Não terão sido os bancos nem seus gananciosos executivos. Eles deverão que conviver com um pouco mais de regras restritivas a operações alavancadas. Mas, diante do problema que criaram, as perdas serão fichinha ante os ganhos já obtidos e os que ainda poderão obter.

Se tudo funcionar como o figurino dominante recomenda – uma receita que se resume em cortes selvagens de gastos públicos –, a conta vai ser cobrada das pessoas que trabalham (e dos que já trabalharam). Mais dos trabalhadores menos qualificados, mas também os qualificados entrarão na dança.

Confundir riscos de deflação com seu oposto – ameaças inflacionárias –, não é uma novidade na história das falhas na aplicação de políticas econômicas. Na Grande Depressão do século XX, custou para que os governos se dessem conta de que a saída não estava numa purgação de ares morais pelos erros cometidos. No Japão pós-crise do petróleo, no último quartil do século passado, a hesitação em derrubar os juros para reativar a economia resultou numa situação de recessão com aparência estrutural.

A ortodoxia econômica tem algo de religioso. Seus dogmas apontam para as virtudes do sacrifício no presente em troca de um suposto paraíso no futuro. Apesar dos ares de verdade absoluta com que a questão costuma ser apresentada, não há comprovação empírica convincente de que o investimento e a conseqüente expansão sustentada da economia são derivados incontestáveis de uma prévia base de poupança.

Mesmo assim, um colapso bancário, gestado e parido na crença da eficiência da auto-regulamentação dos mercados, foi devidamente embrulhado, em Toronto, como uma crise fiscal provocada pelo sistema de bem-estar social a que as sociedades maduras chegaram depois da tragédia da Segunda Guerra. Sobrou para os trabalhadores e os aposentados. Sobrou também uma preocupante fertilização de um terreno minado por baixo crescimento endêmico para sementes de xenofobias, racismos e ódios variados.

Repetindo: aplicar políticas antiinflacionárias em ambientes com evidências deflacionárias é um erro velho e recorrente – inclusive e até com certo frequência aqui neste emergente tropical. A ironia é que a possível descida dos mercados financeiros globais aos abismos pode vir ser o mais poderoso argumento para interromper essa marcha da insensatez.

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Fonte: jornal O Estado de S. Paulo