O futebol e a identidade nacional
Era uma vez o Brasil, terra de cobras e feras. O mais brilhante dos técnicos brasileiros, João Saldanha, dizia, quando montou o “esquadrão de ouro” de 1970, que cobra estava barato demais. Para ele, a maior fera é o homem. E, para ganhar a Copa, era preciso ter homens — feras em contato com o povo. “Havia aquele negócio de canarinho, ‘os onze canarinhos’, mas eu achava meio fraco para os objetivos”, disse. Saldanha criou as feras para infundir um discurso otimista e transmitir ao time a alma do povo brasileiro. O futebol teria de ser jogado com as raízes brasileiras, e não como uma cópia européia.
Ele jogou por terra o mito, já forte à época, do fim da história para o futebol-arte. O escritor Nelson Rodrigues, fã confesso de Saldanha, adaptou para o esporte a sua máxima jornalística dos “idiotas da objetividade” — hoje transmutada para a idiotice da “coerência”. Para ele, no futebol os “idiotas da objetividade” defendiam a “velocidade burra”. Já Saldanha provava que o futebol brasileiro autêntico, de toques, dribles e passes cadenciados, ainda era o melhor.
O técnico escolheu os jogadores um a um, sem interferência de natureza política ou comercial. Com isso, Saldanha legou a oportunidade para um profícuo debate sobre a natureza do futebol brasileiro. Um debate permeado por elementos históricos, filosóficos e sociais — sempre, obviamente, com generosas pitadas de arquibancadas.
Quando se fala em raízes brasileiras, está se dizendo que a história do futebol guarda simetria com a formação do povo brasileiro. Não à toa, diversos intelectuais apostaram no fracasso do futebol no Brasil porque era um esporte trazido por ingleses grã-finos na belle époque. Era, como diz o escritor uruguaio Eduardo Galeano, “um produto de exportação tão tipicamente britânico como os tecidos de Manchester, as estradas de ferro, os empresários do banco Barings ou a doutrina do livre comércio”.
Colarinhos e gravatas
Por trem ou navio, a bola transpassava fronteiras e tornava o mundo mais redondo. No Brasil, ela chegou acompanhada dos modos britânicos. O uniforme, o equipamento e o vocabulário eram importados da Inglaterra. Ser jogador de futebol era chique. O jornalista Mário Filho, um dos pioneiros da nossa literatura futebolística, descreveu em seu livro O Negro no futebol brasileiro, de 1947, como moças maquiadas, bem penteadas e elegantes em seus grandes chapéus emplumados, postavam-se nas arquibancadas para assistir a um jogo torcendo seus lencinhos em mãos delicadas.
No campo, estavam irmãos, primos e namorados, enfeitados com toucas de tricô e faixas de cetim. “O futebol prolongava aquele momento delicioso de depois da missa”, escreveu Mário Filho. No Rio de Janeiro, Oscar Cox, que conhecera o futebol durante seus estudos no Collège de La Ville em Lausane, Suíça, fundou, em 1902, o Fluminense Football Club. O exemplo foi seguido também em São Paulo, onde surgiram estádios no Velódromo, na Chácara Dulley e no Parque Antártica.
Mário Filho diz que os jogadores, ao entrarem em campo, saudavam as moças na arquibancada, mas não repetiam seu hip-hip-hurrah “diante da geral, onde se amontoavam os torcedores sem colarinho e gravata”. Mas eram torcedores tão encantados pelo futebol quanto aqueles que dispunham de colarinhos, gravatas e posses. E começaram a formar suas próprias equipes.
Semente da popularidade
Thomaz Mazzoni, um dos pioneiros do jornalismo esportivo brasileiro, diz em seu livro História do futebol no Brasil, de 1950, que “a semente da popularidade futebolística brotou logo prodigiosamente”. “O exemplo dos estudantes e dos moços ricos do Makenzie, Paulistano etc. não deixou indiferentes os rapazes operários dos bairros, e daí surgirem pequenos clubes em pouco tempo. Assim, se consultarmos, por exemplo, os jornais de 1903, leremos em duas ou três linhas que ‘estão combinados para hoje alguns matches de futball’ no ponto final do Tramway da Cantareira, entre os clubes A. A. Cruzeiro Paulista x A. A. Santos Dumont e S. C. Sílvio de Almeida x S. C. Guarani”, escreveu.
