IMPERIALISMO, FASE SUPERIOR DO CAPITALISMO – Vladimir Lênin Ficha de Leitura
(Obras Escolhidas, tomo I, págs. 575 a 671)
Circunstâncias e Objetivos
Grandes modificações marcaram o capitalismo na virada do século XIX para o século XX. No terreno econômico os monopólios passavam a jogar o papel fundamental em substituição à livre concorrência. No terreno político a reação em toda a linha tomava o lugar do democracia burguesa. Na cena histórica a época da burguesia dava lugar à época do imperialismo e das revoluções proletárias.
"O imperialismo, – dizia Lênin – como fase superior do capitalismo na América do Norte e na Europa, e depois na Ásia, estava já plenamente formado entre 1898-1914. As guerras hispano-americana (1898), anglo-boer (1899-1902) e russo-japonesa (1904-1905) e a crise econômica da Europa em 1900 são os principais marcos históricos da nova época da história mundial." (O imperialismo e a divisão do socialismo, OC, T 30, pág. 171).
As burguesias das principais potências capitalistas empenhavam-se febrilmente na preparação da I Guerra Mundial como forma de dividir os mercados mundiais. A guerra veio a desencadear-se a partir de 1914 e, um após outro, os partidos operários da IIª Internacional, habituados ao período de desenvolvimento relativamente pacífico do capitalismo e ao parlamento burguês, enveredavam pelo caminho da conciliação e da traição, alinhando-se às suas respectivas burguesias.
Colocou-se do ponto de vista prático a necessidade de analisar profundamente o novo quadro a fim de desmascarar o oportunismo e formular uma orientação que armasse para a luta revolucionária a vanguarda do movimento operário nas condições da nova época histórica. Foi nessa circunstância que Lênin escreveu O imperialismo, fase superior do capitalismo. Lênin pretendia que sua obra pudesse ajudar "a compreensão de um problema econômico fundamental, sem cujo estudo é impossível compreender seja o que for e formar um juízo sobre a guerra e a política atuais."
O imperialismo … surgiu no debate e na crítica aos teóricos do imperialismo e às idéias que circulavam no seio do próprio movimento operário sobre a questão. Mereceu atenção especial de Lênin a crítica às opiniões de Kautsky até então o dirigente mais destacado da IIª Internacional cujos pontos de vista centristas ficaram conhecidos como a teoria do "ultraimperialismo" segundo a qual o capital financeiro conduziria o mundo para uma economia mundial organizada, à eliminação das contradições imperialistas e a uma situação relativamente pacífica, relativamente isenta de catástrofes e de conflitos. Sem desmascarar a corrente ideológica internacional do "kautskismo" Lênin julgava impossível que uma parcela significativa dos trabalhadores que estava sob a influência daquela tendência, viesse a aderir à luta revolucionária antimperialista.
Ao escrever O Imperialismo … no primeiro semestre de 1916 Lênin partiu das leis gerais do desenvolvimento do capitalismo formuladas por Marx e Engels e fez um amplo trabalho de pesquisa sobre os novos fenômenos do capitalismo. Utilizou-se de "dados gerais, irrefutáveis, da estatística burguesa e declarações dos homens de ciência burgueses de todos os países", procurando sempre os dados de conjunto sobre os fundamentos da vida econômica de todas as potências que estavam em guerra e de todo o mundo já que, alertava Lênin: "dada a infinita complexidade dos fenômenos da vida social, podem-se encontrar sempre os exemplos ou dados isolados que se queira suscetíveis de confirmar qualquer tese".
Mesmo com opiniões políticas divergentes com seus autores Lênin destacou em especial o valor de duas obras que o auxiliaram na elaboração de O imperialismo, fase superior do capitalismo, a saber: O capital financeiro do austríaco R. Hilferding (1912): "uma análise teórica extremamente valiosa da 'fase mais recente do desenvolvimento do capitalismo'"; e O imperialismo do economista inglês J. A. Hobson (1902): "uma descrição excelente e pormenorizada das particularidades econômicas e políticas fundamentais do imperialismo".
