A planície pantaneira estende-se por vasta área da bacia do Rio Paraguai, entre os Estados do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul. O Pantanal frequenta o imaginário indígena desde tempos imemoriais. Ali nossos ancestrais ensinaram aos portugueses que se localizaria um imenso e misterioso lago que se uniria com a bacia amazônica. Guiados pelos indígenas, os bandeirantes procuraram em vão o lago misterioso que outro não poderia ser se não a vasta planície inundada por imenso período do ano. Pelo Pantanal cruzaram as expedições dos mamelucos de São Paulo e seus irmãos indígenas em busca da Bolívia e do Peru ou da calha do Rio Amazonas. Por ele atravessou a tropa brasileira no conflito com o Paraguai, na célebre retirada da Laguna, imortalizada na crônica épica homônima do Visconde de Taunay.

O boi está presente no Pantanal há quase três séculos, criado em pastagem nativa, sem que se plante um pé de capim, fazendo desse tipo de pecuária a mais sustentável de tantas quantas se praticam no País. O Pantanal é o bioma mais preservado e o boi é o seu bombeiro natural, aparando a macega antes que chegue o Sol e esta sirva de combustível ao incêndio da planície. O boi pantaneiro viu-se proscrito pelo improviso de legisladores ignorantes do seu papel ecológico e do seu bioma protegido. Resolveram que o Pantanal é uma imensa área de preservação permanente da qual o B. taurus deveria ser banido.

Hoje, mesmo os ecologistas mais fanáticos, os órgão ambientais e o Ministério Público reconhecem como impraticável a legislação e defendem que seja adaptada aos hábitos e à tradição da criação pantaneira. Em audiência realizada em Corumbá, a Comissão Especial colheu dos criadores e dos técnicos da Embrapa/Pantanal este exemplo de exagero e desconhecimento dos que legislam à margem da vida e dos costumes.

O boi, para além do Pantanal, tornou-se subitamente envolvido em controvérsia internacional sobre a surrealista contribuição ao agravamento do efeito estufa. O metano emitido pela vaca estaria entre os vilões da camada de ozônio. Naturalmente, mesmo com tanto boi no mundo, o boi brasileiro foi apontado como o inimigo número um.

O senso comum recebeu com merecida estupefação a sentença condenatória contra o boi. Logo ele, o animal presente no imaginário brasileiro como símbolo ao mesmo tempo da força, da elegância, do trabalho e de múltiplas utilidades. O boi do carro de boi; o boi do arado; o boi da cara preta da canção de ninar; o boi dos folguedos folclóricos – do Reisado, do Bumba-meu-Boi, do Caprichoso e Garantido. O boi de mestre Vitalino e suas imitações nas feiras nordestinas; o boi desenhado pelas crianças nos primeiros rascunhos do contato com o mundo externo. O boi Mansinho criado pelo padim padi Ciço e quase adorado pelos sertanejos; o boi companheiro da solidão dos vaqueiros que povoaram o Nordeste e inspiraram os aboios melancólicos de nosso cancioneiro. Creio até que o boi é o animal de estimação preferido de muitos brasileiros, e ocuparia o lugar do cão e do gato, fosse mais simples alimentá-lo e acomodá-lo no reduzido espaço das moradias urbanas.

Cambises, o imperador da Pérsia, ao invadir o Egito, afrontou a população local sacrificando o boi Ápis, de sua adoração. O gesto de Cambises buscava transformar o sacrifício de Ápis em símbolo de seu poder e capacidade de submeter os egípcios ao seu domínio. Cambises hoje não nos chega da Pérsia, Cambises desembarca no Brasil como portador das bandeiras ecológicas dos países ricos. Ápis já não vive no Egito, Ápis desfila em Parintins, nas festas do Caprichoso e do Garantido, povoa os campos do Mato Grosso e do Pará, os folguedos do Bumba-meu-Boi e as festas de vaquejada e de rodeio no Nordeste e em São Paulo.

