Logo na abertura Kabengele comentou a mistura entre brancos e negros na seleção sul-africana, por que antes com o apartheid só havia jogadores brancos.

Victor Andrade de Mello (UFRJ) foi o primeiro a fazer sua apresentação, abordando o Esporte e colonialismo e pós-colonialismo nos países de língua portuguesa, tema do projeto de pesquisa no qual está inserido e vem desenvolvendo na universidade do Rio de Janeiro.

Para Victor Mello o Brasil ocupou um espaço bastante significativo nos países de língua portuguesa, tanto que “de alguma forma, Portugal usava o Brasil para dizer como a colonização deu certo”. Em contraponto, outros afirmavam que “o país deu certo por ter se tornado independente cedo”.

“A função mais importante do futebol está em fazer uma ponte de mediação entre os países menos desenvolvidos e os mais desenvolvidos”, destaca o palestrante remetendo-se a vários autores, e, ainda, lembra que “a ideia de nação onde o esporte é um elemento integrador é uma ideia moderna”.

Para discutir o esporte enquanto meio integrador e de estratégia de Estado, Mello recorre ao caso de Cabo Verde e Guiné Bissau (que compunham o Partido Africano para a Independência de Guiné e Cabo Verde – PAIGC), com a abertura do primeiro clube de futebol da cidade em 1954. Nesse clube ministravam-se aulas teóricas sobre o país e o povo e o longo envolvimento com a prática esportiva – identificando-se aí elementos político-estratégicos de nacionalismo vinculados ao esporte. Já em Angola o futebol serviu como elemento de resistência do povo, sem estratégias mais elaboradas.

A questão da Copa na África do Sul reacende mitos e contradições de um país que é semi-colonizado, periférico e, por que não, da África como um todo – enquanto um continente com grande diversidade cultural, lingüística, paisagística, etc. Assim, afirma Mello, que temos pelo menos dois grandes mitos do continente africano: o de “achar que veremos animais selvagens soltos andando por aí”, e o de falarmos de África como se fosse um só país, um só povo, sendo que na verdade “são tantas áfricas e a qual delas queremos nos referir”.

Concluindo, Mello responde a uma questão que lhe foi feita sobre uma eventual manifestação de racismo por parte da torcida durante a Copa da África do Sul, dizendo: “não acredito numa atitude de racismo claramente porque o esporte não pode matar sua galinha dos ovos de ouro”.

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Meite Hamadou (Centro de Estudos Africanos), nascido na Costa do Marfim, fez sua exposição se colocando não como pesquisador, mas como ex-atleta, lembrando que seu pai já o havia alertado para deixar o futebol àqueles que não estudam. O futebol tinha uma conotação de competitividade e não de mobilização, tanto que o ideal era “o de jogar bonito mesmo perdendo, sendo melhor do que ganhar jogando feio”, destacou.

Outra questão levantada por Hamadou é o fato de a França e a Bégica serem os maiores “importadores de jogadores africanos”, fazendo com que na África “se perca o interesse pelos jogos locais, preferindo os europeus” – apesar de hoje alguns países como Argélia e Marrocos terem estrutura para manter seus jogadores. Já a África do Sul começou mais tardiamente (1994) a participar de jogos, como inclusive de campeonatos africanos, “não teve tempo, ainda, para ser avaliado, mas tem estrutura e será um grande expoente”. Dessa maneira, hoje a torcida africana acredita no potencial de seus jogadores, “não tem mais medo e esse é o sentimento de enfrentamento com relação ao Brasil!”.

E finaliza o palestrante, ressaltando que com a mobilização feita para a Copa desse ano os africanos estão ganhando mais confiança, lembrando também que nos últimos quarenta anos foram muitos os jogadores africanos que deixaram sua marca. Mesmo assim, “na África todo mundo torce para o Brasil”.

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A jornalista Angélica Basthi (UFRJ), terceira palestrante da mesa, faz uma analogia sobre Pelé (Edson Arantes Nascimento) e a relação que comumente feita entre: o futebol e o Brasil que deu certo e as questões raciais inerentes.