Nos Cadernos sobre o imperialismo, tomos XLIII e XLIV das Obras Completas (Akal Editor) estão concentrados os estudos que Lênin fez para escrever O imperialismo … Há extratos e observações de 148 livros, de 232 artigos e de 49 publicações periódicas em várias línguas, feitas entre 1912 e 1916.
O livrinho de Lênin, como ele o chamava, está dividido em 10 capítulos dos quais o VII e o X são capítulos de síntese da própria obra e os outros são capítulos de análise e desenvolvimento das idéias. O imperialismo, … ao lado de outras obras de Lênin sobre o assunto constituem um formidável acervo teórico indispensável para se compreender o que se passa no mundo de hoje. Entre essas outras obras podem ser citadas: o prefácio ao livro de Bukárin "A economia mundial e o imperialismo" (1915), Sobre a caricatura do marxismo e o 'economismo imperialista", (segundo semestre de 1916), O imperialismo e a divisão do socialismo (1916).
A Economia do Imperialismo
1 – O monopólio essência econômica do imperialismo
Na opinião de Lênin a "transformação da concorrência em monopólio constitui um dos fenômenos mais importantes – para não dizer o mais importante – da economia do capitalismo dos últimos tempos". Ele partia dos dados estatísticos do desenvolvimento capitalista na Alemanha, nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha verificando o "processo notavelmente rápido de concentração da produção em empresas cada vez maiores".
Lênin polemizava com os economistas burgueses que viviam dizendo que o "marxismo foi refutado" na análise do desenvolvimento capitalista: "A ciência oficial procurou aniquilar, por meio da conspiração do silêncio, a obra de Marx, que tinha demonstrado, com uma análise teórica e histórica do capitalismo, que a livre concorrência gera a concentração da produção, e que a referida concentração, num certo grau do seu desenvolvimento, conduz ao monopólio. Agora o monopólio é um fato". (O Imperialismo …, pág.590)
O resumo da história dos monopólios foi assim descrita por Lênin: "1) Décadas de 1860 e 1870, o grau superior, culminante, de desenvolvimento da livre concorrência. Os monopólios não constituem mais do que germes quase imperceptíveis. 2) Depois da crise de 1873, longo período de desenvolvimento dos cartéis, os quais constituem ainda apenas uma exceção, não são ainda sólidos, representando ainda um fenômeno passageiro. 3) Ascenso de fins do século XIX e crise de 1900 a 1903: os cartéis passam a ser uma das bases de toda a vida econômica. O capitalismo transformou-se em imperialismo." (O imperialismo …, pág. 591).
Lênin analisou os monopólios em importantes ramos da indústria como do petróleo, química, aço, carvão, tabaco na Alemanha e nos Estados Unidos vendo que eles tomavam a forma de cartéis e de trusts, em cujas mãos "concentram-se freqüentemente sete ou oito décimas partes de toda a produção de um determinado ramos industrial … os cartéis estabelecem entre si acordos sobre as condições de venda, os prazos de pagamento, etc. Repartem os mercados de venda. Fixam quantidades de produtos a fabricar. Estabelecem os preços. Distribuem os lucros entre as diferentes empresas, etc." (O imperialismo …, págs. 591 e 592)
Os métodos "modernos e civilizados" pelos quais os monopolistas colocavam os outros setores da economia sob o seu jugo são bem diferentes da luta da concorrência tradicional entre pequenas e grandes empresas: controle das fontes de matérias-primas, da mão-de-obra, dos meios de transporte, diminuição dos preços, controle do crédito, controle dos compradores, declaração de boicote, etc.
Lênin destacou logo no I capítulo de O imperialismo …, duas conseqüências fundamentais do predomínio dos monopólios: 1 – "um gigantesco progresso na socialização da produção" (pág. 593) e, 2 – que "a supressão das crises pelos cartéis é uma fábula dos economistas burgueses que … pelo contrário, o monopólio que se cria em certos ramos da indústria aumenta e agrava o caos próprio de todo o sistema da produção capitalista no seu conjunto." (pág. 596, grifos de Lênin). Mais á frente procurará retirar todas as conclusões políticas e históricas destes fatos.
2 – O capital financeiro
Os capítulos II e III do livro de Lênin são dedicados ao estudo do crescimento e da concentração do capital bancário, à sua junção com o capital industrial dando origem ao capital financeiro e à oligarquia financeira expressão social deste processo ao nível das frações da burguesia.