A ideia do santuário amazônico

A Amazônia jamais foi um santuário da natureza. Ocupada há pelo menos 11 mil anos, a região aparece na vasta crônica da conquista e consolidação do território do Brasil como cinta verde da agricultura que permitiu a fixação do homem em comunidades perenes, estancando o nomadismo padrão dos coletores dos frutos da natureza. Depois do Descobrimento, sobretudo a partir do século XVII, quando Portugal começa a integrar a região à política e à economia colonial, registra-se um fluxo migratório constante, ora fraco, ora intenso, tal qual ocorreu no período áureo de extração da borracha, primeiro no final do século XIX, e a seguir por ocasião da Segunda Guerra Mundial. Foram recorrentes os esforços do Estado, tanto da Coroa Portuguesa e do Império como da República do Brasil, de fazer a nação estender seu manto geográfico e econômico sobre o território, com destaque para projetos de agricultura planejada segundo as melhores técnicas disponíveis na época.

Ao longo dos séculos, a Amazônia foi cenário das disputas territoriais e geopolíticas dos impérios coloniais. Portugal, Espanha, Inglaterra, França e Holanda moveram todos os esforços para se estabelecer ao longo da calha do grande rio. A remanescente possessão francesa ao norte do Amapá; o Suriname, ex-possessão holandesa; e a Guiana, ex-território britânico na fronteira com Roraima, permanecem como testemunho das antigas pretensões. Portugal superou-se na missão quase impossível de confrontar os demais pretendentes e demarcar e apossar-se do imenso território. Por toda a imensidão amazônica, as ruínas dos velhos fortes e a crônica histórica mantêm viva a lenda de lusitanos e brasileiros, personagens da epopeia que nos legou para governar a maior bacia hidrográfica da Terra. Como registro e homenagem, destaque-se aqui a figura de Plácido de Castro e de seu exército de seringueiros nordestinos na conquista do Acre, já em pleno século XX, quando as pretensões de determinada nação inclinavam-se por fincar sua bandeira no colosso amazônico.

A conquista da Amazônia se deu com a expedição de Pedro Teixeira (1637-1639), que foi e voltou de Cametá, no Pará, a Quito, no Equador, realizando pormenorizada corografia do Rio Amazonas e desenhando a região no mapa de Portugal, que na época integrava a União Ibérica com a Espanha, à qual a Amazônia pertencia pelo Tratado de Tordesilhas. Observa Celso Furtado que foi desta forma, “defendendo as terras da Espanha dos inimigos desta, que os portugueses se fixaram na foz do grande rio”. Conquistada a restauração da Coroa lusitana, já era forte a presença portuguesa, e os espanhóis, mais interessados em assegurar o domínio do Rio da Prata, abriram mão das terras.

A confirmação legal da Amazônia como futuro território do Brasil foi decidida em 1750, pelo Tratado de Madri, quando os portugueses já superavam dificuldades de logística e a exploração econômica tirava proveito do extrativismo das drogas do sertão – cacau, salsaparrilha, urucum, sementes oleaginosas, cravo, canela, baunilha, raízes aromáticas e tantas outras.

O café fora introduzido na Amazônia e no Brasil em 1727, iniciando nas terras do Pará a trajetória que o tornaria a maior fonte de riqueza da agricultura brasileira. Francisco de Melo Palheta trouxe da Guiana Francesa, segundo uma petição que ele depois enviou a Lisboa, “mil e tantas frutas que entregou aos oficiais do Senado [vereadores] para que repartissem com os moradores” como também cinco mudas, que semeou em sua fazenda no Pará, onde chegou a ter mais de mil pés de café – hoje multiplicados em 3,5 bilhões de cafeeiros, cultivados em 350 mil propriedades rurais.

O Pará chegou a ser exportador de café para Inglaterra no século XIX, mas a planta não prosperou na Amazônia e coube ao cacau nativo, que depois seria plantado na Bahia, sustentar o ciclo agrícola da região, ainda no século XVIII. O cacau silvestre foi na época um dos principais produtos de exportação do Brasil, para atender ao crescente consumo de chocolate na Europa. Roberto Santos documentou, em sua História Econômica da Amazônia, que “em 1730, graças ao trabalho dos missionários e dos colonos, a exportação do produto alcançou 26.216 arrobas, tornando-se o eixo da economia regional, da mesma forma que em épocas distintas o açúcar no Nordeste, o café no Sul e a borracha na própria Amazônia constituíram produtos líderes”. O padre João Daniel é um desses cronistas que, tendo vivido anos na Amazônia no século XVIII, descreve os hábitos dos moradores da região, onde já se cultivava a cana de açúcar, o arroz, o milho, o feijão, a mandioca e se criava o boi. São numerosas as versões dos viajantes sobre o cultivo do milho, arroz e tabaco. No vale do Amazonas, a secular agricultura de várzea, que no período da seca se valia das margens fertilizadas pelos sedimentos depositados na época da cheia, seguiu o modelo que o Nilo propiciou à civilização no Egito. A agricultura de subsistência foi plantada no rastro dos desbravadores dos grandes vales amazônicos, como os do Madeira, Negro, Branco, Jari, Juruá, Tapajós, Xingu, Tocantins.

