Dez anos sem Barbosa Lima Sobrinho
Iniciou sua vida pública no recém-criado Instituto de Resseguros do Brasil (IRB). Mais tarde, à frente do Instituto do Açúcar e do Álcool, promoveu uma minirreforma agrária, consubstanciada no Estatuto da Lavoura Canavieira. Candidato ao Governo de Pernambuco, ao cabo de eleição disputada voto a voto, foi declarado vencedor pela Justiça Eleitoral.
Recusou-se a tomar posse, porém, enquanto o TRE local não desse a palavra final sobre a última urna, o que lhe custou um ano de mandato. Venceu pelo voto de minerva e veio a empreender uma das mais inovadoras gestões da história de Pernambuco, priorizando o atendimento às populações carentes dos mocambos de Recife.
Concluído o mandato, tornou-se procurador-geral de Justiça do antigo Distrito Federal, cargo em que proferiu histórico parecer sobre os bens reversíveis da Light. O trabalho foi tão bem fundamentado que serviu de base, anos depois, para a nacionalização do patrimônio da concessionária.
Como deputado federal (1959-67), teve ativa atuação na Frente Parlamentar Nacionalista (FPN), bloco idealizado por Osvaldo Lima Filho (PTB-PE). Destacou-se, entre outras iniciativas, como um dos redatores do Código Nacional de Telecomunicações e da Lei de Remessa de Lucros (1962).
Inconformado com os rumos do regime de 1964, Barbosa Lima Sobrinho sofreu o que chamou de “enfarte cívico”. Desprezou nova reeleição e passou a se dedicar ao jornalismo, atividade na qual combateu os arbítrios da nova ordem, e à publicação de livros, ainda hoje atuais, sempre defendendo o nacionalismo e o desenvolvimento econômico com justiça social.
Quando tomou corpo a campanha pela redemocratização do país, foi escolhido para ser vice-presidente de Ulysses Guimarães, na anticandidatura à Presidência da República. Ajudou a plantar as sementes da arrasadora vitória eleitoral do MDB nas eleições de 1974.
Foi eleito presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), que já dirigira nos anos 30, e nesta condição assinou, em nome da sociedade civil, o pedido de impeachment de Fernando Collor, em 1992.
Crítico veemente das privatizações de setores estratégicos da economia, Barbosa Lima Sobrinho declarou, ao completar 100 anos: “Confesso que não chego a entender o razão das homenagens, pois nada tenho feito a não ser cumprir o meu dever de brasileiro. Decidi dedicar os anos de vida que me restam à defesa intransigente do patrimônio público nacional”. Vivi com ele a luta contra a privatização da Usiminas, quando a repressão do governo Collor, utilizando cães e bombas de gás lacrimogêneo, estando o nosso Barbosa já com mais de 90 anos.
Em minha vida pública, tive o privilégio de participar de vários atos públicos ao lado de Barbosa Lima Sobrinho. Testemunhei o entusiasmo quase juvenil com que defendia a soberania nacional, o desenvolvimento humano, a independência do país e as liberdades fundamentais dos cidadãos. Posso afirmar, com orgulho, que o Brasil foi o tema de seus pronunciamentos. O grande tema de suas preocupações.
Sou testemunha de que nem mesmo a idade conseguiu quebrar a garra de Barbosa Lima Sobrinho. Nada o impediu que defendesse suas posições, com coragem, empunhando microfones e megafones, em palanques e praças públicas. Ele foi um exemplo para todos nós.
Muito mais haveria a dizer. Sua obra escrita atinge cerca de 90 títulos e mais de 3 mil artigos publicados neste jornal. Que fiquem para as gerações futuras sua coerência inabalável, a voz sempre vigorosa em defesa das liberdades democráticas e sua afirmação, pouco antes de morrer: “Em uma democracia, o fundamental é o direito à contestação”.
Jandira Feghali, 53 anos, é médica cardiopediatra. Foi Deputada Estadual, quatro vezes Deputada Federal pelo PCdoB do Rio de Janeiro, Secretária de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia de Niterói e Secretária Municipal de Cultura do Rio de Janeiro.