Ele cita o exemplo de Campinas, um dos pólos da economia cafeeira do interior do Estado de São Paulo, onde o futebol chegou em 1897 pelos pés de estudantes do Colégio Culto à Ciência e encontrou abrigo no bairro da Ponte Preta. Ali, os rapazes limparam uma área de terreno junto aos trilhos da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, levantaram traves feitas de bambu e passaram a jogar. “Com o passar do tempo, outros rapazes, moradores do mesmo bairro, dos bairros vizinhos e mesmo da cidade, vieram juntar-se aos primeiros e o aglomerado de adeptos do esporte bretão foi pouco a pouco aumentando, e esse desenvolvimento a todos entusiasmou. Foi quando resolveram constituir-se em associação”, escreve Mazzoni. Nascia assim, em agosto de 1900, a Associação Atlética Ponte Preta.
Um exemplo de influência da popularidade do futebol na expansão desse esporte no Brasil ocorreu no Estado do Rio Grande do Sul. O antropólogo Arlei Sander Damo diz que um clube formado na cidade portuária de Rio Grande, o Sport Club Rio Grande, aproveitou-se das conexões marítimas e principalmente ferroviárias da cidade com o Estado para se tornar uma espécie de semeador de bolas. “A ‘cosmopolita’ Pelotas, integrada ao circuito internacional das turnês culturais, foi pioneira na incorporação dos negros ao futebol de ponta — através do E. C. Brasil, primeiro campeão gaúcho — e é, ainda hoje, uma das poucas cidades do interior do Brasil onde os torcedores dividem sua predileção clubística entre os clubes locais, sem maiores considerações pelos da capital”, diz ele.
A conquista de 1919
O futebol só chegaria a Porto Alegre em 1903, quando os riograndinos realizaram uma partida entre duas equipes do Sport Club Rio Grande. Uma semana depois, a cidade já possuía dois clubes dedicados ao esporte bretão — o Fuss-Ball Clube Porto Alegre e o Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense, ambos originados entre a juventude e profundamente marcados pela presença alemã.
Nos anos seguintes, a popularização do futebol explodiu. No Rio de Janeiro, em São Paulo, em Santos, em Belo Horizonte, em Curitiba, em Salvador e em muitas outras cidades de diferentes regiões do país surgiram clubes populares que fariam do Brasil o centro gravitacional do futebol. A fundação da Confederação Brasileira de Desportos (CDB) em 1915 deu organicidade ao futebol ao agregar diversas ligas e federações esportivas. A CBD também passou a representar o Brasil na Federação Internacional de Football Association (Fifa), a entidade máxima do futebol mundial fundada em 1904.
A conquista do Campeonato Sul-Americano de 1919, realizado no Rio de Janeiro, pela seleção brasileira, com um golaço do genial Arthur Friedenreich, despertou o país definitivamente para o futebol. Até o reservado historiador Capistrano de Abreu registrou que o grande acontecimento da cidade era o futebol. “Nunca assisti a uma partida, não posso fazer idéia de como é, e os termos técnicos soam-me aos ouvidos como a mais atravessada das gírias”, ressalvou. No dia do jogo final, o presidente da República, Delfim Moreira, decretou ponto facultativo. Boa parte dos bancos e das casas comerciais não abriu as portas.
Credenciais do futebol-arte
O historiador Nicolau Sevcenko descreveu o corrido como a “descoberta de uma vocação” pelo povo brasileiro. O jornal O Estado de S. Paulo disse que “os jogadores brasileiros evidenciaram possuir as melhores qualidades que se podem desejar em ‘footballers’, qualidade que somente ele, nenhum outro povo, reúnem todas”. Para o jornalista Américo R. Netto, surgiu ali a “escola brasileira de futebol”.
O Brasil passou a ter aquela identidade nacional descrita por Eric Hobsbawn, que faz com que uma comunidade imaginária pareça “mais real na forma de um time de onze pessoas com nome”. “O indivíduo, mesmo aquele que apenas torce, torna-se o próprio símbolo de sua nação”, escreveu. A nascente paixão nacional ganhou impulso nos anos 1930, quando futebol passou a representar uma espécie de unidade simbólica poderosa. Nos anos seguintes, o Santos de Pelé e o Botafogo de Garrincha apresentaram ao mundo as credenciais da verdadeira arte futebolística brasileira.
