José Martí, revolucionário total
Levava cinco semanas e meia em seu país natal, onde tinha começado a luta armada contra o colonialismo espanhol, e realizava por então uma intensa atividade para reunir uma convenção de representantes das forças patrióticas que desse forma à condução do processo bélico.
Como expressa na carta que nunca chegou às mãos de seu amigo mexicano Manuel Mercado, porque sua queda o impediu de terminar, estava na plena maturidade de sua liderança e tinha muito bem desenhados em sua mente os grandes propósitos de sua obra política: impedir a tempo, com a independência de Cuba, que os Estados Unidos se estendessem pelas Antilhas e caíssem com essa força mais sobre nossas terras da América.
Na carta é categórico: “Quanto fiz até hoje, e farei, é para isso.” E nela esclarece também por que nos documentos do Partido Revolucionário Cubano fundado e dirigido por ele desde 1892, e até em seus abundantes textos públicos a respeito do problema cubano, não tinha sido explícito em assinalar esses objetivos, ainda que o conhecedor de seus escritos sabe que em mais de um falou do papel relevante das Antilhas livres frente ao hegemonismo da nascente potência do Norte.
Assim, diz a Mercado: “Em silêncio tem tido que ser e como indiretamente, porque há coisas que para consegui-las têm que andar ocultas. E se proclamar-se o que são, levantariam dificuldades demasiado fortes para atingir sobre elas o fim.”
O projeto (Subtítulo)
Ao longo de sua vida, perseveradamente, Martí havia insistido na necessidade de assumir com originalidade, com espírito próprio e criador, o entendimento dos problemas da que chamou Nuestra América desde sua juventude.
Com um profundo sentido de autoctonia, que, em absoluto, nunca traduziu em rejeição ao alheio senão em adequação daquele ao próprio, o cubano compreendeu que as repúblicas criollas tinham fracassado por aplicar modelos políticos, sociais e econômicos surgidos de outras realidades e por jogar de lado as classes populares. As velhas oligarquias coloniais se reacomodaram depois das independências, e até na época contemporânea a Martí já se observava nos grupos liberais que encabeçavam governos essa tendência de comungar com os antigos interesses latifundiários.
Criaram-se sociedades espúrias, que sob novas envolturas republicanas guardavam e aumentavam as divisões polarizadas de outrora. Tinha que mudar o espírito, não meramente a forma, diria Martí, e fazer causa comum com os oprimidos. Repúblicas verdadeiramente populares com os indígenas, os negros e os camponeses, era sua proposta. E Cuba, junto a Porto Rico, era o primeiro degrau dessa ampla revolução social.
Urgidas de sair do da Espanha e requeridas de evitar seu domínio pelos Estados Unidos, as Antilhas espanholas eram para Martí o terreno propício para fundar a república nova, com todos e para o bem de todos; de paz, trabalho e dignidade. Seria a cubana, em sua opinião, uma república de unidade para evitar o novo domínio que se via; mas sem que sob tal critério se ocultasse a manutenção de uma soberba casta dominadora, sempre disposta a defender seus privilégios, bem sob a sombra do domínio espanhol, bem sob a proteção da dependência do ianque.
Tal república de justiça social elementar, contribuiria então decisivamente a reforçar o caminho da colaboração inteligente entre os povos antilhanos e contribuiria seu volume à ação acertada das nações latino-americanas em seu conjunto.
Essa América nova, que se iria construindo passo a passo, com paixão e cuidado de artista, poderia equilibrar o poderio estadunidense no continente e ajudaria assim também a contrapesar com as diversas potências.
Era um projeto revolucionário de fundos voos. Era uma descomunal briga contra as linhas que se iam desenhando em seu tempo histórico: tratava-se de subverter o rumo que estavam impondo já os poderes imperialistas nascentes.
Tal projeto declaradamente anti-imperialista, que evitaria mesmo que os Estados Unidos se convertesse em Roma americana e salvaria suas tradições democráticas, requeria de sumo cuidado e grande discrição em sua implementação. Por isso a estratégia martiana, a do sonhador visionário, era de um praticismo e tato próprios de quem estabelecia muito bem os pés sobre a terra.
Era a estratégia dos passos escalonados, cingidos a seus propósitos imediatos, para ir criando sólidas bases aos avanços seguintes. Para expulsar a Espanha de Cuba tinha que ir às armas, pois a metrópole não oferecia saída negociada alguma. Para a guerra necessária tinha que atuar com unidade, e por isso se criou o Partido Revolucionário Cubano ali onde lhe era possível sua atuação visível: na imigração. Desatado o enfrentamento, tinha que organizar sua condução aproveitando os ensinamentos e os erros da primeira guerra.
Aí, nesse passo, interrompeu-se por causa de sua morte a direção martiana do processo histórico liberador para Cuba e o continente.
Pelo bem maior do homem (Subtítulo)
Revolucionário total e pleno foi Martí, cujas aspirações liberadoras sintetizou uma vez na seguinte frase: “Desatar a América y desuncir al hombre” [Libertar a América e desacorrentar o homem]. Seu verdadeiro e arraigado humanismo fez-lhe escrever no Manifesto de Montecristi -o documento em que o Partido explica por sua voz e a assinatura conjunta com o general em chefe, Máximo Gómez, para que era a guerra de Cuba- que os cubanos voltavam às armas, em primeiro lugar, pelo bem maior do homem.
Sábia irmanação da ética e da política, quando esta cada vez mais se apartava daquela e era controlada por interesses mercantis e pelo afã de ganho. Dignificação da política, como a arte de unir aos homens pelo bem comum, como ele mesmo disse uma vez.
O local inseria-se assim no movimento universal, não para o impulsionar mais ainda pelo caminho de injustiças e dominações pelo que ocorria, senão para inclinar em outro sentido de decoro e harmonias.
Revolucionário pleno com a pluma, com o pensamento e com seus atos foi José Martí, que insistiu em que os novos tempos requeriam também de uma nova escritura, apropriada a eles. Por isso empurrou a língua espanhola para novos caminhos e seu original estilo -compêndio e elaboração ao mesmo tempo- foi reconhecido como absolutamente inovador por seus mesmos contemporâneos.
Um radical, porque foi à raiz; isso foi José Martí.
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Fonte: Prensa Latina