O protecionismo ambiental e o interesse comercial estão inscritos em cada capítulo das rodadas de negociação da OMC e das ações das ONGs que fixaram como ponto de tensão de suas iniciativas a chamada área da fronteira agrícola e mineral do País. Enquanto o Ministério Público e os órgãos ambientais pressionam os pequenos, médios e grandes produtores do Sul e do Sudeste, é na Amazônia Legal, na faixa de transição entre o Cerrado e o bioma Amazônico, que as ONGs e suas campanhas milionárias procuram interditar a infraestrutura – rodovias, ferrovias, hidrovias, portos – destinada ao crescimento da agricultura, pecuária e mineração.

É fácil perceber a completa ausência da chamada agenda ambientalista nos parlamentos da Europa ou dos Estados Unidos e nos meios de comunicação desses países, cotejada com a superexposição dessa mesma agenda nos órgãos legislativos do Brasil e nos seus meios de comunicação. A pauta não é estabelecida por demandas de movimentos sociais amplos e representativos, mas por grupos poderosamente articulados e respaldados por embaixadas, governos estrangeiros, quer via apoio diplomático ou financiamento das ações. Recentemente, a própria embaixada britânica financiou estudo sobre questões ambientais de grande repercussão na mídia nacional, para não falar de reuniões recentes de ONGs mobilizadas para dificultar a marcha da construção de rodovias ligando o Centro-Oeste ao Norte do País, isolando a Amazônia Legal que, embora integre 60% do nosso território, representa apenas 8% de nosso Produto Interno Bruto (PIB).

A proteção das agriculturas nacionais contra competidores externos e as guerras comerciais motivadas pela agricultura são fatos tão antigos quanto a história humana. O imperador Augusto taxou o trigo da Gália e do Egito para proteger os produtores dos arredores de Roma. Portugal e o Brasil conheceram as invasões holandesas do Nordeste no século XVII, em busca do monopólio da produção e do comércio do açúcar. Em 1936, o secretário da Agricultura, Indústria e Comércio do Estado de São Paulo, Luiz Piza Sobrinho, apresentava o livro A guerra secreta pelo algodão, de Anton Zischka, abordando as disputas entre as nações pelo monopólio e pelo lucro no comércio do chamado ouro branco.

Recorrer à presença do “general Comércio” nas disputas agrícolas e ao uso da questão ambiental nessa guerra é tão atual quanto as negociações que se desenrolam em torno da rodada Doha da OMC. Como em Copenhague, no embate sobre o clima, na OMC defrontam-se os países ricos e os em desenvolvimento. Os primeiros querem a livre circulação dos capitais e das mercadorias, o chamado livre comércio e a liberalização financeira, menos para os produtos agrícolas, já que seus agricultores, dependentes de elevados subsídios de seus tesouros, não suportariam a concorrência da agricultura dos países em desenvolvimento. O segundo grupo deseja exatamente o inverso, ou seja, a livre circulação das pessoas – o que é cada vez menos tolerado na Europa – e dos seus produtos agrícolas, de baixo custo pela disponibilidade de recursos naturais. Procuram ainda proteger sua incipiente indústria, para não serem condenados definitivamente à condição de exportadores de comodities.

Os produtores de banana do Vale do Ribeira (SP) destinam seu produto a um mercado consumidor de 20 milhões de habitantes na Grande São Paulo, a pouco mais de 100 quilômetros do local de produção, com elevada economia de custos de logística pela proximidade entre a origem e o destino da mercadoria. Localizam como seus principais concorrentes duas empresas norte-americanas que produzem bananas na Costa Rica e no Equador para os mercados da Europa e dos Estados Unidos, mas já chegam ao mercado de Buenos Aires. Eles desconfiam de que as medidas legais que tornaram irregular boa parte de sua atividade integram uma conspiração para abrir o mercado da Grande São Paulo às suas gigantescas concorrentes da América do Norte. É provável que eles estejam enganados quanto à conspiração, mas eles não estão enganados quanto aos efeitos concretos da legislação que os inviabiliza como produtores. Fatalmente eles seriam substituídos por quem melhor preparado estiver para ocupar-lhes o lugar.

No caso das bananas, o assunto envolveu uma disputa comercial entre os Estados Unidos e a União Europeia, no episódio que ficou conhecido como Guerra das Bananas e cuja origem eram os subsídios que a União Europeia oferecia aos países produtores que foram suas colônias no passado, prejudicando as empresas norte-americanas que produzem e exportam a partir da América Latina. A questão foi resolvida em 2009 por meio de um acordo entre a União Europeia e os Estados Unidos, pelo qual os impostos de importação na União Europeia sobre as bananas serão reduzidos gradualmente até 2017. Em troca, os Estados Unidos aceitaram encerrar o conflito com a União Europeia na OMC. A União Europeia comprometeu-se ainda a oferecer 200 milhões de euros de ajuda aos países da ACP (África, Caribe e Pacífico) para compensar o ajuste diante da concorrência mais severa da América Latina.

A disputa pelo mercado mundial de carne bovina põe o Brasil mais uma vez na condição de alvo do protecionismo. O produto brasileiro sofre tarifação média de 13%, cobrança que se soma a um valor sobre o total agregado da ordem de 300 euros para cada 100 quilos de carne vendida. Considere-se no caso a ineficiente produção da pecuária europeia, além de subsidiada, responsável por emissões de carbono pelo menos três vezes superiores à atividade similar no Brasil. A rastreabilidade exigida pela União Europeia e as certificações privadas por entidades geralmente ligadas a alguma ONG compõem o quadro de cerco contra a produção e a competitividade do Brasil, obrigado muitas vezes a vender o boi de pé, com a perda inevitável do valor agregado na comercialização.