Para realizar seu indisfarçável projeto de tornar a Amazônia joia da Coroa, e talvez transferir a sede do reino de Lisboa para Belém, o Marquês de Pombal escolheu como governador do Grão-Pará e Maranhão a seu irmão Francisco Xavier de Mendonça Furtado – imediatamente ao Tratado de Madri. Entre suas iniciativas destacou-se a Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará e Maranhão, fundada em 1755, responsável pelo monopólio do comércio. Novas culturas de exportação – anil, cânhamo, linho, pimenta, noz-moscada, tabaco, além do replantio de árvores nativas – foram incentivadas. Belém teve o primeiro horto do País, para a produção e distribuição de mudas. A menina dos olhos de Mendonça Furtado foi o algodão, no que vislumbrou a primeira política de substituição de importações, com a projeção de fábricas para fazer o que, segundo ele, “os estrangeiros nos introduzem a peso de ouro”.

Era necessário reanimar a grande empresa colonial agrícola, depois da exaustão do ciclo do ouro na primeira metade do século XVIII. A Companhia sinalizava o desejo da metrópole de inserir a Amazônia na fase do capitalismo mercantil da colônia, e, para implantar a agricultura comercial, forjava, com incentivos de toda ordem, uma classe de proprietários rurais subsidiados. Arthur César Ferreira Reis, em O seringal e o seringueiro, afirma que o colono devia plantar espécies nativas e aclimatar espécies alienígenas, incentivado por isenção de impostos, cessão de sesmarias e a utilização de um instrumento agrícola revolucionário no campo, o arado. “A produção de cacau, algodão, café, arroz, canela, açúcar, obteve um crescimento sensível”, observa Ferreira Reis. No entanto, as longas distâncias e o custo elevado da mão de obra, sobretudo depois da proibição de escravização dos índios em 1755, e a rentabilidade fácil do extrativismo e a resistência de empreendedores antigos ao monopólio da Compahia, mantiveram a estreiteza da base produtiva. A Companhia teve sucesso com o negócio do algodão no Maranhão, mas a economia amazônica propriamente dita continuou embalada pelos produtos naturais de mercado garantido e lucrativo na Europa até ser extinta em 1778 pela rainha Maria I. Já se pode antecipar aqui as dificuldades dos empreendedores com as ciladas da agricultura equatorial – terra infértil, pragas desconhecidas, problemas com a mão de obra local, as mesmas que, em 1927, derrotaram a tentativa do industrial americano Henry Ford de implantar na região do Rio Tapajós, no Pará, uma gigantesca plantação de seis milhões de seringueiras, para fornecer borracha aos pneus dos carros que fabricava. A Fordlândia, enterrada em 1945, com US$ 20 milhões gastos, foi um exemplo acabado de que a selva tem seus caprichos.

O primeiro empreendimento agrícola planejado, e bem sucedido, foi na Zona Bragantina, no nordeste do Pará, por onde correram os trilhos da estrada de ferro de Bragança, construída a partir de 1883, para ligar a capital do Pará a esta cidade nas proximidades do Maranhão. A Bragantina, por suas características de terras firmes, onde não correm grandes rios, foi delimitada para ser a “despensa de Belém”, incentivando-se a migração de nordestinos e lavradores açorianos para produzirem alimentos. Em 13 de junho de 1875 era inaugurada a primeira colônia agrícola moderna, em Benevides, dotada de culturas permanentes, extensão rural e ensino de técnicas agrícolas. Atualmente, além de manter a sua função de cinturão verde de Belém, a Bragantina dedica-se a culturas de exportação – dendê, pimenta do reino e frutas -, e expande a pecuária, mas o Pará ainda importa a maior parte do feijão, leite e derivados e hortaliças que consome.

