Lições groucho-marxistas
Pela última vez Lula seguiu a rotina que criou para as comemorações juninas na Granja do Torto ao longo de dois mandatos. Como parte do ritual da festa, realizada no sábado, 19 de junho, o presidente carregou um estandarte com a imagem de Santo Antônio, ao lado da primeira-dama, dona Marisa. Como ocorreu de outras vezes, o casal vestiu-se à moda caipira e comandou a procissão seguida por familiares e amigos.
A foto dessa ocasião, que, além da fé, retrata a alma popular do presidente, deve ter provocado urticária na elite brasileira e reforçado o preconceito contra o metalúrgico que chegou a mandatário do País sem trocar a camisa da origem.
A imprensa multiplica essa discriminação social em textos e contextos. E as pesquisas de intenção de voto comprovam, de forma surpreendente, essa atitude de rejeição a Lula a partir dos itens “Renda Familiar” e “Escolaridade” dos entrevistados.
Eis o que mostram as respostas dos mais pobres e menos escolarizados, comparadas com o que responderam os mais ricos e mais escolarizados.
O porcentual das intenções de voto em Lula, em maio de 2006, e da intenção de voto em Dilma, em maio de 2010, expõe o preconceito. O metalúrgico Lula da Silva, pobre e de baixa escolaridade, transfere votos, mas não transfere preconceito para a economista Dilma Rousseff, nascida em berço de classe média alta.
As respostas às pesquisas, da base ao topo da pirâmide social, mostram como o voto em Lula varia de 46,7% entre os que ganham até um salário mínimo a 25% entre os que ganham acima de 20 mínimos. Essa inconstância é repetida no item da escolaridade: de 47% entre os de ensino fundamental a 28,8% entre os de curso superior.
A intenção de voto ao nome de Dilma, no entanto, não é contaminada pelo preconceito que pesa sobre o nome de Lula. A variação dos porcentuais entre o eleitor mais pobre e o mais rico, ou entre os menos escolarizados e os mais escolarizados, no caso dela, é mais uniforme: de 38,3% a 32,1%; e de 36,9% a 31,7%, respectivamente.
A oposição contra Lula é violenta e golpista. São quase oito anos de absoluta hostilidade. A imprensa, desrespeitosa com o presidente da República, tem rompido com frequência a linha da legitimidade. A fúria preconceituosa produz grandes desatinos. É o caso do cientista político Luís Werneck Viana, ex-militante comunista e hoje o mais instruído formulador do pensamento neoconservador no Brasil. Em artigo para o Valor Econômico, ele escreveu que Lula seria, como uma criança de ficção, “bafejado pelo sortilégio de ter vindo ao mundo de bunda para a lua”.
A realidade não foi tão longe. Lula nasceu em Garanhuns (PE) em meio à miséria, sem pai, com infância de fome e sede e de juventude difícil em São Paulo, para onde se deslocou num “pau de arara”. Werneck se despede do bom senso e sustenta que tudo, com Lula, é uma questão de sorte.
O que pretende ser análise é piada, contada por um teórico groucho-marxista, para arrancar sorriso de alguns grã-finos.
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Fonte: CartaCapital