Irã: Por que os EUA insistem na solução violenta?
Washington garantiu que conta com apoio de russos e chineses (obtido “de ontem para hoje”) para as sanções que dependem de aprovação pelo Conselho de Segurança e não são condicionadas a qualquer acordo sobre a proposta viabilizada na 2ª-feira por Turquia e Brasil para fazer baixar o nível de tensão do impasse nuclear.
Depois de meses de negociações e um dia depois da declaração trilateral, a divulgação de um rascunho de resolução da ONU que representaria uma quarta rodada de sanções – caso seja aprovada –, seria “a única resposta aceitável aos esforços que empreendemos no Irã nos últimos dias”, nas palavras da secretária de Estado dos EUA Hillary Clinton.
É possível que Clinton esteja sob intensa pressão para elevar a aposta dos EUA na aprovação das tensões, com editorial do Wall Street Journal, ontem, pintando o acordo de Teerã na 2ª-feira como “fiasco” e “debacle” da diplomacia do presidente Obama[1].
O acordo de Teerã tem potencial para gerar dúvidas em quantidade suficiente para adiar a discussão das sanções ou para abalar o empenho da Casa Branca a favor de sanções, sobretudo se se considera que a Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA), de fiscais da ONU para questões de energia nuclear, ainda tem de analisar os detalhes do acordo que abre, sim, via alternativa importante às sanções.
“Há muitas perguntas ainda sem resposta, no acordo anunciado em Teerã”, disse Clinton em comunicado no qual reconhece os esforços de Turquia e Brasil para encontrar saída para o impasse. “Os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU” [Rússia, China, EUA, Reino Unido e França + a Alemanha, conhecidos como “Irã-6”], tentam arregimentar a comunidade internacional a favor de sanções duras, que, na nossa opinião, implicam mensagem muito clara sobre o que se pode esperar do Irã”, disse Clinton na mesma declaração.
Clinton disse à noite que o ministro das Relações Estrangeiras da Rússia Sergei Lavrov, lhe dissera que Moscou continua a concordar com o texto rascunhado de resolução, mesmo depois do acordado entre Irã, Brasil e Turquia. Ma Zhaoxu, porta-voz do Ministério de Relações Exteriores da China disse que Brasil e Turquia “ajudaram o processo de solução pacífica para a questão nuclear iraniana pelo diálogo e o entendimento”. Em briefing para a imprensa, Ma acrescentou “esperamos que ações do Conselho de Segurança ajudem a salvaguardar o regime internacional de não-proliferação, a manter a paz e a estabilidade no Oriente Médio e a pressionar para um acordo adequado da questão nuclear iraniana.”
Espera-se que o Conselho de 15 nações vote a resolução no próximo mês, com alterações mínimas possíveis até lá. Brasil e Turquia, ambos membros do Conselho, defendem que não são necessárias mais sanções, se o Irã respeitar os termos do acordo trilateral, pelo qual o urânio iraniano enriquecido passa a ser embarcado para a Turquia, em troca de novo combustível para o reator de pesquisas de Teerã.
O rascunho de resolução da ONU, de 10 páginas, acertado entre os “Irã-6” inclui inspeção internacional nos navios sobre os quais haja qualquer suspeita de estarem transportando carga que se possa associar ao programa nuclear iraniano ou à construção de mísseis, e bloqueio de todas as transações financeiras que se possam associar a qualquer tipo de ajuda aos programas nuclear e de mísseis do Iran. Exige-se também expansão do embargo já existente para compra de armas (Teerã fica impedida de comprar outros modelos de armas, incluindo armamento pesado). Originalmente, EUA e europeus aspiravam a impor bloqueio total contra compra de qualquer tipo de qualquer arma e incluir o Banco Central do Irã na lista negra de agentes proibidos de operar; mas Rússia e China opuseram-se a essas duas sanções. (…)
Na 2ª-feira, Irã, Brasil e Turquia acertaram que, no prazo de uma semana, o Irã compromete-se a enviar carta à IAEA, pela qual se declara pronto para iniciar a troca do urânio baixo-enriquecido. A Declaração de Teerã também menciona a necessidade de todos focarem as discussões nos “elementos comuns” dos dois pacotes – as ideias de Teerã e as ideias dos “Irã-6” –, o que pode implicar um acordo “Vienna II”, com agenda mais ampla, inclusive questões extra-nucleares; o que é o mesmo que dizer que acordo naquela região, para significar realmente alguma coisa, não pode desconsiderar questões regionais de segurança.
Clinton não se cansou, inúmeras vezes nos últimos meses, de acusar o Irã de ter rejeitado acordo de troca de combustíveis. De fato, é ela, hoje, quem torpedeia acordo já assinado, com a imposição de sanções. Esse movimento de Washington enfurecerá os funcionários turcos que coordenaram com Washington as ações relativas ao Irã – e não trabalharam, é claro, para ver os norte-americanos agirem de forma errática, com Clinton, no Congresso, em posição que não parece acompanhar as posições do presidente Obama.
Mais do que isso. À luz da resposta positiva dos chineses à Declaração de Teerã, poucos acreditam, no mundo, que a China tenha, de fato, concordado com as sanções, não, com certeza, nos termos em que a secretária Clinton tem divulgado.
Parte do problema é no encontro de Viena, em outubro, os EUA não apresentaram quaisquer precondições para o “rascunho de acordo” com a IAEA. Absolutamente não se discutiu qualquer suspensão para o programa de enriquecimento de urânio do Irã. Surpreendentemente, essa parece ser a única obsessão de Clinton, hoje.
O saldo da confusão é que, por um lado, há aí, à vista de todos – e na mesa da IAEA, uma saída negociada e acordada para o impasse nuclear iraniano, sob a forma de troca de urânio baixo-enriquecido por combustível para o reator médico (formalizada na Declaração de Teerã, da 2ª-feira; e, ao mesmo tempo, a ação de Clinton intensifica o impasse nuclear e, de fato, empurrando-o para o confronto, no caso de a ONU vir a aprovar novas sanções (e “debilitantes”) contra o Irã.
Nesse cenário, os laços que unem o Irã e a IAEA, salvaguardados no acordo de Teerã, seriam gravemente fragilizados, e poderiam romper-se completamente, no processo de aplicação de sanções muito duras.
Atitude diplomática prudente, hoje, faria adiar por alguns dias a discussão de novas sanções – e dar justa chance ao acordo de Teerã.
Analista de política exterior do Irã disse a esse autor que “O Irã está dando sinais de interessar-se por reaproximar-se da ONU e temos dito repetidas vezes que nos opomos a armas nucleares. O Irã é absolutamente contrário às armas nucleares – produção, aquisição e uso –, e já nos declaramos favoráveis a um Oriente Médio desnuclearizado. Nisso, é o Irã que assume as posições mais democráticas, nos termos do que o governo do presidente Obama tem repetidamente proposto. O Irã, não Israel. Acabamos de aceitar a troca, depois que se construiu a alternativa que incluiu a Turquia”.
“Nossa pergunta é”, continuou aquele analista: “Por que, de repente, os EUA mudam de ideia, perdem essa oportunidade de pacificar a questão e insistem na solução mais violenta?”
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Fonte: Kaveh L Afrasiabi, Asia Times Online (de Teerã)
http://www.atimes.com/atimes/Middle_East/LE20Ak03.html
Tradução: Caia Fittipaldi