Estudiosos e cronistas desde muito idealizaram a Amazônia como um celeiro. O escritor paraense Raimundo Morais, que a prescrutou singrando os rios como piloto de gaiolas no final do século XIX, vislumbrou, no livro Na planície amazônica, um “Paraíso verde alcatifado, arroteado, povoado, capaz de abastecer o orbe de frutas, de legumes, de cereais e de carne. Basta para isso que a indústria extrativista seja substituída pela indústria agrícola, tornando o seringueiro lavrador, o caucheiro, pastor”, e se assim acontecer, sonhou, “a planície equatorial volver-se-á em fabuloso refúgio da humanidade”.

Há pelo menos três séculos pratica-se a pecuária na Amazônia, e especialmente na Ilha de Marajó, onde, por volta de 1690, o português Francisco Rodrigues Pereira introduziu reses trazidas das ilhas de Cabo Verde e implantou, na foz do Rio Acari, a primeira fazenda de gado da região. Os campos de pastagens naturais da Ilha garantiram a criação extensiva do gado, mas havia dificuldades, como a das enchentes, comuns no período de inverno, quando as reses eram levadas para os tesos, pequenos morros na planície, ou alojadas nas marombas, estrados flutuantes em que o boi passava meses. Fortes na Amazônia, como diligentes companhias de comércio, e dispondo da colaboração do índio, as ordens religiosas deram impulso ao negócio: em meados do século XVIII, contavam-se na Ilha nada menos que 480 mil cabeças de gado, a maioria pertencente a fazendas de jesuítas, mercedários e carmelitas. Em 1803, de acordo com Roberto Santos, citando dados de Manuel Barata em A antiga produção e exportação do Pará, “o rebanho bovino da Ilha contava com 500 mil cabeças” distribuídas em 226 fazendas. Em 1848, o naturalista inglês Alfred Wallace constatou, em Belém, conforme documentou no livro Viagens pelo Amazonas e Rio Negro, que “a carne de vaca constitui o principal alimento”, e paradoxalmente, tratando-se da maior bacia de água doce do mundo “algumas vezes, tem-se o peixe, porém é um alimento muito caro”. Em 2007, segundo Levantamento Sistemático de Produção Agrícola do IBGE, o Pará tinha 17,5 milhões de reses (o quinto rebanho do País) e a Amazônia Legal, 73 milhões.

Em Roraima, o estadista português Manuel da Gama Lobo D’Almada, enviado da Coroa e depois governador da capitania, deu início à criação de gado bovino e equino em 1789. Surgiram as fazendas particulares, entre elas a de São Bento, no Rio Uraricoera, e a lendária propriedade de São Marcos, em terras onde em 1991 foi homologada a reserva indígena do mesmo nome, com cerca de 654 mil hectares. Ali os índios aprenderam a vaquejar, destacando-se hoje a perícia dos macuxis no manejo do gado.

Outra vertente pastoril originou-se no Maranhão, subiu o Tocantins, atingiu os rios Itacaiúnas e Araguaia, e penetrou no norte de Goiás – no influxo interno semelhante à penetração do sertão do Piauí de dentro para fora do território em relação ao litoral. No final do século XIX, instalou-se o Burgo Agrícola de Itacaiúnas, nova tentativa de colonização dirigida, mas com vistas à pecuária, a oito quilômetros da foz deste rio que deságua no Tocantins. A descoberta de reservas de caucho desviou os colonos para o extrativismo e, mais tarde, para a castanha-do-pará, abundante nos vales dos rios. Nesta região, em direção ao vale do Xingu, propalou-se a curiosa lenda de que, por trás da mata ciliar do Tocantins, não vicejava a densa floresta amazônica, mas esplêndidas e vastas pastagens naturais que permitiriam a criação extensiva de gado com baixo capital. Como bandeirantes atrás de ouro, levas de pecuaristas palmilharam a floresta à procura daquele tesouro verde. Como é comum às lendas, mais de um viajante jurou ter avistado o eldorado vegetal. “Trata-se de uma ficção que teve enorme curso, como se fosse uma verdadeira exigência ideológica da frente que ia encontrando seus limites de expansão”, diz Gilberto Velho em Frentes de Expansão e Estrutura Agrária.