A ambição pelo açúcar é uma antiga conhecida da humanidade e dos brasileiros. Desde a sua propagação pelos árabes, os segredos de sua confecção e o monopólio de sua comercialização têm enlouquecido os homens e as nações. Especiaria disponível apenas para as mesas das classes abastadas, popularizou-se pelo sabor que emprestava aos alimentos. E era em busca dele que aventureiros e navegantes se lançavam pelo mares desconhecidos. Portugal e Espanha enfrentaram o maior império comercial de sua época, a Holanda, que construiu a Companhia das Índias Ocidentais, contratou administradores do talento do conde Maurício de Nassau e mercenários de experiência como Von Schkoppe para conquistar o Nordeste e pôr as mãos sobre as terras que produziam cana de açúcar.

O sonho batavo de uma Holanda tropical foi desfeito tragicamente nos montes Guararapes e no morro da Tabocas pelas tropas do índio Poti, do negro Henrique Dias e do general Barreto de Menezes e os holandeses tiveram que se conformar com os seus domínios em Java e a futura possessão da Guiana Holandesa, atual Suriname. Despojada do poder militar e comercial de antigamente, hoje a Holanda se compraz em sediar e financiar seus braços paramilitares, as inevitáveis ONGs, que tentam cumprir o papel de seus remotos exércitos e companhias de comércio.

Quanto ao açúcar, segue enfeitiçando a cabeça de comerciantes e mobilizando diplomatas europeus em defesa de seu produto de beterraba nas rodadas da OMC, com cotas, tarifas, barreiras não tarifárias, subsídios e certificações que compõem o arsenal moderno usado pelos países ricos contra o açúcar produzido pelo Brasil.

É com a agricultura e a pecuária norte-americanas que o Brasil mede forças pelo acesso ao mercado mundial. Os Estados Unidos lideram a produção mundial de álcool, carne bovina, carne de frango, milho e soja, tendo o Brasil ameaçando sua hegemonia. O caso mais sensível é o da soja, em que os americanos são ao mesmo tempo o primeiro em produção e o primeiro em exportação. A situação delicada tem sido tema de preocupação constante do governo dos Estados Unidos.

Talvez aí estejam as razões do cerco e das pressões contra a expansão da soja no Cerrado brasileiro e de sua aproximação dos campos férteis da Amazônia Legal. A ampliação da produção brasileira requer, além dos ganhos de produtividade, disponibilidade de terras e infraestrutura. É exatamente neste ponto, na contenção da fronteira agrícola e da infraestrutura, que as ONGs internacionais tentam montar as barreiras contra a soja brasileira, beneficiando aberta e diretamente os concorrentes da América do Norte no acesso ao mercado mundial em crescimento.

A guerra do algodão conheceu seu mais recente episódio na autorização concedida pela OMC ao Brasil para retaliar os Estados Unidos em US$ 830 milhões por conta do subsídio aos seus produtores. Embora ocupe uma modesta quinta posição no mundo, a produção brasileira encontrou no Cerrado um campo fértil para sua expansão e, em igual intensidade e sentido contrário, a oposição das ONGs.

Se a agricultura, aos olhos das ONGs, é uma atividade agressora do meio ambiente, e se os Estados Unidos têm uma produção de grãos quase quatro vezes superior à nossa, é de se supor que, por lógica, agridam muito mais a natureza. Por que, então, as ONGs internacionais que promovem a tentativa de aniquilamento da ampliação da agricultura brasileira não se movem contra a pretensa agressão da agricultura norte-americana à natureza?

A proibição internacional do comércio de mogno, por exemplo, atende a quais interesses? A preservação da árvore ou da indústria moveleira alemã? A restrição dos Estados Unidos à importação de camarões do Brasil visa a proteção dos manguezais e das tartarugas-marinhas ou dos pescadores americanos no Golfo do México? Por que o painel da OMC sobre os camarões deu ganho de causa aos Estados Unidos e se posicionou contra o Brasil no caso da importação de lixo industrial na forma de pneus usados? A saúde das tartarugas-marinhas deve ser preservada mais do que a dos seres humanos dos países pobres transformados em depósito de lixo hospitalar dos países ricos?

O chamado protecionismo verde junto com as denominadas “cláusulas sociais” defendidas pelos países ricos nada mais são do que uma ferramenta poderosa para defender sua própria indústria e seus empregos. Nossa obrigação em defender o meio ambiente e os direitos sociais do nosso povo é algo que devemos assumir sem vestir a carapuça que tentam nos impor.

No profético romance de Vidiadhar Naipaul, A curva do Rio, Salim, o narrador indo-africano, lamenta a imaturidade de sua comunidade política invejando os conquistadores europeus da África: “Um povo enérgico e inteligente” que “queria ouro e escravos como todos os demais", mas também queriam “estátuas que os enaltecessem como pessoas que fizeram coisas boas para os escravos”. Salim acreditava que os europeus “podiam dizer uma coisa e fazer outra bem diferente porque eles tinham uma ideia do que deviam à sua própria civilização” e “eles conseguiram tanto os escravos quanto as estátuas”.

Que os europeus e norte-americanos tenham devastado a natureza e o meio ambiente foi uma opção só deles; que queiram que saiamos por aí erguendo-lhes estátuas por defenderem o nosso meio ambiente é inaceitável.