Os bancos transformaram-se constata Lênin: "de modestos intermediários que eram antes, em monopolistas onipotentes, que dispõem de quase todo o capital-dinheiro do conjunto dos capitalistas e pequenos patrões, bem como da maior parte dos meios de produção e das fontes de matérias-primas de um ou de muitos países". (O imperialismo …, pág. 597)
A fim de demonstrar sua tese Lênin analisa a evolução do sistema bancário da Alemanha, França, Inglaterra, das últimas décadas do século XIX à primeira década do século XX, em itens tais como ativos, concentração de depósitos, número de agências, número de contas correntes, participação acionária de alguns bancos no capital de outros etc.
A concentração do capital bancário e o aumento do movimento dos bancos provocou uma importante modificação na economia capitalista. Houve um estreitamento da relação dos bancos com a indústria e o comércio e, nessa relação, os bancos assumiram um papel de dominação sobre o resto da economia. Lênin descreveu assim esse fenômeno: "um punhado de monopolistas subordina as operações comerciais e industriais de toda a sociedade capitalista, colocando-se em condições … primeiro de conhecer com exatidão a situação dos diferentes capitalistas, depois de controlá-los, exercer influência sobre eles mediante a ampliação ou a restrição do crédito, facilitando-o ou dificultando-o, e, finalmente decidir inteiramente sobre o seu destino, determinar a sua rentabilidade, privá-los de capital ou permitir-lhes aumentá-lo rapidamente e em grandes proporções etc." (O imperialismo …, pág. 601, grifos de Lênin).
O processo de predomínio do bancos consumou-se na passagem do século XIX para o século XX através de grandes fusões de empresas nas quais parte cada vez maior do capital industrial passa a ter participação acionária dos bancos. Estes, por sua vez investem na indústria. A síntese desse fenômeno é feita por Lênin da seguinte maneira: "Concentração da produção; monopólios que daí resultam; fusão ou junção dos bancos com a indústria: tal é a história do aparecimento do capital financeiro …" (O imperialismo …, pág. 610).
Aos monopólios financeiros correspondia, na estrutura das classes, a oligarquia financeira, nova fração da burguesia que passa a ser dominante sobre toda a sociedade capitalista. Lênin assim vê o desenvolvimento, os meios e as formas desse processo econômico e social: "O capital financeiro, concentrado em muito poucas mãos e gozando do monopólio efetivo, obtém um lucro enorme, que aumenta sem cessar com a constituição de sociedades, emissão de valores, empréstimos do Estado etc., consolidando a dominação da oligarquia financeira e impondo a toda a sociedade um tributo em proveito dos monopolistas". Logo depois destacava: "Os lucros excepcionais proporcionados pela emissão de valores, como uma das operações principais do capital financeiro, contribuem muito para o desenvolvimento e consolidação da oligarquia financeira". (O imperialismo …, págs. 615 e 616).
Ao lado disso Lênin descreve com detalhes outras formas que a oligarquia financeira utiliza para se fortalecer seus lucros como a aquisição pelos bancos, a baixo preço, em períodos de depressão, de pequenas empresas e empresas pouco fortes, ou ainda a especulação com terrenos situados nos subúrbios das grandes cidades que crescem rapidamente.
Lênin destaca com grande propriedade a relação entre o capital produtivo (investimentos na indústria) e o capital especulativo (operações bolsistas e financeiras) na nova situação: "É próprio do capitalismo em geral separar a propriedade do capital da sua aplicação à produção, separar o capital-dinheiro do industrial ou produtivo, separar o rentier, que vive apenas dos rendimentos provenientes do capital-dinheiro, do empresário e de todas as pessoas que participam diretamente da gestão do capital. O imperialismo, ou domínio do capital financeiro, é o capitalismo no seu grau superior, em que essa separação adquire proporções imensas. O predomínio do capital financeiro sobre todas as demais formas do capital implica o predomínio do rentier e da oligarquia financeira, a situação destacada de uns quantos Estados de 'poder' financeiro em relação a todos os restantes" (O imperialismo …, pág. 619). Rentier é sinônimo de especulador.
