Sustentabilidade do desenvolvimento
Por força do sistema estadunidense de produção e consumo generalizado globalmente, sobretudo a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, a oferta de energia não-renovável cresceu rapidamente, com cada vez maior concentração de dióxido de carbono na atmosfera e indícios de gradual aumento da temperatura mundial. Nesse sentido, o avanço da sociedade urbano-industrial trouxe consigo o desenvolvimento das economias de alto carbono, cuja elevação da renda per capita implica alimentar o maior consumo de bens e serviços associados à produção de forte emissão de gases tóxicos ao ambiente. A concentração de dióxido de carbono na atmosfera passou de 275 partes por milhão durante a sociedade agrária (século 18) para próximo de 400 partes por milhão na sociedade urbano-industrial.
No curso atual da transição da sociedade urbano-industrial para a pós-industrial, sobretudo nos países desenvolvidos, percebe-se a conformação de uma nova Divisão Internacional do Trabalho, reprodutora do padrão de produção e consumo insustentável ambientalmente. Com o deslocamento geográfico da produção industrial de maior emissão de efeito estufa para países não desenvolvidos, as nações ricas podem assumir uma posição econômica global de baixo carbono, ainda que se mantenham como grandes consumidoras de bens e serviços de alto carbono, que são importados de países não desenvolvidos. Estes, aliás, passam a assumir a produção mundial com crescente emissão de gases de efeito estufa, embora ainda exista importante assimetria na geração de gases tóxicos em escala internacional, assimetria que se reduz rapidamente. Nos EUA, por exemplo, as emissões de dióxido de carbono per capita aumentaram 11% entre 1990 e 2005 (de 19,1 para 21,2 toneladas por habitante), enquanto a China registrou aumento de 87,7% (de 2,1 t para 3,9 t), e a Índia teve elevação de 88,9% (de 0,9 t para 1,9 t).
A experiência recente brasileira chama a atenção por se diferenciar de outros países não desenvolvidos que elevam a produção de mercadorias com mais intensificação das emissões de dióxido de carbono. Entre 1990 e 2005, as emissões de dióxido de carbono per capita aumentaram somente 5,6% (de 1,8 t para 1,9 t) no país. A maior expansão econômica recente não vem mais acompanhada necessariamente do aprofundamento da degradação ambiental. Isso porque há avanços importantes na matriz energética limpa, com forte presença de fontes renováveis, redução do desmatamento e elevação das reservas ambientais. Simultaneamente, percebe-se a substituição de fontes de energia não-renováveis por outras renováveis, como no transporte e indústria. Em 2005, por exemplo, o carvão vegetal e a lenha responderam por menos de 12% da oferta energética do país, enquanto em 1970 representavam quase 50%. Na sequência da redução da lenha e do carvão na matriz energética nacional, houve elevação da oferta de energia elétrica, do bagaço da cana-de-açúcar e do álcool etílico. Mesmo assim, cresceu também de importância relativa o uso do carvão mineral, gás natural e derivados de petróleo. Em grande medida, o aumento no uso dos derivados do petróleo encontra-se relacionado à opção pelo transporte rodoviário em oposição às ferrovias e ao uso fluvial. Entre 1970 e 2005, por exemplo, cerca de 55% do consumo final de derivados de petróleo deveu-se ao transporte rodoviário, uma vez que a indústria diminuiu sua participação relativa de 24,1% para 13,8%, sem ampliação por parte das residências (de 7,2% para 6,8%). Para o ano de 2025, a se confirmarem os investimentos programados, as ferrovias deverão responder por 36% da matriz de transporte, enquanto as rodovias deverão ter participação relativamente equivalente ao transporte aquaviário.
Nos dias de hoje, o consumo nacional de elementos tóxicos à camada de ozônio representa não mais que 5% do verificado durante a década de 1990. Até bem pouco tempo, o comportamento econômico brasileiro era perseguido pelo movimento do desmatamento no bioma amazônico. Desde 2004, contudo, a expansão econômica brasileira tem sido seguida sucessivamente pela redução do desmatamento amazônico.
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Marcio Pochmann é presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da Unicamp
Fonte: jornal Valor Econômico