A adequação dos lavrados amazônicos à pecuária também incendiou a esperança de Raimundo Morais e ele observou, combatendo, antes do anglicismo, a ideia de santuário: “Mas o que transformará a Amazônia de terra inculta em terra prodigiosa, de tesouro encantado em tesouro real, deixando os pampas argentinos a perder de vista, será a indústria pastoril. Olhe-se para o que existe, divorciado de capitais, alheio aos processos científicos, e meça-se a grandeza do porvir. Embora rústico, bruto, criado à lei da natureza, o gado prospera. Enche o Marajó, alastra-se no baixo Amazonas, prolifera no Rio Branco… A campina serrana estendida no ondulado guianense, e que vai pelos chapadões e tabuleiros de Almerim, aos arredores de São Joaquim, no coração do Rio Branco, comportaria os maiores rebanhos do globo.”

O incentivo do Estado à agricultura na Amazônia prosseguiu na República. Em 1912, o governo Hermes da Fonseca editou decretos com um amplo programa centrado na produção de borracha, mas se estendia, segundo o resumo de Arthur César Ferreira Reis, ao “arrendamento de duas fazendas nacionais no Rio Branco à empresa que se comprometesse a desenvolver e a praticar, em larga escala, a criação de gado, a cultura de cereais e a estabelecer charqueadas, packing houses, fábricas de laticínios, engenhos de beneficiar arroz e outros cereais e fábricas de farinha de mandioca; colonização da fazenda São Marcos, no Rio Branco, com famílias de agricultores e criadores nacionais; concessão de favores a empresas que estabelecessem fazendas de criação no Acre, Amazonas e Pará, favores que incluíam a isenção de impostos para o material que importassem e prêmios em dinheiro; isenção de impostos para o aparelhamento importado por empresa que realizasse a pesca, salga e conservação de peixe.” Dois anos depois, o Congresso suspendeu os recursos.

A presença do Estado seguiu com a organização dos Serviços de Navegação da Amazônia e Administração do Porto do Pará (SNAPP), criação dos territórios federais do Amapá, Rio Branco e Guaporé; implantação do Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), criação do Banco da Borracha, depois Banco de Crédito da Amazônia e hoje Banco da Amazônia. Na década de 1940, quando explodiu o movimento de repetição do bandeirantismo, conhecido como Marcha para o Oeste, o presidente Getúlio Vargas pronunciou em Manaus, no dia 10 de outubro, o célebre Discurso do Rio Amazonas, no qual reeditou a doutrina da “ocupação dos espaços vazios” e pregou:

“O nomadismo do seringueiro e a instabilidade econômica dos povoados ribeirinhos deve dar lugar a núcleos de cultura agrária, onde o colono nacional recebendo gratuitamente a terra desbravada, saneada e loteada, se fixe e estabeleça a família com saúde e conforto. Nada nos deterá nesta arrancada, que é, no século XX, a mais alta tarefa do homem civilizado: conquistar e dominar os vales das grandes torrentes equatoriais, transformando sua força cega e sua fertilidade extraordinária em energia disciplinada. A Amazônia, sob o impulso fecundo da nossa vontade e do nosso trabalho, deixará de ser, afinal, um simples capítulo da história da Terra, e, equiparando-se aos outros grandes rios, tornar-se-á um capítulo da história da civilização”.

A Constituição de 1946 determinou a elaboração de Plano de Valorização Econômica da Amazônia, efetivado em 1953, no segundo governo de Vargas, por intermédio de uma Superintendência com este nome e a sigla SPVEA. Entre os objetivos do órgão de desenvolvimento regional estavam:

“d) implantação e incentivação simultânea, com o estabelecimentos dos núcleos rurais, das culturas de várzea, particularmente do arroz, da juta e de outras cuja conveniência seja comprovada, e de culturas de terras firmes, particularmente as florestas, da Hevea brasiliensis, da castanheira, do cacaueiro e das espécies destinadas à produção econômica de madeira, bem como outras de conveniência também comprovada.