3 – A exportação de capitais
Prosseguindo a análise das peculiaridades da nova fase do desenvolvimento capitalista Lênin dedica o capítulo IV de O Imperialismo … à exportação de capitais: "O que caracterizava o velho capitalismo, no qual dominava plenamente a livre concorrência, era a exportação de mercadorias. O que caracteriza o capitalismo moderno, no qual impera o monopólio, é a exportação de capital." (pág. 621, grifos de Lênin).
Lênin toma como base o fato de que, no limiar do século XX, estava dada uma "situação monopolista de uns poucos países riquíssimos, nos quais a acumulação do capital tinha alcançado proporções gigantescas. Constitui-se um enorme 'excedente de capital' nos países avançados". (O imperialismo …, pág. 621).
Daí a necessidade de que esse capital excedente fosse exportado em busca de uma colocação lucrativa. A possibilidade da exportação de capitais vinha do fato de existirem países onde "os capitais são escassos, o preço da terra e os salários relativamente baixos, e as matérias-primas baratas … já incorporados na circulação do capitalismo mundial" (pág. 622), onde já havia se construído uma base de transportes e condições elementares para o desenvolvimento industrial.
Estudando os casos de países exportadores e de países tomadores de capitais Lênin destacava duas formas em que isso se dava: os investimentos diretos em empresas e os empréstimos a juros, de fonte pública ou privada, também chamado de capital usurário.
Assim é que, ao atingir proporções gigantescas a exportação de capitais se constituía numa "sólida base para o jugo e exploração imperialista da maioria dos países e nações do mundo, para o parasitismo capitalista de um punhado de Estados riquíssimos!" Ao mesmo tempo em que repercutia "no desenvolvimento do capitalismo dentro dos países em que são investidos, acelerando-o extraordinariamente … (provocando) um alargamento e um aprofundamento maiores do desenvolvimento do capitalismo em todo o mundo". (O imperialismo …, pág. 623)
O Mundo Dividido
1 – Os monopólios e as potências imperialistas partem e repartem o mundo
Os capítulos V e VI Lênin procura ver os desdobramentos, ainda no plano econômico, do crescimento dos monopólios. Eles dominam o mercado interno de seus países de origem e, em seguida, esses países, as potências imperialistas, passam à dominação do mercado mundial. Tal é o caso da indústria elétrica na Alemanha onde a AEG/Siemens consegue o domínio do mercado interno e se expande através dos investimentos externos para "34 representações diretas em mais de dez países. O mesmo acontecer com a GE nos EUA. Mais tarde as duas gigantes acordaram a divisão do mundo entre si o que, segundo Lênin, "não exclui, naturalmente, uma nova partilha, no caso de se modificar a correlação de forças em conseqüência da desigualdade do desenvolvimento, das guerras, dos craques etc."(O imperialismo …, pág. 628).
No caso da indústria do petróleo Lênin faz um interessante relato de como os capitalistas alemães, que perdiam a luta pela partilha do mundo para a Standard Oil dos Rockefeller, fizeram toda uma campanha para que o Estado alemão assumisse o monopólio sobre o petróleo a fim de ajudá-los na luta contra os americanos, o que acabou por não se concretizar.
Depois disso Lênin descreve o que se passou na marinha mercante, nas ferrovias, na indústria do aço, do zinco e da pólvora, para concluir que "os capitalistas não partilham o mundo levados por uma particular perversidade, mas porque o grau de concentração a que se chegou os obriga a seguir esse caminho para obterem lucros; e repartem-no 'segundo o capital', 'segundo a força'; qualquer outro processo de partilha é impossível no sistema de produção mercantil e no capitalismo". (O imperialismo …, pág. 631). E o que se passava ao nível dos grupos econômicos tinha seu reflexo nos grupos políticos, nos Estados. Estes também tratavam de repartir o mundo entre si.
Lênin constata o crescimento vertiginoso dos povos colonizados e da dimensão das possessões coloniais da Inglaterra, da França, da Alemanha e dos Estados Unidos e outras potências. Habitavam a Terra naquela época 1.657.000 pessoas. Desse total, 930 milhões viviam em países colonizados. A conclusão de Lênin é que sobretudo a partir de 1880 "a passagem do capitalismo à fase do capitalismo monopolista, ao capital financeiro, se encontra relacionada com a exacerbação da luta pela partilha do mundo." (O imperialismo …, pág. 633).
