Fátima Antunes (DPH/SP) começou sua fala apresentando um conjunto de crônicas de Stanislaw Ponte Preta (heterônimo de Sérgio Marcos Rangel Porto, 1923-1968) que publicou uma série, com a função de informar e tecer críticas, na revista Fatos e Fotos durante a Copa de 1962 ocorrida no Chile.

Stanislaw acompanhava os jogos da referida Copa na tribuna de imprensa dos estádios, ao mesmo tempo em que datilografava suas crônicas, especialmente sobre os jogos da seleção brasileira. “Os jogos são narrados em linguagem colonial, lance a lance, minuto a minuto para a torcida, de modo que ‘vemos’ o jogo como se fosse um filme” – assim observa Fátima Antunes. Os lances mais importantes dos jogos da seleção eram descritos isoladamente no jornal Última Hora (jornal carioca com circulação em diversos Estados entre os anos de 1951 a 1971).

Na opinião da palestrante as crônicas de Stanislaw tinham o intuito de ir além da narrativa dos fatos queriam dar seu testemunho, sua experiência vivida. E é dessa maneira que “os títulos das crônicas nos dão a dimensão de alguém que não apenas presenciou os acontecimentos, mas que participou deles ativamente!” e cita, Fátima, uma frase do cronista: “eu vi o bi, eu também suei”.

Fátima recorreu aos textos do cronista Stanislaw Ponte Preta por considerar que “nos ajudam a pensar sobre o papel e a importância da crônica literária de futebol no Brasil entre as décadas de 50 a 60” – período áureo do gênero.
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Fazendo uma análise mais conceitual José Carlos Marques (UNESP / Bauru) recorreu aos significados históricos da palavra crônica e o papel que teve em cada contexto. Assim, começa por apresentar a origem da palavra proveniente do termo grego chronikós (relativo às coisas do tempo), chegando até ao termo em latim chronica (que na Era Cristã designava-se a acontecimentos organizados em ordem cronológica, ou sequência de fatos no decorrer do tempo).

A crônica serviu como narrativa de fatos históricos em ordem cronológica, no início, “tornando-se precursora da historiografia moderna”. Sendo que, mais tarde, “o termo crônica cedeu lugar ao termo história – ciência que se formou na linhagem do iluminismo e circunscrevia ao momento tecnológico da Revolução Industrial” – de acordo com Marques.

Dessa maneira, “as cartas de Pero Vaz de Caminha são na verdade crônicas, pois narravam fatos observados no `Novo Mundo’ e não carta como são conhecidas” – afirma o palestrante.

Foi no século XIX que a crônica se “libertou” da conotação historicista, passando a ser revestida de sentido mais literário, e os jornais passaram a ter uma atividade mais profissional. Dessa forma, a crônica tornou-se um texto de caráter mais despretensioso, passageiro, criado e forjado para o jornal.

E com relação à crônica no esporte, Marques destaca que não basta ser somente um narrador, pois há uma forma específica de se escrever, buscando uma acepção na narrativa. Com esse entendimento, os locutores esportivos de rádio, que narram os jogos de futebol, se intitulam cronistas tal qual os que escrevem sobre futebol.
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Ronaldo George Helal (UERJ), terceiro e último palestrante da Mesa, faz uma leitura da obra de Mário Filho (Mário Rodrigues Filho, 1908-1966) e seu papel consolidador de uma literatura do futebol, pois antes o que havia eram estudos escassos.

Antes de continuar sua análise o palestrante comenta, o que para ele foi fundamental, a fundação do Núcleo de Sociologia do Futebol da UERJ no final da década de 90, de modo a contribuir com o desenvolvimento de inúmeras pesquisas sobre o futebol.

Helal fala das críticas feitas a Mário Filho numa visão romantizada, “partindo da ideia de que a dramatização dos fatos são até mais importantes do que os fatos em si” e, ainda, levanta a questão de que o mito da democracia racial alcançou uma identidade tão grande “porque mesmo apoiadas pela elite só fazem sentido quando apoiadas pelo povo”.

Nesse sentido, Helal entende que “a narrativa é tão importante, de modo que as pessoas vivem o mito”. Usando como exemplo o fato de o Vasco da Gama ter vencido o campeonato carioca, logo no ano de sua estreia na primeira divisão, sendo o primeiro time a colocar jogadores negros, instigando polêmicas opiniões, como a de que “se não fosse o Vasco Pelé não existiria”.

A polêmica chegou ao ponto de Mário Filho afirmar a dualidade entre torcidas, “sendo uma elitista, tradicionalista, portanto, contrária ao Vasco; e a outra que torcia para o Vasco, por ser favorável a democracia racial, por ter jogadores negros” – segundo Helal.

O palestrante finaliza destacando a dificuldade que havia de se comprovar relatos e crônicas dos jogos, devido à falta de outras fontes, e que ao criticar a obra de M. Filho, de certa forma, está se fazendo uma homenagem a esse grande sociólogo do futebol.

Encerrando os debates, Luiz Henrique (coordenador da mesa) sublinha: “o cara era um foca”, e completa dizendo: “hoje tem caras que vem como `programas de verdade’ por darem todos os dados, números do futebol, como verdadeiros computadores, diferente do cronista que tem uma potência simbólica”.