Boicote Acadêmico contra Israel? Umberto Eco não entendeu
Dois membros da PACBI contactaram o jornal através de um colega italiano para pedir que fosse publicada uma refutação no jornal. Depois de muita negociação e muitos e-mails trocados com um dos editores, a refutação foi reduzida a um mínimo, e o jornal concordou em publicá-la em 2 de julho de 2010 na sua secção de cartas.
Todavia, ficou aparente que a versão publicada fora ainda mais reduzida, e que as identidades dos autores não haviam sido incluídas. Isto é na realidade um triste comentário sobre o estado da liberdade de imprensa na Itália, onde se permite que figuras influentes defendam livremente Israel e seus atos criminosos enquanto àqueles que se opõem não é concedido espaço para expressar sua oposição a essas opiniões.
Em 14 de maio de 2010, nas páginas do L'espresso [1] , Umberto Eco atacou os crescentes esforços na Itália em apoio à Palestinian Campaign for the Academic and Cultural Boycott of Israel (PACBI), argumentando que "qualquer posição política, qualquer polêmica contra um governo, não deveria envolver todo um povo e uma cultura inteira”.
Nós concordamos, mas quão relevante é isto para o debate sobre os méritos de um boicote acadêmico contra Israel? Nossa campanha tem consistentemente mirado Israel e suas instituições cúmplices, e não indivíduos.
Uma das mais importante lições aprendidas a partir da luta global contra o apartheid na África do Sul é que recusar tratar nos termos habituais com instituições que são cúmplices em violações graves e persistentes dos direitos humanos não é somente justificado; é um dever ético para intelectuais conscientes em todo o mundo.
Ao se tornarem coniventes com políticas contrárias à lei internacional e que infringem direitos fundamentais, as instituições tornam-se responsáveis e portanto imputáveis. Todas as instituições acadêmicas de Israel, sem exceção, estão nesta categoria, tornando imperativo o apelo ao seu boicote a fim de apoiar os direitos palestinos e por fim à ocupação de Israel e ao sistema de discriminação racial que se enquadra na definição de apartheid da Convenção para a Supressão e Punição do Crime de Apartheid da ONU.
Numa época em que Israel está desconsiderando a lei internacional com completa impunidade, atacando embarcações civis que transportam ajuda humanitária para 1,5 milhões de palestinos que sofrem sob anos de um sítio ilegal israelense, matando e ferindo grande número de trabalhadores voluntários desarmados e outros ativistas, o silêncio acadêmico israelense é mais ruidoso que nunca.
Mas isso era previsível. Nunca na sua história as instituições acadêmicas, associações profissionais ou organizações de acadêmicos de Israel condenaram a ocupação. Nunca vocalizaram qualquer oposição aos repetidos encerramentos militares de universidades palestinas, muitas vezes por quatro anos consecutivos, para não falar da negação de direitos sancionados pela ONU aos refugiados palestinos.
Quando estudantes palestinos foram detidos durante a primeira intifada (1987-92) por portar livros técnicos ou professores presos por dar aulas "clandestinas", a academia israelense permaneceu vergonhosamente silenciosa, e os acadêmicos israelenses na maior parte continuaram a propagar a imagem enganosa de Israel como uma "democracia" esclarecida.
Israel, de fato, impôs um cerco estrito a instituições palestinas de educação superior durante as últimas três décadas. Que estas instituições tenham sobrevivido e estejam florescendo é um testemunho de sua determinação e perseverança em resistir a seu modo a um opressivo regime militar determinado a silenciar a voz da academia palestina.
Em Gaza, Israel impõe um boicote acadêmico geral, entre outras formas de cerco, ao evitar a quase todos os estudantes entrarem ou sairem da Faixa. A última manifestação do cerco a universidades palestinas – boicote, na verdade – foi o ato arrogante e desdenhoso de Israel ao negar entrada ao renomado intelectual Noam Chomsky para falar na Birzeit University.
