Nunes, como é conhecido, explicou ainda que Zezinho do Araguaia passou grande parte da sua vida na clandestinidade. “Após o seu reaparecimento, dedicou-se à causa do movimento em prol da anistia dos presos políticos da Guerrilha do Araguaia”, disse ele. O vereador destacou ainda que Zezinho é o principal articulador, criador e presidente e do Instituto de Apoio aos Povos do Araguaia (IAPA). “Destaca-se a sua luta em prol da Construção do Memorial da Guerrilha do Araguaia, estando, inclusive, em fase de construção o anfiteatro deste, através de empenho e esforço do homenageado”, complementa.

Nunes, no centro, preside a sessão 

O vereador lembrou também a atuação de Zezinho no processo de sobrevivência e manutenção da bacia hidrográfica do rio Araguaia-Tocantins, “sendo importante, ativo e fervoroso defensor da não construção da hidrelétrica de Santa Izabel na Bacia do Araguaia, alagando áreas de proteção ambiental e afetando diretamente o ecossistema da região, alagamento que atingiria diversos municípios, dentre eles um dos mais atingidos estaria o município de Xambioá”.

João Amazonas

Para Nunes, o reconhecimento da atuação de Zezinho do Araguaia se deve não só ao âmbito da luta armada mas também ao da defesa dos direitos humanos para a sociedade brasileira e, principalmente, “na sociedade xambioaense, em busca de melhores condições de conhecimento, cultura e vida para sua população”. “A concessão do título de Cidadão Xambioaense a Zezinho do Araguaia na comunidade xambioaense se comprova na sua vivência prática aqui apresentada de forma resumida, bem como pode ser constatada pelos anais da história”, finalizou.

Nunes disse ainda que Zezinho do Araguaia é um daqueles lutadores incansáveis, que fazem sonhos transformarem-se em realidade. O presidente da Câmara anunciou que será realizada uma sessão solene para uma homenagem institucional ao mais novo Cidadão Xambioense. Durante a apresentação, Nunes lembrou que conheceu João Amazonas, histórico dirigente do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) que esteve à frente do movimento guerrilheiro na região, quando ele estudava no Recife (PE). Ex-militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), ele destacou que Amazonas foi uma liderança respeitada por todos os segmentos políticos e lembrou que participou da solenidade de espargimento das cinzas do dirigente comunista na cidade.

O presidente da Câmara também comentou a importância do Memorial do Araguaia, que está sendo construído na cidade. Para ele, será um espaço de confluência cultural, onde deverão constar materiais catalogados sobre a Guerrilha do Araguaia, e ao mesmo tempo uma lembrança do heroísmo dos que pagaram com a vida a conquista da democracia e da liberdade. Nunes terminou sua intervenção fazendo um agradecimento a Zezinho do Araguaia pelo resgate da memória desse importante acontecimento da história do Brasil.

Niemeyer

O auditório da Câmara, tomado por moradores locais, aplaudiu entusiasmado as palavras de Nunes. Outros vereadores subiram à tribuna e comentaram o significado daquela homenagem. Zezinho do Araguaia também discursou, lembrando episódios da epopéia dos guerrilheiros e comentando as lutas mais recentes que ele tem encabeçado em prol da população de Xambioá. Estavam presentes também Pedro de Oliveira, representando o presidente do PCdoB Renato Rabelo, e Osvaldo Bertolino, representando o presidente da Fundação Maurício Grabois, Adalberto Monteiro. Em seguida, o presidente da Câmara convidou todos para a inauguração da primeira fase do Memorial do Araguaia — projeto viabilizado por meio de convênio com o Ministério da Cultura.

O prédio impressiona pelos detalhes. O totem, com desenho de Oscar Niemeyer, está sendo executado em estrutura de aço, com base em concreto armado. Será executado um muro marcando a entrada do memorial, com formas e alturas diversas, vazado em pontos estratégicos para passagem de pessoas e que permitam também a visualização do conjunto edificado. “A criação do memorial tem o apoio da população local, de moradores, da Igreja, dos professores. As pessoas vão poder estudar artes, ver filmes e peças de teatro e aprender artesanato. Será algo com movimento, e não uma estátua em homenagem a alguém”, disse Zezinho do Araguaia. Segundo ele, o Memorial do Araguaia será um espaço de entrelaçamento da história com a educação — uma conquista para os sofridos camponeses da região.