Os monopólios crescem e adquirem solidez quando reúnem em suas mãos terras que tenham matérias-primas fundamentais como minas de minério de ferro ou reservas de petróleo. Isso é o que explica a acirrada luta inter-monopolista que Lênin assim descreveu: "quanto mais desenvolvido está o capitalismo, quanto mais sensível se torna a insuficiência de matérias-primas, quanto mais dura é a concorrência e procura de fontes de matérias-primas em todo o mundo, tanto mais encarniçada é a luta pela aquisição de colônias." (O imperialismo …, pág. 637). Lênin complementa sua idéia dizendo que: "os interesses da exportação de capitais levam do mesmo modo à conquista de colônias, pois no mercado colonial é mais fácil (e por vezes só nele é possível), utilizando meios monopolistas, suprimir o concorrente, garantir encomendas, consolidar as 'relações' necessárias etc." (O imperialismo …, pág. 638).
Como fruto da luta pela partilha econômica e política do mundo pelas grandes potências Lênin analisa o tipo de países que vão se criando. "Para esta época são típicos não só os dois grupos fundamentais de países – os que possuem colônias e as colônias -, mas também as formas variadas de países dependentes que, dum ponto de vista formal, político, gozam de independência, mas que na realidade se encontram envolvidos nas malhas da dependência financeira e diplomática." (O imperialismo …, pág. 639). Com o desenvolvimento do capitalismo, com a intensificação das lutas anti-coloniais ao longo de décadas, esse tipo de países dependentes descrito por Lênin é que vai se generalizar.
2 – A polêmica com Kautsky
No início do capítulo VII faz um resumo faz um resumo do que havia escrito nos capítulos anteriores e em seguida entra na polêmica com K. Kautsky. Dedica importância a isto porque Kautsky havia sido uma referência importante, "o principal teórico marxista da época da chamada II Internacional, isto é, dos vinte e cinco anos compreendidos entre 1889 e 1914".
Lênin julgava que a definição de Kautsky sobre o imperialismo "além de ser errada e de não ser marxista, serve de base a todo um sistema de concepções que rompem em toda a linha com a teoria marxista e com a atuação prática marxista". Os pontos de vista de Kautsky levavam a que se ocultasse "as contradições mais fundamentais da fase atual do capitalismo, em vez de as pôr a descoberto em toda a sua profundidade; daqui resulta reformismo burguês em vez de marxismo". (O imperialismo …, pág. 644).
Para Kautsky o imperialismo seria produto do capitalismo industrial altamente desenvolvido e que toda a nação capitalista industrial tinha a tendência a submeter e anexar cada vez mais regiões agrárias. Lênin contra-argumentava que o "característico do imperialismo não é precisamente o capital industrial, mas o capital financeiro [e …] a tendência para a anexação não só das regiões agrárias, mas também das mais industriais [inclusive porque] faz parte da própria essência do imperialismo a rivalidade de várias grandes potências nas suas aspirações à hegemonia." Além disso Lênin avaliava que a tendência do imperialismo não era somente para as anexações "pois no aspecto político o imperialismo é, em geral, uma tendência para a violência e para a reação". (O imperialismo …, pág. 643).
Kautsky pensava também que do ponto de vista econômico poderia haver a união dos imperialismos de todo o mundo, quando o capitalismo atingiria uma nova fase a fase do ultraimperialismo. Consequentemente não haveria mais guerras e lutas entre as potências imperialistas. Lênin avaliou que a idéia do ultraimperialismo "leva a água ao moinho dos apologistas do imperialismo, de que a dominação do capital financeiro atenua a desigualdade e as contradições da economia mundial, quando, na realidade, o que faz é acentuá-las." (O imperialismo …, pág. 646).
A idéia do ultraimperialismo, a ingênua fábula de Kautsky como Lênin a chamava, cumpria o papel de desviar a atenção das profundas contradições existentes numa realidade de desproporção extrema na rapidez de desenvolvimento dos diferentes países, de condições econômicas variadíssimas, de luta furiosa entre os Estados imperialistas.
