Futebol, um jogo revolucionário
As origens do futebol perdem-se nos subterrâneos da História. Iniciado na Inglaterra, provavelmente a partir do harpastum, jogo de bola com as mãos trazido pelos romanos da Grécia, há também a hipótese de que tenha-se originado do costume primitivo de chutar a cabeça dos inimigos para comemorar vitórias. Existe ainda a informação do futebol jogado nas terças-feiras de Carnaval em Chester, cidade inglesa fundada pelos romanos.
É possível relacionar pelo menos quatro razões para afirmar o futebol como um jogo revolucionário. Por sua associação ao Carnaval, festa visceralmente ligada à liberação das emoções e instintos. Por ser jogado com os pés, numa contrapartida para com as atividades sociais organizadas e praticadas sob o controle das mãos. Por ser um esporte coletivo e, desse modo, contrariar os esportes individualistas das elites. E, ainda, por dirigir as emoções do povo para uma disputa que acaba bem, ao contrário dos torneios que terminavam com a morte de um dos contendores.
O futebol registra episódios surpreendentes, como o de uma guerra entre a Inglaterra e a Escócia, em 1297, acabar desmoralizada porque os soldados de Lancashire, tradicionais inimigos dos escoceses, desobedeceram a seus comandantes e preferirem disputar sua rivalidade no futebol, ao invés de guerrear.
A face revolucionária do futebol diante do padrão patriarcal acabou por gerar sua repressão legal na Inglaterra, por razões militares de Estado, a partir do século 14, e motivo de ampla legislação proibitiva até o século 16. Mas o esporte floresceria e se difundiria por todas as culturas pelas mais diversas vias. Ao nos identificarmos com os jogadores nesse ritual dramático, sentimos que eles realizam por nós proezas físicas e psíquicas, que nos gratificam profundamente. Se as proezas físicas são maravilhosas de ver, as psíquicas são partilhadas e usufruídas. A imprevisibilidade do jogo faz com que toda sorte de emoções surja entre os heróis e o gol (jogadores de futebol são heróis do povo e o goleador o maior deles).
A ação dramática transcorrida nos 90 minutos é um símbolo transfigurado do processo de luta pela vida para atingir nossas metas. Como o gol adversário (a meta) é defendido por um time igual ao nosso, para atingi-lo temos que nos defrontar com emoções intensas e atravessá-las pelo drible, pelo controle da bola, intuição, planejamento, ação conjunta, malícia, velocidade, tudo enfim que há de humano contra tudo humanamente igual.
O futebol lida com emoções da maior importância, como a agressividade, a competição, amizade, rivalidade, inveja, orgulho, depressão, humilhação, fingimento e traição, entre tantos outros. O exercício da ética no futebol é tão evoluído que trouxe até mesmo a codificação de não se marcar uma falta que beneficie o infrator. Também a regra do impedimento, que proíbe receber por trás da defesa, delimitando física, espacial e dramaticamente situações de lealdade no confronto direto, e de traição no atacar por trás.
As emoções elaboradas pelos jogadores correspondem, simultaneamente, às vividas pelos torcedores. Um time que se lança ao ataque ativa a coragem e a ambição do torcedor. As tentativas de invasão de área e realização do gol podem, de logo, ser invertidas num contra-ataque. No mais, acompanhemos os jogos dessa 19ª Copa do Mundo, na África do Sul, com um esforço de consciência para compreender seus símbolos e exercê-los, não só no âmbito das suas arenas, mas em todas as instâncias da política e da cultura.
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Fonte: Portal Luis Nassif