A conquista da Copa de 1958 selou definitivamente o encontro do futebol brasileiro com a arte. E em poucas sociedades uma competição esportiva específica assumiu as dimensões que a Copa do Mundo assumiu no Brasil. Com esse potencial, o futebol brasileiro chegou aos dias atuais como um exportador de jogadores, oferecendo mercadoria relativamente barata para os clubes europeus. A “mundialização” do futebol é um fenômeno ainda por ser estudado. Mas já é possível dizer que ele tem prejudicado enormemente o futebol-arte, genuinamente brasileiro.
Talentos prematuros
O presidente da Fifa, Joseph Blatter, têm lançado várias medidas para regulamentar as transações e as finanças dos clubes de futebol. Durante os 13 anos à frente da entidade esportiva, Blatter acompanhou a expansão comercial do futebol mundial e, consequentemente, presenciou também o distanciamento entre as principais ligas européias e a de outras regiões, como da América Latina. Blatter quer equilibrar as condições no mercado de futebol. De acordo com reportagem do Wall Street Journal, o presidente da Fifa espera que, ao reduzir o fluxo de jogadores para o estrangeiro, as ligas latino-americanas e africanas elevem imediatamente seu nível, tornando as equipes mais competitivas e as partidas mais atraentes para os torcedores.
Algumas mudanças já foram feitas pela Fifa, como a proibição, desde 2000, das transferências de jovens menores de 18 anos a fim de protegê-los dos empresários que exploram seu talento prematuramente. No entanto, essa regra não foi seguida a risca, como no caso do jogador brasileiro Alexandre Pato, que deixou o Internacional de Porto Alegre para o Milan da Itália aos 17 anos.
Além disso, ainda de acordo com o Wall Street Journal, um sistema computadorizado de transações de jogadores, chamado Transfer Matching System, está sendo testado em ligas africanas e da Europa Oriental. Nesse sistema, que terá participação obrigatória, as equipes põem os jogadores que desejam transferir numa base de dados pública, administrada pela Fifa. Os clubes interessados entram no sistema e apresentam suas ofertas pelos jogadores (o valor não será público). O sistema deve entrar em funcionamento em todo o mundo em outubro deste, segundo a Fifa.
Vender espetáculo
Muitos clubes e federações apoiaram as medidas da entidade, pois saem, muitas vezes, perdendo com o êxodo de seus jogadores ainda muito jovens. "Isso afeta os clubes do ponto de vista de que eles fazem todo o esforço de formação de um jogador e não podem aproveitar seus frutos", disse Eduardo De Bonis, sócio da consultoria Deloitte na Argentina, ao Wall Street Journal.
Segundo a reportagem, há outra proposta de Blatter que ainda não foi aprovada: a chamada regra do "6+5". Ela exigiria que todos os times tenham, ao início de cada partida, pelo menos seis jogadores selecionáveis por seu país — ou seja, nascidos no país ou estrangeiros naturalizados que não tenham atuado com a seleção de seu país de nascimento. "Por causa disso, devemos criar uma solidariedade, pensando que aqueles que têm mais deveriam compartilhar com os que têm menos. Mas isso é mais fácil de dizer do que de fazer", afirmou Blatter ao Wall Street Journal.
No Brasil, segundo o economista e presidente do Palmeiras Luiz Gonzaga Belluzzo, os clubes são os que menos ganham hoje com o futebol no país. “O futebol no Brasil não é um bom negócio. Há muito dinheiro envolvido, mas não para os clubes. Quem realmente fatura alto são os intermediários do esporte, como os empresários de jogadores e a televisão”, diz ele. Para Belluzzo, os clubes ainda apostam na venda de jogadores para pagar suas contas. Em média, 30% do faturamento dos clubes sai da venda de jogadores. “Quando esses atletas vão para clubes como o Real Madrid ou o Milan, tudo bem. Difícil é engolir quando vão para a Turquia e outras economias menores que a brasileira. O certo seria vender o espetáculo, não o jogador”, explica.
