Como forma de contribuir para os debates desta Reunião Anual, ajudando a formar opinião sobre o tema central proposto, a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), em parceria com a Fundação Maurício Grabois, promove a mesa redonda A Amazônia Azul e o projeto nacional de desenvolvimento. O debate comporá a programação do 2º Salão Nacional de Divulgação Científica, evento que integra a 62ª Reunião Anual como um dos segmentos de sua programação.

O Brasil e o mar

Quer tenhamos em mente a história, quer a geografia ou a economia, é inegável a importância que sempre teve o mar para o Brasil. Foi a partir dele que nossas terras foram descobertas pelos portugueses, no ocaso do século XV. Foi também nele que começou a ser escrita a Carta de Caminha – esta autêntica certidão de nascimento da nação brasileira. No mar se travaram as principais batalhas pela Independência do Brasil, e em decorrência de incidentes em nossa costa oceânica tiveram início a Guerra da Tríplice Aliança e a participação brasileira na II Guerra Mundial.

Em uma época na qual não havia estradas e em que os rios eram subutilizados como meios de transporte, era por intermédio do mar que se faziam os principais deslocamentos entre os grandes centros urbanos brasileiros. Mesmo hoje, com o desenvolvimento de nossa infraestrutura de transportes, o mar segue sendo um importante meio de ligação entre as cidades brasileiras e entre o Brasil e o resto do mundo.

O Brasil é um país com vocação marítima e, não por acaso, o mar possui destacada relação com o desenvolvimento nacional. Somos possuidores de uma grande massa líquida oceânica, que banha nosso litoral. As riquezas nela contidas nos são garantidas por tratados internacionais – em particular a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), importante instrumento de cooperação internacional firmado no âmbito das Nações Unidas. Esse instrumento multilateral, essencial à paz mundial, versa sobre os espaços marítimos e oceânicos, estabelecendo os direitos e deveres dos Estados no que respeita a essa matéria.

Segundo a CNUDM, todo Estado costeiro tem direito a um Mar Territorial de até 12 milhas náuticas (21,6 km), sobre as quais exerce soberania plena. Os Estados fronteiriços com mares e oceanos têm direito, ainda, a uma Zona Econômica Exclusiva (ZEE), fixada até o limite de 200 milhas náuticas (370 km). Nela, a soberania dos Estados se restringe à exploração dos recursos econômicos contidos no solo e no subsolo marinhos, bem como na coluna d’água. Além do Mar Territorial e da ZEE, os Estados podem reivindicar uma Plataforma Continental estendida, espécie de prolongamento natural de sua massa terrestre. Em alguns casos a PC ultrapassa as 200 milhas da ZEE, podendo estender-se até o limite de 350 milhas náuticas (648 km).
Atualmente, de acordo com os dispositivos da CNUDM, o Brasil possui um território marítimo de cerca de 3,6 milhões de km2. Para além disso, pleiteia junto à ONU um acréscimo de 900 mil km2 a essa área. Caso seja aceita a proposta, nosso território marítimo alcançaria quase 4,5 milhões de km2 – o equivalente a 50% do espaço terrestre nacional. Uma área maior que a da Amazônia brasileira. Na verdade, uma outra Amazônia, tão grande e rica quanto: a Amazônia Azul.

Por meio dela o Brasil realiza 95% de seu comércio exterior (importações mais exportações). Além de importante meio de transporte, essa extensão costeira é explorada como fonte de recursos naturais, boa parte deles descobertos com o auxílio da Ciência & Tecnologia nacional.

É da Amazônia Azul que o Brasil retira 80% do petróleo que produz, número que deverá crescer ainda mais com as recentes descobertas na camada do pré-sal. Nossas milhas oceânicas também são fonte de outros recursos minerais – como gás, ligas metálicas e materiais como areia, cascalhos e argilas, utilizados no artesanato e na construção civil. Há além disso o pescado e toda a riqueza dos recursos biotecnológicos que podem ser explorados. Do ponto de vista econômico, nossas milhas oceânicas têm ainda grande potencial para a indústria do lazer, podendo ser utilizadas para o turismo marítimo e os esportes náuticos.

Conhecer para defender e explorar

Grande desafio relacionado à Amazônia Azul é o de explorar de forma sustentável todas essas riquezas, transformando-as em bens econômicos a serviço do desenvolvimento nacional. Para tanto, é necessário conhecer o potencial contido em nossos mares oceânicos. Daí a importância de que sejam ampliados, em nosso país, programas de pesquisa e formação de recursos humanos, com especial destaque para as Ciências do Mar.

São ainda grandes as debilidades nessa área. Para citar um exemplo dos mais representativos, na área de geologia – de flagrante importância para a exploração sustentável da Amazônia Azul – o Brasil forma hoje apenas 400 profissionais por ano. Essa situação contrasta com a dos anos 1970 – período de grande alta nos preços do petróleo. Após aquela época, que registrou um boom de diplomados na área, o número de geólogos formados estagnou e assim permaneceu, mesmo com as recentes descobertas de poços de petróleo no Brasil e em outras partes.

No que diz respeito à pós-graduação, não passam de uma dúzia os cursos em funcionamento, a maioria deles em São Paulo. “A quantidade de pessoas na pós-graduação em relação ao mercado é pequena. Daqui a pouco vai começar a faltar professores. Precisamos criar meios de atrair mais gente”, alerta o prof. Umberto Cordani (USP) em entrevista ao Jornal da Ciência (nº 655, de 23 de outubro de 2009). Situação semelhante à da geologia vem sendo constatada nas engenharias, como têm noticiado amplamente importantes órgãos de imprensa.

A ampliação dos programas de formação e pesquisa científica faz-se imperativa, vale lembrar, não apenas em função da necessidade de explorar economicamente as riquezas abrigadas na Amazônia Azul. Outro grande desafio diz respeito à defesa desse grande patrimônio de nosso país. Como procuramos mostrar, o mar sempre foi estratégico para o Brasil, e se tornou ainda mais com as recentes descobertas no pré-sal.

A história é pródiga em exemplos que atestam como toda riqueza desperta cobiça, cabendo a seu detentor protegê-la. Aqui mesmo, em nosso país, colecionamos exemplos a esse respeito. Foi pelo mar que fomos invadidos por franceses e holandeses, ainda no período colonial; foi em função da captura de um navio, o Marquês de Olinda, que adentramos o maior conflito do Império, a Guerra do Paraguai, e foram os ataques a navios mercantes brasileiros que forçaram a entrada do país nas duas grandes guerras mundiais.

Por isso é cada vez mais necessário, nos dias de hoje, amplificar as ações voltadas à proteção da Amazônia Azul. Em se tratando de uma área com 4,5 milhões de km2, a tarefa se apresenta difícil e complexa. Ela irá requerer, antes de tudo, o minucioso conhecimento dessa área, o que mais uma vez nos remete à necessidade de mais e melhores políticas científicas, em particular no que concerne às Ciências do Mar. Um imperativo à qual os cientistas brasileiros parecem atentos, a julgar pela oportunidade com trazem o tema para centro desta 62º Reunião da SBPC.

Fábio Palácio é jornalista, diretor de Comunicação e Publicações da Fundação Maurício Grabois.