Dunga e a imprensa se merecem
Conosco
Um jornalista veterano, Nêumane Pinto, entrou no caso Dunga de modo peculiar. Pediu que ele use os pronomes oblíquos adequadamente (figuras públicas, mesmo técnicos de futebol de origem mais do que popular, deveriam falar “direito”). É que Dunga andou dizendo “com nós” mais de uma vez em entrevistas. Nada estranho para quem é do sul (como eu), e principalmente para descendentes de imigrantes (como eu). Dunga deve falar alemão razoavelmente, italiano com igual proficiência e um pouco de japonês, a não ser que tenha vivido apenas com patotas brasileiras no seu tempo de vida no exterior, como acontece, acho, com as caravanas de jornalistas, porque nenhum deles consegue dizer özil e todos dizem cazilas. Curiosamente, aqui acham que Dunga não sabe português.
Não sei se é o caso de cobrar de um treinador de futebol que fale como um acadêmico (da ABL) escreve. Acho que seria até mais correto cobrar de um jornalista veterano que aprenda alguma coisa sobre variedades linguísticas que vá além do folclórico. Até porque, aposto, a gramática de Nêumane, se é que tem uma, deve dizer que “nós”, na expressão “com nós”, é pronome um oblíquo tônico (falei sobre isso aqui há não muito tempo). Assim, Dunga falaria oblíquos. Além disso, ele diz frequentemente “me deixem trabalhar”. E “me” é oblíquo.
O caso me lembrou de uma historinha que o Marcuschi (os do ramo sabem quem é; os outros, não, mas o problema é deles; ao Google!) contava: um jornalista pernambucano fez coluna cheia de ironia em que dizia coisas como “não se deve votar no Arraes”. Por que? perguntavam. E ele respondia: “ele fala muito baixo, ninguém entende o que ele diz”. Critério ridículo para não votar num governador! (Aliás, uns dizem que Lula não deveria ser presidente – ou que nem é! – porque fala muito e de improviso; outros acham que Dilma não deve ser presidente porque não é muito boa no quesito falação. Durma com o barulho que fazem os tais analistas políticos!)
Agora suponhamos, só de brincadeira, que Dunga dissesse que “Messi faz 23 anos e joga para ganhar copa antes que Maradona” (manchete do Terra no dia 24/6 durante horas). Nada grave, eu acho. Mas um Nêumane da vida poderia alegar que isso só seria possível se Messi fosse campeão antes de 1986, isto é, antes de nascer! Que, portanto, a manchete deveria dizer algo como “mais jovem do que Maradona”, e não “antes” dele. È uma besteira, eu acho. Mas alguma coisa do tipo “com nós”. Ambas as formas podem ser substituídas por outras, com melhor efeito, segundo o veículo, mas ambas são perfeitamente desculpáveis.
Bordões Até gosto de um bordão de Milton Leite, “que beleza”!”, que ele profere ironicamente quando o desfecho da jogada é um fiasco. E não desgosto de sua suposição do que pensaria um atacante pouco letrado que tem chance de marcar um gol e erra bisonhamente (”agora eu vou se consagrar”!). Sim, ele embute uma avaliação negativa do atleta, e em termos lingüísticos, mas sejamos um pouco bem humorados!
Nas transmissões dessa Copa, ele tenta saber como se diz “que beleza”! nas línguas dos países cujo jogo está narrando. Às vezes, é assessorado pelo comentarista que o acompanha (ou por algum jogador que morou “no estrangeiro”, como Juninho, que jogou séculos nas França). Em italiano, segundo Milton Leite, é “Che bello”.
E como será que se diz “Que bonito!”? Hein, hein? Se o autor da obra fosse o Dunga ou algum jogador, ai deles!
Dunga e a impressa Dunga andou pedindo desculpas … aos torcedores, por seu comportamento em uma entrevista. E tem gente que acha que ele é bobo, só porque não é alegre!
Raciocínios de jerico Dunga acha que quem o critica quer a derrota da seleção. A imprensa acha que quem a critica quer que ela se cale. Eles se merecem!
Como disse já na semana passada, minhas críticas à imprensa não significam a defesa de Dunga. Como tem gente que lê assim, acho bom explicar que posso ser contra os dois lados. Posso querer outro mundo, no qual o técnico seja outro e sejam outros o time e a imprensa! Muitos acham que criticar a imprensa é ser contra sua liberdade, seu direito de opinião. Mas esta é uma lógica burra. Criticar a imprensa é apenas dar a ela o tratamento que ela dá aos outros. (Sei que dizer “a imprensa” é uma generalização inadequada. Mas é como ela mesma se designa).
E que não dá a si mesma. Os jornalistas esportivos (e os jogadores que agregam nas transmissões) elogiam demais os trabalhos de seus coleguinhas. As transmissões de cada canal, segundo os chapas, são sempre de arrebentar. As colunas dos parceiros são sempre ótimas. E raramente mencionam alguém de outra rede ou jornal.
Muitos chegam a dizer que Tostão é um grande escritor. Foi um grande jogador, o que é bem diferente. Aliás, só jornalistas esportivos acharam, até hoje, que Armando Nogueira era um gênio da pena. É muita igrejinha.
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Sírio Possenti é professor associado do Departamento de Linguística da Unicamp e autor de Por que (não) ensinar gramática na escola, Os humores da língua, Os limites do discurso, Questões para analistas de discurso e Língua na Mídia.
Fonte: Terra Magazine