Segunda-feira, 28 de Junho passou um ano sobre o golpe de Estado nas Honduras. Contrariamente às intenções dos seus promotores, o primeiro grande acontecimento político da era Obama na América Latina – foi nisso que se tornou – originou, pela sua magnitude e profundidade, uma situação de efervescência e radicalização política e social das massas sem precedentes no país centro-americano.

Talvez fosse mais acertado dizer que desaguou aí graças á fecunda estratégia e táctica definidas pela Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP). Isto permitiu criar uma enorme acumulação política e cultural de energia transformadora, a partir das singulares condições de indignação e rebeldia social, provocadas pelo brutal derrube do presidente constitucional Manuel Zelaya, que já tinha conseguido, apesar da sua origem oligárquica, ser querido e apreciado pelo povo, devido a uma sensibilidade e obra social que o diferenciavam ostensivamente dos governantes anteriores.

Um amplo e consciente sector do povo e da juventude rejeita a actual ordem oligárquica, dependente do imperialismo, de que Porfírio Lobo é apenas um serventuário, como o demonstra um ano de combativa resistência.

Este governo continuou os traços principais do de Micheletti: desmantelamento das conquistas sociais e laborais, sucessivo empobrecimento da maioria dos hondurenhos. Utilização do exército e da polícia para reprimir os protestos populares e deslocar os camponeses das suas terras, encerramento de rádios alternativas e comunitárias além de muitas outras violações dos direitos humanos denunciados por organismos nacionais e internacionais.

De acordo com o levantamento destas organizações, sob o governo de Porfírio Lobo já se verificaram 760 casos de repressão por razões políticas, entre eles o assassínio de opositores, de sindicalistas e de nove jornalistas. O actual governo nada fez para investigar, muito menos para reparar as vítimas dos milhares de violações dos direitos humanos, incluindo dezenas de assassínios de membros da resistência perpetrados na sequência do golpe. Bem pelo contrário, reciclou conhecidos militares golpistas em importantes cargos da administração pública.

Tal facto não deve surpreender ninguém, visto que Porfírio Lobo foi imposto na cadeira presidencial através de um mal amanhado e fraudulento processo eleitoral, organizado e dirigido pelos próprios autores do golpe de Estado, em que não participou 60% do eleitorado, que acatou o apelo à abstenção da FNRP.

Entretanto, os Estados Unidos desenvolveram uma desaforada campanha pelo reconhecimento de Lobo, perante a oposição de todos os governos membros da Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América e a maioria dos países da América do Sul, incluindo o Brasil e a Argentina. Há um mês, a secretária de Estado Hillary Clinton apelava, sem sucesso, aos países da OEA para darem as boas-vindas ao regresso das Honduras à comunidade interamericana. E para cúmulo, a um ano exacto do golpe de Obama recebia em cerimónia oficial na Casa Branca as credenciais do embaixador de Tegucigalpa com estas palavras: «Admiro o compromisso do presidente Lobo de promover a reconciliação, a prosperidade e a segurança de todos os hondurenhos, e tudo o que fez até agora demonstra que vai bem encaminhado no cumprimento desses objectivos. Os Estados Unidos apoiam… a pronta reintegração plena das Honduras na comunidade internacional e faremos o que for preciso … para que este objectivo seja alcançado.»

Se acreditarmos nas declarações de Obama de apoio a Zelaya nas semanas posteriores ao golpe como único presidente que reconhecia, poderemos supor que Obama nada teve a ver com o golpe, mas o que não há dúvidas é que o tornou seu, todo seu, a partir da ardilosa mediação de Arias, instrumentalizada de forma consequente pela senhora Clinton.

O mínimo que se pode exigir do actual governo hondurenho como base para considerar o seu reconhecimento internacional é o regresso incondicional do presidente Manuel Zelaya e dos mais de 200 exilados políticos, o que constitui uma das principais exigências da FNRP.

O regresso de Zelaya será uma enorme vitória política. Mas a FNRP já deixou bem claro que com o sem a sua valiosa presença, manterá intacta a sua exigência de convocação de uma Assembleia Constituinte com o objectivo de refundar o país.

Nem mais nem menos.

_______________________________________________________________________

Colunista do diário mexicano La Jornada

Este texto foi publicado no diário mexicano La Jornada:

www.jornada.unam.mx/2010/07/01/index.php?section=opinion&article=034a1mun

Tradução de José Paulo Gascão

Fonte: ODiario.info