Para Lênin não se poderia acalentar a esperança de que a paz entre os povos viesse a imperar na ordem imperialista. "No terreno do capitalismo, – perguntava ele – que outro meio poderia haver, a não ser a guerra, para eliminar a desproporção existente entre o desenvolvimento das forças produtivas e a acumulação de capital, por um lado, e, por outro lado, a partilha das colônias e das 'esferas de influência' do capital financeiro?" (O imperialismo …, pág. 649).
Imperialismo e Socialismo
1 – A última fase do capitalismo
Lênin dedica os três últimos capítulos de O imperialismo… a retirar conclusões e conseqüências políticas da estrutura econômica do imperialismo. Elas constituem o traço distintivo fundamental de sua obra em relação às demais análises que se produziu sobre o imperialismo. É o que há de mais importante nela.
Todo o raciocínio de Lênin conflui para a idéia de que o imperialismo sendo a fase suprema do capitalismo é, ao mesmo tempo, a última fase do seu desenvolvimento. Tantas e tão profundas são as contradições, as crises e os choques que ela engendra que se preparam objetivamente as condições para sua transformação em seu contrário, uma sociedade de tipo superior. Lênin concebe a etapa imperialista como um "capitalismo de transição ou, mais propriamente, de capitalismo agonizante". Em termos históricos o imperialismo é a véspera da revolução proletária.
Para demonstrar seu ponto de vista é que Lênin analisa em primeiro lugar, no capítulo VIII, as principais tendências e contra-tendências do desenvolvimento econômico do capitalismo em sua fase imperialista. De um lado ele é impulsionado pela "possibilidade de diminuir os gastos de produção e aumentar os lucros, implantando aperfeiçoamentos técnicos … mas a tendência para a estagnação e para a decomposição, inerente ao monopólio, continua por sua vez a operar e em certos ramos da indústria e em certos países há períodos em que consegue impor-se." (O imperialismo …, pág. 650).
A tendência para a estagnação derivava do "divórcio completo" entre o setor dos rentiers (especuladores) e a produção. Ele dizia que "o imperialismo é uma enorme acumulação num pequeno número de países de um capital-dinheiro … que vive da exploração do trabalho de uns quantos países e colônias do ultramar". (O imperialismo …, pág. 650). Daí é que surge o Estado-rentier, usurário, credor, que é o Estado do capitalismo parasitário e em decomposição contraposto à imensa maioria de países e nações do mundo na situação de oprimidos e devedores.
No capítulo IX Lênin destacou o agravamento das contradições entre monopólios e potências imperialistas. Dizia ele que "sob o capitalismo não se concebe outro fundamento para partilha das esferas de influência, dos interesses, das colônias, etc., além da força de quem participa da divisão, a força econômica geral, financeira, militar, etc. E a força dos que participam na divisão não se modifica de forma idêntica, visto que sob o capitalismo é impossível o desenvolvimento igual das diferentes empresas, trusts, ramos industriais, países … [por isso] as alianças pacíficas preparam as guerras e por sua vez surgem das guerras, conciliando-se mutuamente, gerando uma sucessão de formas de luta pacífica e não pacífica sobre uma mesma base de vínculos imperialistas e de relações recíprocas entre a economia e a política mundiais" (O imperialismo …, págs. 664 e 665).
No terreno político Lênin também identificava uma exacerbação extrema das contradições. Dizia ele que: "O imperialismo é a época do capital financeiro e dos monopólios, que trazem consigo, em toda a parte, a tendência para a dominação, e não para a liberdade. A reação em toda a linha, seja qual for o regime político … intensifica-se também particularmente a opressão nacional e a tendência para as anexações, isto é, para a violação da independência nacional." (O imperialismo …, pág. 665). Para Lênin isso não impede "o crescimento das tendências democráticas na massa da população, e sim exacerba o antagonismo de tais tendências democráticas e a tendência antidemocrática dos trusts." (Sobre a caricatura do marxismo e o 'economismo imperialista', OC, T30, pág.107).