“e) implantação e incentivação pelo mesmo modo, onde for conveniente, da cultura de palmeiras, coqueiros e outras plantas produtoras de sementes oleaginosas, bem como de compostos químicos medicinais ou destinados a inseticidas ou a quaisquer fins industriais;

“f) organização de culturas de sustentação, nos locais mais apropriados, junto ou na proximidade dos núcleos rurais;

“g) formação de pastagens para o fim previsto no item seguinte, em torno ou junto aos núcleos rurais, nas proximidades das cidades e povoações permanentes e nos pontos de trânsito de gado, mais convenientes ao seu descanso e alimentação, bem como campos gerais, onde fora aconselhável a substituição das pastagens nativas por outras de plantação;

“h) organização e fomento da pecuária, para carne e para leite, de bovinos e búfalos, conforme as indicações locais, incluindo-se o melhoramento dos rebanhos ou planteis existentes, para seleção e por cruzamento com raças indianas, a importação de reprodutores e a proteção ao gado em trânsito”.

A lei da SPVEA, de 1953, instituiu o conceito político da Amazônia Legal, incorporando à Amazônia geográfica os Estados do Maranhão (oeste do meridiano 44o.), o Estado de Goiás (norte do paralelo 13o. de latitude sul) e Mato Grosso (norte do paralelo 16o. latitude sul). Em 1960, a inauguração da rodovia Belém-Brasília, com 450 quilômetros dentro da Amazônia, multiplicou as fazendas, sobretudo no sul do Pará.

Em 1966, o governo Castelo Branco transformou a SPVEA em Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), extinta em 2001 pelo presidente Fernando Henrique Cardoso e substituída pela Agência de Desenvolvimento da Amazônia (ADA), por sua vez extinta e substituída pelo presidente Lula, em 2003, pela criação da SUDAM. A SUDAM utilizou o modelo de incentivos fiscais, propiciando sobretudo a implantação de fazendas de gado para grandes grupos nacionais e estrangeiros, a exemplo do Bradesco (60 mil hectares em Conceição do Araguaia, PA) e da Volkswagen (140 mil hectares em Santana do Araguaia, PA). O governo oficializou a bandeira da expansão da fronteira agropecuária e da vocação pastoril da Amazônia. Até 2000, a SUDAM aprovou 1.765 projetos, dos quais 867 eram de pecuária. Só no norte do Mato Grosso, de 1966 a 1978, foram incentivadas grandes fazendas de gado, algumas ocupando áreas continentais, como a Suiá-Missu, em São Félix do Araguaia, com meio milhão de hectares.

As propriedades instaladas encontraram partes de suas áreas ocupadas por antigos posseiros e proprietários e o conflito agrário estabeleceu-se definitivamente na região. Antigos e novos proprietários, proprietários legais contra proprietários legítimos, sem que o Estado até hoje tenha logrado disciplinar a babel de reivindicações e títulos em torno das posses, ou conter a violência dos grileiros ou a violência defensiva do posseiros.

Outros grandes estímulos do poder público à agropecuária na Amazônia foram os programas de Integração Nacional (PIN) e de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e do Nordeste (PROTERRA), lançados em 1970 pelo governo Garrastazu Médici, associados à construção das rodovias Transamazônica, Cuiabá-Santarém e Manaus-PortoVelho. A seguir, foi lançado o Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia (Polamazônia). Motivado por mais uma seca inclemente, o governo entendeu de integrar “os homens sem terra do Nordeste com a terra sem homens da Amazônia”, instalando-os em agrovilas às margens das rodovias federais. Cada colono recebia 100 hectares e era incentivado a ocupá-los para semear e criar. Todos eles, dos primeiros colonos portugueses aos 25 milhões de habitantes da Amazônia atual, em algum momento sonharam, como Raimundo Morais, em tornar a planície equatorial um “fabuloso refúgio da humanidade”.

Mudanças climáticas, aquecimento global e efeito estufa são expressões diretamente associadas ao debate ambiental no Brasil e no mundo. As emissões provenientes da agricultura e da pecuária no Brasil concorreriam com taxas inaceitáveis para a fragilização do equilíbrio do planeta. O Brasil tem, ao lado das demais nações, obrigações intransferíveis no esforço de preservação da natureza, o que deve fazê-lo em sintonia com os interesses da população e do País.