”, afirma.
As músicas das torcidas são marcadas por bases rítmicas do passo-forte e passo-fraco, como as marchas de guerra, são ritmos marciais (um-dois, um-dois) instrumentos utilizados para excitação, para fazer guerra.
Remetendo-se a uma análise de Mário de Andrade que resolveu investigar um comício com milhares de pessoas em 1930 no Vale do Anhangabaú, cidade de São Paulo, Moraes destaca o ritmo das músicas criadas durante o evento pela multidão e seu caráter marcial, formando um “universo da excitação política”. Afirmou M. Andrade, à época, que as tradições da música brasileira não têm nada a ver com o ritmo das músicas do comício, são ritmos de guerra – segundo o palestrante.
Assim, Moraes cita algumas das frases do comício: 1) Para isso endireitar o Getúlio vai entrar; 2) Pra que coisa fique boa nós queremos João Pessoa; 3) Até debaixo d’água Getúlio e João Pessoa (o público fazendo menção à chuva que caía no momento). E, ressalta que “depois de feitas as afirmações políticas o povo cai na dança, está alegre”.
Dessa maneira, conclui Moraes que: “quem vai ao estádio sabe que é uma guerra e a música exerce esse papel; e o objetivo é fazer uma nação ganhar a guerra”. Afirma, finalizando, que a “arte é ganhar a guerra também”.
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Maurício Murad (UERJ), segundo palestrante da mesa, aborda a questão do futebol e a identidade brasileira e do papel do cinema na representação dessa identidade – todavia, com baixa produção voltada ao tema. Da questão da identidade faz um comparativo entre o Museu do Futebol, no Pacaembu/SP e o Museu Nacional do Cinema Italiano, em Turim, lembrando que para José Lins do Rêgo o conhecimento do Brasil passa pelo futebol e para a Itália sua identidade passa pelo cinema. Destaca, também, que o Museu do Futebol, aberto em 2008, é um dos mais visitados do Brasil.
É ressaltada, por Murad, a importância dos levantamentos para o entendimento do processo, do passado, para que se avance. Nesse sentido, lembra-se de Alex Viani ao questionar “como um povo tão criativo não tem uma cultura de cinema do futebol?”.
Murad trata da identidade como sendo algo universal, como é o caso da obra de Nelson Rodrigues que conta histórias ocorridas no Rio de Janeiro e é hoje um autor universal, ou está se tornando.
Jean-Luc Godard, de acordo com Murad, dizia que: “uma fotografia é uma verdade e o cinema é a verdade em vinte e quatros quadros por segundo”.
Assim, destaca o cinema como sendo um dos principais registros do patrimônio cultural de uma coletividade e por isso deve ser mais roteirizado. “Há muito mais livros, obras do que imaginamos, mas ainda é pouco para as nossas contradições e modos culturais que nos damos a conhecer”, afirmou Murad.
Foi destacado, ainda, vários autores com iniciativas de documentar o futebol enquanto parte inerente da identidade brasileira, mas de maneira inconclusa. Também relaciona o futebol com outro forte elemento da cultura brasileira: o samba, onde um influencia o outro de modo recíproco.
Sobre o futebol-arte em si, Murad afirma que a arte é uma das dimensões do futebol mais pela capacidade inventiva, pois há por trás muita técnica, nutrição adequada e tecnologia, chegando até ser um “falso dilema”. É uma relação dialética entre a técnica e a arte, e ela tem que ser balanceada.
“De acordo com as raízes culturais é que a gente trabalha esses aspectos estéticos, a exemplo do Didi que tinha um futebol-arte, mas treinava muito, inclusive usava uma chuteira com número menor para bater ‘seco’ e fazer sua jogada, lesionando seu pé – hoje somos referência em medicina do esporte”, afirmou o palestrante.
Murad destacou também a importância do professor de educação física, que deveria ser incluído numa política educacional mais ampla. E finalizou dizendo: “acho que há sempre uma combinação de talentos, arte e técnica. Mas, há uma predominância das identidades coletivas”.
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Frederico Barbosa (Poiesis/Casa das Rosas) apresenta uma análise literária e futebolística da rima e do ritmo de poemas de Vinícius de Moraes e João Cabral de Melo Neto relacionados ao futebol e a grandes jogadores como Garrincha e Ademir da Guia. Ao compreendermos o compasso dos poemas é como se acompanhássemos uma jogada, às vezes em câmara lenta (Vinícius de Moraes) às vezes perdidos nos dribles.
De Vinícius de Moraes apresentou, Frederico Barbosa, o soneto: “O anjo de pernas tortas” – referindo-se a Garrincha. Ele chama atenção para a linguagem trabalhada como muito rigor e a musicalidade deste soneto, afirmando que Vinícius “trabalha com rima do mesmo jeito que Garrincha trabalha com os pés”.
De João Cabral de Melo Neto os poemas destacados foram: “De um jogador brasileiro a técnico espanhol”; “A Ademir Menezes” e “Ademir da Guia”. Frederico observa a capacidade do poeta de fazer a chamada rima toante (feitas com as vogais) no primeiro poema, e, no segundo dá ênfase às relações que o poeta faz com o lugar de nascimento de Ademir Menezes (recifense como João Cabral) e sua capacidade de mudar seu ritmo de jogo inadvertidamente.