2 – Nova dimensão da luta pelo socialismo
Para Lênin, toda essa agudização das contradições sob o imperialismo é "a força motriz mais poderosa do período histórico de transição iniciado com a vitória definitiva do capital financeiro mundial." (O imperialismo …, pág. 668). Essas contradições em plano mundial e de cada país, colocaram a necessidade de se resolver de forma prática a questão do socialismo numa nova relação com os problemas nacional, democrático e social. Significavam a necessidade da elaboração de uma nova estratégia e uma nova tática revolucionária do proletariado.
Assim, a questão nacional é colocada sob um novo prisma sob o imperialismo. Lênin diz que Hilferding "faz notar acertadamente a relação entre o imperialismo e a intensificação da opressão nacional" quando o autor de O capital financeiro diz: "o capital importado intensifica as contradições e provoca contra os intrusos uma crescente resistência dos povos, cuja consciência nacional desperta … e as referidas nações formulam o objetivo que noutros tempos foi o mais elevado entre as nações européias: a criação de um Estado nacional único como instrumento de liberdade econômica e cultural". (O imperialismo …, pág. 666). Os movimentos de libertação nacional nos países dependentes, a luta pelo direito à autodeterminação das nações oprimidas passaram a integrar o programa revolucionário do proletariado.
A questão democrática que havia sido colocada na cena histórica pela burguesia ascendente nos séculos XVII, XVIII e XIX, sob o imperialismo do século XX passou também a ser parte integrante da luta do proletariado e seus aliados pelo socialismo. As reivindicações democráticas segundo Lênin deveriam ser apresentadas de maneira revolucionária, orientadas para a revolução social. Ele dizia que os marxistas "sabem que a democracia não suprime a opressão de classe, e sim faz a luta de classes mais pura, mais ampla, mais aberta, mais nítida, que é, precisamente, o que necessitamos." Por isso, acrescentava: "O socialismo é impossível sem a democracia em dois sentidos: (1) o proletariado não pode levar a cabo a revolução socialista se não se prepara para ela através da luta pela democracia; (2) o socialismo triunfante não pode consolidar sua vitória e levar a humanidade à desaparição do Estado sem realizar a democracia completa". (Sobre a caricatura do marxismo e o 'economismo imperialista', OC, T30, págs.133 e 135).
A questão social também é tratada originalmente sob vários aspectos. Em primeiro lugar o desenvolvimento do capitalismo para o imperialismo levou a uma enorme socialização da produção. É o que Lênin descreve detalhadamente no capítulo X de O imperialismo… Ademais, Lênin constatava "a tendência das massas, que são mais oprimidas que antes, que suportam todas as calamidades das guerras imperialistas, tendência a desvencilhar-se desse jugo, a derrubar a burguesia". (O imperialismo e a divisão do socialismo, OC, T30, pág. 182)
Ao enfrentar o problema prático da revolução Lênin dedica grande atenção ao problema político da direção do processo revolucionário. Essa direção estava dividida em duas tendências: a oportunista, da qual Kautsky fazia parte e que passou a dominar na maioria dos partidos operários da II Internacional, e a tendência revolucionária. Para ele, "a luta contra o imperialismo é uma frase oca e falsa se não for indissoluvelmente ligada à luta contra o oportunismo". (O imperialismo …, pág. 669). Lênin ocupou-se, em primeiro lugar de explicar a base material do surgimento do oportunismo. Dizia ele que: "O imperialismo … implica lucros monopolistas elevados para um punhado de países muito ricos, gera a possibilidade econômica de subornar as camadas superiores do proletariado, e alimenta assim o oportunismo, dá-lhe corpo e reforça-o." (O imperialismo …, pág. 653). Ou ainda: "O imperialismo tem tendência para formar categorias privilegiadas também entre os operários, e para as divorciar das grandes massas do proletariado." (O imperialismo …, pág. 655).
O grande mérito da análise leninistas do imperialismo é que ela respondeu a tempo os problemas colocados pelo desenvolvimento econômico e social e armou o proletariado russo para a vitória de Outubro de 1917. Em todo o mundo os partidos comunistas incorporaram os ensinamentos de Lênin sobre o imperialismo aos seus programas. Tendo sido escrito há mais de 80 anos, O imperialismo, etapa superior do capitalismo é hoje um instrumento fundamental para a correta compreensão da chamada globalização, é uma arma afiada na luta da classe operária contra o neoliberalismo.