Cofres dos clubes
Cunhou-se no país a máxima de que por trás de um clube bobo há sempre um dirigente esperto. A sentença decorre da constatação de que a oitava maior economia do mundo deveria ter o oitavo maior mercado de futebol do planeta. Não poderíamos ter clubes menos ricos e menos poderosos e, portanto, perder jogadores, para o futebol do Japão, da Alemanha, da França, da Itália e da Inglaterra. Teríamos paridade com os mercados da Rússia e da Espanha. Ou seja: tanto poderia o Santos vender alguns jogadores para o Real Madrid quanto comprar alguns do Milan, por exemplo. Nenhum outro lugar do mundo, a seguir por essa lógica, poderia tirar jogadores de primeira linha do Brasil.
Uma possível explicação para essa distorção é que a fatia do bolo dos investimentos em marketing que vai para o futebol no Brasil não chega aos cofres dos clubes. Sem falar na venda de atletas. Os negócios do futebol, permeados por um emaranhado de “empresários” obscuros, são caixas pretas, poços sem fundo. É uma realidade difícil de entender. E mais ainda de aceitar. Não que a situação seja melhor em outros locais.
Chelsea, Milan e Inter, por exemplo, estão quebrados, diz estudo recentemente divulgado. O Arsenal é a entidade mais endividada. O futebol de Itália e Espanha está atravessando atualmente uma delicada situação econômica. No caso do futebol espanhol, fora Barcelona e Real Madrid, nenhum outro clube do país está entre os 30 maiores da Europa. Na Itália, os principais clubes não dispõem de um estádio próprio que possa servir como motor econômico para melhorar seus balanços.
Muitos clubes estão nas mãos de empresários. Um caso que exemplifica bem como o futebol deixou de ser apenas arte é dos empresários americanos Tom Hicks e George Gillet, proprietários do Liverpool, que anunciaram que o tradicional clube inglês está à venda. O clube, que tem dívidas no valor de US$ 364 milhões (aproximadamente R$ 637 milhões) informou, por meio de nota publicada em seu site, que a operação conta com "o apoio completo de seus agentes financeiros". Desde que Hicks e Gillet passaram a controlar o Liverpool, em 2005, a equipe conquistou apenas um título — a Supercopa da Inglaterra, em 2006.
Negócio milionário
No Brasil, o prestígio da seleção ajudou a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) — a sucedânea da CBD — a transformar o time em uma máquina de fazer dinheiro. Mais da metade da receita anual da seleção brasileira é garantida por três grandes contratos de patrocínio — com a Nike, com a Ambev e com a Vivo. Outra fatia importante do faturamento vem das cotas pagas ao time pelos amistosos disputados no exterior. Nesse caso, vem sendo também registrado aumento substancial de valores ao longo dos últimos anos.
Os direitos de transmissão de cada uma das partidas disputadas pela seleção são vendidos pela CBF à Rede Globo, que tem contrato de exclusividade. Até mesmo os períodos de treinos e concentrações são usados para aumentar os lucros da CBF. Nas semanas que antecedem a estréia na Copa da Alemanha, por exemplo, a seleção recebeu US$ 1,2 milhão de dólares para se hospedar no luxuoso Park Hotel Weggis, na região de Lucena, na Suíça.
A transformação do mundo da bola num negócio milionário, ocorrida no início da década de 90, ajudou a seleção a atingir o atual faturamento. Graças à sua hegemonia nos gramados, o time alcançou patamar privilegiado de visibilidade no mais popular esporte do planeta. Isso gerou a multiplicação de valores de todos os negócios que envolvem a seleção. O time se beneficia também por reunir hoje uma série de figuras internacionalmente badaladas.
Contrato com a Nike
Como administradora da seleção, a CBF tem aproveitado esse cenário favorável para fechar bons acordos comerciais. "Até a década de 80, o time era sustentado por verbas do governo", afirma Ricardo Teixeira, presidente da CBF. Aos poucos, as estatais foram sendo substituídas por empresas privadas. Os valores dos contratos de patrocínio alcançaram novo patamar quando a Nike se tornou parceira da seleção, em 1996. Até hoje a multinacional norte-americana contribui com parte substancial do faturamento da equipe: são 12 milhões de dólares por ano.
O contrato vai até 2018. Uma cláusula prevê bônus de 6 milhões de dólares em caso de vitória nos mundiais de 2010, 2014 e 2018. Além do direito de ser a fornecedora de material esportivo do time, a Nike pode explorar a imagem da seleção em uma série de produtos. O aumento do faturamento do time brasileiro nos últimos anos veio acompanhado de uma série de denúncias de irregularidades nos principais contratos firmados por Ricardo Teixeira.