No Brasil há uma ideia de que pessoas brancas e negras têm as mesmas oportunidades. Dessa forma, tem-se recorrido à imagem de Pelé como um caso de superação do negro – enquanto que ele (Pelé) afirma nunca ter sofrido preconceito. Tais fatos, conforme apontado por diversos autores, segundo Basthi, “contribuem de modo a complicar a situação do povo negro no Brasil”.

Quando Pelé começou a jogar bola a questão do negro estava sendo colocada de modo positivo na miscigenação, com Paulo Freire, e, no mesmo sentido, Florestan Fernandes acreditava que o preconceito fosse se diluindo. Entretanto, na prática apelidos de caráter pejorativos eram dados a Pelé, no caso, assim como: gasolina do Santos (fazendo menção à origem do produto, derivado do petróleo), alemão (em 1958, craque negro com tipo físico do alemão) e crioulo (transforma a cor da pele no eixo principal de suas relações) – explicou Angélica.

No entendimento de Angélica Basthi o preconceito vinha assumindo novas formas e significados, mas não estava sendo exterminado. E independente do discurso distante de Pelé “a imprensa reforçou sua imagem a seu lugar, com imaginários racistas no meio social”, quando, por exemplo, “comparam o craque ao Saci, como a um herói, mas como um ‘moleque desordeiro’”.

Outro aspecto destacado pela jornalista foi o de “alguns setores esquerdistas da imprensa associarem a imagem de Pelé à ditadura, enquanto que Pelé acreditava que a força de sua imagem superaria as críticas”. Para o jogador nunca houve relação com a cor da pele.

Relembrando ao fato de a Nigéria ter parado a guerra por dois dias para ver o Santos jogar, Basthi afirma o caráter pacificador do esporte, associando-o também ao sucesso de Pelé.

Ao passar a fala para o último palestrante, o coordenador Kabengele Munanga faz considerações relevantes às questões levantadas até o momento. Ele ressalta que “a miscigenação ajuda a afirmar, a diluir a mistura de tal maneira como se não houvesse mais o negro, o branco e o índio”. E, ainda que “Pelé é uma figura emblemática, que uns aprovam sua imagem ‘neutra’ e outros não; e, que contribuiu com uma imagem de democracia racial no Brasil – isso comparativamente à África do Sul e aos Estados Unidos”.

Continua Kabengele, afirmando que “o futebol é o único espaço onde há uma real ascensão social dos negros no Brasil”, e que tem “um papel de pacificação e afirmação dos povos”.

Lembrou ainda, o coordenador da mesa, da violência simbólica da propaganda que está se fazendo da Copa na África do Sul, do mito selvagem da África e da representatividade dos atletas africanos como ingênuos e com problemas. E, por fim, questiona: “até que ponto os estereótipos vão se manter?”.

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O último a fazer sua exposição foi José Paulo Florenzano (PUC/SP) no sentido de afirmar que mesmo existindo uma transgressão das fronteiras do regime racial a relação entre o futebol o racismo é antinômica.

Nessa linha de entendimento, Florenzano segue fazendo comparativos entre fatos ocorridos na África do Sul e no Brasil e a discriminação que havia com jogadores negros, por parte dos clubes, das seleções, da mídia e dos torcedores.

Florenzano considera que alguns fatores ocorridos na África do Sul, como os princípios da Carta da Liberdade (década de 1950) de Nelson Mandela e o massacre Sharpeville (1960), contribuíram fundamentalmente para uma superação do preconceito racial no mundo, e no futebol. Inclusive a FIFA defendeu em seu estatuto a proibição da discriminação a todos que praticam o esporte.

A vitória da seleção brasileira na Copa de 1958 teve um impacto altamente positivo para aqueles que militavam a prática da seleção mista (brancos e negros), tendo como conseqüência a solicitação de jogadores brasileiros pelo mundo, destacou Florenzano. Encerrando sua fala afirma: “de alguma maneira o Brasil participa do processo de democratização na África do Sul, mostrando que o racismo e o futebol são incompatíveis”.

Munanga fazendo suas análises finais observa que: “o futebol é aproximador dos povos e transgressor das fronteiras raciais”, todavia “atravessou fronteiras, como também desmitificou a questão da democracia racial”.