No dia 20 de maio, no contexto de sua visita oficial aos Estados Unidos, o presidente do México, Felipe Calderón, depositou uma coroa de flores em frente à Tumba do Soldado Desconhecido, no cemitério de Arlington, Virgínia, em homenagem “aos soldados mexicano-estadunidenses mortos em campanhas militares dos EUA”. O governante rompeu assim o veto tácito, mantido ao longo dos mandatos anteriores, que impedia um chefe de Estado mexicano visitar esse local. O motivo desta reserva simbólica sempre foi claro: em Arlington, estão enterrados militares estadunidenses que participaram das diversas agressões armadas perpetradas pelo vizinho país do norte contra o nosso, incluídas aí aquelas por meio das quais Washington arrancou do México mais da metade de seu território, assim como os criminosos e injustificáveis ataques e ocupação do porto de Veracruz (abril-novembro de 1914).

Se bem que seja certo que a geografia e a economia tornam pertinente e necessário, no período atual, a construção de uma relação bilateral fluida, produtiva e até cordial, nem por isso deve esquecer-se que os EUA têm sido, há dois séculos, a principal ameaça à segurança nacional e o principal responsável por ofensas contra a soberania e a integridade mexicanas. Uma visita do chefe de Estado a Arlington equivale, pois, a aceitar ofensas pelas quais nunca foi oferecido um pedido de desculpas, nem alguma compensação. Além disso, o gesto era desnecessário se consideramos que durante as últimas cinco décadas foi possível desenvolver vínculos cada vez mais estreitos com o governo do país vizinho sem recorrer à concessão feita por Calderón.

Tão improcedente como este ato protocolar é a determinação de prestar homenagem aos “soldados de origem mexicana mortos nas guerras estadunidenses”, uma vez que, com isso, o governo do México dá sua aprovação a tais iniciativas bélicas, invariavelmente contrárias ao direito internacional e que violam as soberanias nacionais e os direitos humanos. Em Arlington, estão enterrados os soldados estadunidenses mortos no panamá, no Afeganistão e no Iraque, para mencionar somente as mais aventuras militares mais significativas das décadas recentes, todas elas tão marcadas por atrocidades e por espírito de rapina como as lançadas por Washington contra o México nos séculos XIX e XX.

Além disso, é inevitável ver na presença de Calderón em Arlington um episódio a mais de submissão da soberania, o mais recente no contexto de uma pauta claramente definida: a assinatura de Iniciativa Mérida, por meio da qual permitiu-se que agencias e órgãos militares estadunidenses se intrometessem em assuntos internos mexicanos, por meio de assessorias, trabalho de inteligência e fornecimento de armas, equipamentos e veículos. Outros exemplos são o empenho calderonista em entregar partes substanciais da indústria petroleira que, pelo texto constitucional é propriedade e atividade exclusiva da nação, para empresas transnacionais, muitas delas estadunidenses, e a deplorável decisão, anunciada em março passado e vigente desde maio, de renunciar ao visto mexicano como requisito para ingressar no território nacional, aceitando, em seu lugar, um documento análogo emitido pelo governo dos EUA.

Quando Calderón encontrava-se em Washington, as autoridades mexicanas pediram auxílio à DEA (Drug Enforcement Administration) e ao FBI na investigação sobre o sequestro de Diego Fernández de Cevallos. Com essa petição, os funcionários mexicanos encarregados da investigação não somente admitem de forma tácita sua incapacidade, como expõem a atitude classista e discriminatória que os governos federal e queretano têm mantido em torno da captura do político panista (do PAN, Partido Ação Nacional). Até agora, semelhante cessão de soberania não tinha sido realizada por nenhuma das vítimas inocentes da descontrolada violência na qual desembocou a “guerra contra a delinqüência organizada”.

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Tradução: Katarina Peixoto

Fonte: Carta Maior