Na solenidade de inauguração, comandada pelo secretário municipal da Educação Paulo César Lucena de Souza, representando a prefeita Ione Santiago Leite, falaram vereadores e dirigentes políticos. Pedro de Oliveira discursou em nome do PCdoB e lembrou que a data coincidia com a da morte do deputado estadual Paulo Fonteles, do PCdoB, muito conhecido na região e assassinado aos 38 anos em 11 de junho de 1987 quando se dirigia ao município de Capanema para reunir-se com lideranças camponesas. Segundo Pedro de Oliveira, há gente que não deseja que a memória do povo seja preservada. "Por isso, a construção do Memorial do Araguaia é uma vitória da democracia". disse.

Oprimidos

O representante da direção do PCdoB do Estado de Tocantins, Giani, disse que aquele momento era histórico. “É um momento em que celebramos a democracia. E a democracia tem seu preço. Aqui, o preço pago foi alto. Foram vidas perdidas nesta terra pelo direito de lutar, de viver em liberdade”, lembrou. Para ele, Zezinho do Araguaia é um exemplo vivo de abnegação, de luta. “Sua história nos faz ver acontecimentos onde nossa memória não consegue chegar”, afirmou. Giani disse ainda que o Memorial do Araguaia fará com que a cidade de Xambioá esteja inserida no debate sobre um novo projeto de valorização do ser humano no Brasil.

Zezinho do Araguaia, descrito pelo secretário Paulo César Lucena de Souza como um arquivo vivo da luta por liberdade e por dias melhores, disse que estava dando sua contribuição à história do Brasil. “Este projeto foi feito para simbolizar o desenvolvimento infinito do conhecimento”, explicou. “Ele foi pensado para representar a luta por liberdade, que lá atrás nos faltou”, disse. Segundo Zezinho do Araguaia, o Memorial é uma forma de escrever a história pelo ponto de vista dos oprimidos.

Filiado ao PCdoB desde 1962, quando era estudante em Goiás, após o golpe militar de 1964 Zezinho do Araguaia foi um dos primeiros militantes do PCdoB a chegar à região e o último a sair — levando consigo Ângelo Arroyo, um dos comandantes da Guerrilha. Após anos sem contato algum com o Partido, reencontrou seus dirigentes em 1996. Em 1997 esteve entre os ilustres convidados que participaram do 9° Congresso do Partido. Desde então, tem sido um ativo militante comunista.

Poesia

A solenidade terminou com a leitura da poesia “O Araguaia Ferveu”, de autoria de Fortes Sobrinho, declamada pelo próprio poeta local:

O Araguaia ferveu
Quando alguns guerrilheiros
E militares se confrontaram
Numa luta desigual.

O Araguaia ferveu
Com o sangue derramado
De inocentes “ribeirinhos”
Que pereceram sem ter “mea culpa”.

O “ara-uaya” ferveu
Quando aqui alguns guerrilheiros
Nas terras dos “Xambioás”
Sonharam com um “Brasil melhor”.

Queriam uma pátria livre
Sem explorados e sem exploradores
Mas nada disso aconteceu.
A tirania da ditadura
Aniquilou esses ideais
Manchou de sangue sua história
E a história deles, também.

O Araguaia ferveu
Jamais será o mesmo
Nestas terras de “bandeira verde”
Só cresceu foi a sua fama.

O Araguaia ferveu
O “povo da mata” sumiu
Mas suas pegadas ficaram
Em cada um de nós “araguaianos”.

No final do dia, às margens do Rio Araguaia, houve novamente a exibição do documentário “Camponeses do Araguaia — a Guerrilha vista por dentro”. A exemplo da exibição do dia anterior, interrompida por uma ameaça de chuva, o povo se aglomerou para ver e ouvir depoimentos de camponeses que conviveram com os guerrilheiros. Em cada cena, a população via sua vida e suas lutas retratadas pelas descrições dos participantes do documentário. E reagia conforme a situação — ora se emocionava, ora ria e no final aplaudiu.