Compreendendo a arraigada conivência da academia israelense com as estruturas de opressão naquele país, o eminente historiador israelense Ilan Pappe declarou já em 2005 que "o boicote atingiu a academia porque a academia em Israel optou por ser oficial" [2]
Citando a pesquisa de outro acadêmico israelense que mostrou que "de 9000 membros da academia em Israel, somente 30 a 40 estão ativamente engajados na leitura de críticas significativas, e um número menor, apenas três ou quatro, estão ensinando aos seus alunos de maneira crítica sobre o sionismo e assim por diante".
Pappe conclui que "a academia escolheu ser a propaganda oficial de Israel. … A academia é o mais importante embaixador de Israel na alegação de que somos a única democracia no Oriente Médio".
Durante a guerra de agressão de Israel a Gaza em 2008-2009, quando mais de 1400 pessoas, predominantemente civis, foram mortos, milhares de lares foram destruídos junto com dezenas de escolas e abrigos da ONU, hospitais e clínicas foram alvejados e a maior universidade palestina foi bombardeada por F-16's, a academia israelense não foi somente um "observador neutro". Várias universidades contribuíram ativamente para os crimes de guerra cometidos contra palestinos.
Por exemplo, a Universidade de Tel Aviv colaborou diretamente no desenvolvimento de armas e doutrinas militares que foram usadas na agressão maciça de Israel a Gaza, uma guerra que foi condenada pelo Relatório Goldstone e pela Assembléia Geral das Nações Unidas como constituindo crimes de guerra e possivelmente crimes contra a humanidade. [3]
Outras universidades em Israel não fizeram melhor. Um estudo [4] encomendado
pelo Israeli Alternative Information Center (AIC – Centro de Informação Alternativa Israelense) documenta inúmeras facetas da cumplicidade acadêmica em Israel. O Ariel College foi construído em território ocupado palestino, tornando-o uma colônia "acadêmica" ilegal.
Da mesma forma um dos dois campi da Universidade Hebraica, construído na Jerusalém Leste ocupada, em violação direta à Quarta Convenção de Genebra. O Technion desempenha um papel chave no desenvolvimento de sistemas de armamento usados contra civis palestinos. De fato, a cumplicidade institucional com as instituições militares e de segurança israelenses são a norma em toda a academia, que se orgulha abertamente desta
parceria.
Mesmo a defesa das mais básicas exigências de liberdade acadêmica para palestinos sofre a oposição da esmagadora maioria dos acadêmicos israelenses. Ao expressar "grande preocupação com respeito à deterioração em curso do sistema de educação superior na Cisjordânia e na Faixa de Gaza", quatro acadêmicos judeus-israelenses em 2008 redigiram uma petição [5] pedindo ao seu governo que "permitisse a estudantes e professores livre acesso a todos os campi nos territórios…". Tendo sido a petição enviada para todos os 9.000 principais acadêmicos israelenses, somente 407 a assinaram – pouco mais de 4%.
Apesar da cumplicidade generalizada, a PACBI tem sistematicamente feito distinção clara entre visar instituições e visar acadêmicos individualmente; rejeitamos a segunda opção, focando todas as nossas energias num boicote institucional. Isso decorre da nossa oposição, de princípio, a testes políticos ou "listas negras".
Inspirados pela luta da África do Sul pela liberdade, a PACBI e o crescente número de campanhas de boicote acadêmico ao redor do mundo acreditam que a academia israelense não deveria ser automaticamente isentada do boicote, especialmente quando seu papel em disfarçar e perpetuar crimes de Guerra está fora de dúvida.
Notas
[1] espresso.repubblica.it/dettaglio/boicottiamo-i-latinisti-israeliani/2127031
[2] Meron Rapoport, "Alone on the Barricades" (entrevista com Ilan Pappe),
Haaretz. 6 May 2005
[3] www.electronicintifada.net/downloads/pdf/090708-soas-palestine-society.pdf
[4]
alternativenews.org/images/stories/downloads/Economy_of_the_occupation_23-24.pdf
[5] www.pacbi.org/etemplate.php?id=792&key=40