Os negócios foram alvo, nos últimos anos, de duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), uma na Câmara dos Deputados e outra no Senado. O relatório final das investigações, divulgado em 2001, apontou indícios de 17 crimes envolvendo os principais dirigentes do futebol brasileiro, como evasão de divisas, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro.
Os prejuízos desse modelo para o futebol são evidentes. Uma semana antes da Copa de 1998, por exemplo, a Nike, tentando capitalizar ao máximo o momento, convocou os jogadores para participar de uma festa de inauguração. O então capitão Dunga (patrocinado pela Reebok) chegou a dizer que os jogadores deviam treinar, e não participar de eventos sociais.
Fumo nos estádios
A confusão começou nos amistosos que antecederam a Copa de 1994. Como não havia comprado cotas de patrocínio nas emissoras de TV, a Brahma invadiu os estádios com placas e torcidas uniformizadas. O jogador Bebeto, patrocinado pela cervejaria, chegou a comemorar um gol fazendo o número 1 (exatamente como fazia nos comerciais da Brahma). Em represália, as câmeras da Globo enquadravam o campo apenas parcialmente, para impedir que a sinalização da Brahma entrasse em cena. O telespectador chiou com os cortes nas transmissões dos jogos. O Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar) intercedeu. No final, a Brahma diminuiu a presença nos campos e as emissoras voltaram a transmitir os jogos normalmente.
A Fifa também está toda contaminada por esta lógica. Em um artigo publicado na revista científica Lancet, alguns médicos questionaram a inclusão de companhias como a cervejaria Budweiser, a indústria de refrigerantes Coca-Cola e a cadeia de fast-food McDonald's como parceiros oficiais da Fifa. Segundo os autores do artigo, a entidade tem a obrigação de evitar relacionamentos com patrocinadores que não sejam adequados. Após a Copa de 2002, a Fifa recebeu uma premiação pelo combate ao fumo por ter feito o torneio com severas restrições a fumantes e rejeitando anunciantes ligados a empresas de tabaco.
Na Copa passada, no entanto, a proibição de se fumar nos estádios foi abolida e era possível encontrar isqueiros e cinzeiros entre os produtos oficiais do evento. "A presença de parceiros da Fifa como a Budweiser, a Coca-Cola e o McDonald's ilustra bem o conflito existente entre o esporte internacional e a promoção de um modo de vida saudável", diz o artigo. "Esta tensão reforça a necessidade de se reavaliar as relações entre organizadores e seus patrocinadores, assim como dos governos assegurarem a eficiência das suas legislações e do investimento público no esporte de elite", afirmam os autores.
O poder do dinheiro
Na Copa da França, em 1998, os anúncios de bebidas alcoólicas ficaram fora dos estádios. E nem por isso os franceses deixaram de mandar a campo um time impressionante. O lema da Copa, C est beau, un monde qui joue (É bonito, um mundo que joga), completava aquela combinação de esporte e lazer. Mas era um esforço isolado. Ali perto, na Inglaterra, a Federação Inglesa de Futebol é patrocinada pelo McDonald's. O futebol do país está tomado por grupos econômicos — alguns deles operando com dinheiro de duvidosa procedência.
O renascimento do futebol no Reino Unido aconteceu a partir de 1992 quando o magnata da comunicação Rupert Murdoch e a British Sky Broadcasting investiram milhões de libras esterlinas, pagando pelos direitos de transmissão ao vivo das partidas (até aquele momento, não havia cobertura ao vivo dos jogos das equipes inglesas) — um modelo que está sendo copiado em vários lugares, inclusive no Brasil. Um dos principais problemas é a publicidade na TV.
A maioria dos canais não coloca anúncios no ar durante as partidas, pelo simples motivo de que o futebol é um esporte com pouco tempo de interrupção. Por isso, os nomes dos patrocinadores são expostos em placas em volta do campo. Já se fala em mudanças nas regras do futebol para facilitar a veiculação de comerciais na TV. Isso seria o fim do futebol tal como o conhecemos hoje. O problema é que o futebol está ganhando dinheiro grande. E o dinheiro grande muitas vezes acaba conseguindo o que quer.