SALÁRIO, PREÇO E LUCRO – Karl Marx Ficha de Leitura – Dilermando Toni Artigo: Salários e Preços – uma polêmica antiga e ainda atual – Umberto Martins
(Obras Escolhidas de Marx e Engels, Ed. Alfa-Omega, volume I, pág. 333 a 378)
O Contexto
» circunstância, objetivos e alcance
Em 1998 completaram-se 100 anos da primeira publicação do trabalho de Karl Marx Salário, Preço e Lucro, elaborado para uma palestra que proferiu em duas sessões no mês de junho de 1865 perante o Conselho Geral da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), também conhecida como Primeira Internacional. Nessa ocasião, o pensamento de Marx sobre economia política já estava bastante amadurecido. Há 20 anos ele se dedicava ao assunto tendo escrito várias obras em que, à base da crítica da economia política clássica, foi desenvolvendo seus pontos de vista sobre as leis econômicas fundamentais do capitalismo, concebendo a doutrina econômica de Marx, cujo corpo definitivo convergiu para O Capital, sua obra principal da qual o primeiro livro viria a lume logo depois, em 1867.
A palestra de Marx surgiu da necessidade de orientar a atividade prática da Primeira Internacional, fundada havia menos de um ano e no seio da qual diferenciavam-se pelo menos quatro correntes. Uma delas, a maior numericamente, era representada pelos operários ingleses ligados às "Trade Unions" que subestimavam a importância da ação política da classe operária e entre os quais havia mesmo quem defendesse a opinião de que a elevação dos salários teria como conseqüência o aumento do custo de vida e, portanto, não melhoraria a situação dos trabalhadores.
No Salário, Preço e Lucro Marx pretendeu refutar esses pontos de vista e elevar o nível de consciência teórica dos dirigentes ingleses. Para tanto estabeleceu quatro objetivos para sua palestra: 1 – rebater a opinião de que "os preços das mercadorias são determinados ou regulados pelos salários"; 2 – demonstrar que a variação geral dos salários para cima ou para baixo leva à variação da taxa geral de lucro em sentido inverso e, portanto, para aumentarem seus lucros os patrões tendem a reduzir os salários dos trabalhadores; 3 – demonstrar que as tentativas periódicas dos trabalhadores para conseguir um aumento de salários são ditadas pelo próprio fato de o trabalho se achar equiparado às mercadorias, por conseguinte submetido às leis que regulam o movimento geral dos preços; e, por isso, 4 – que havia possibilidades de vitórias na luta pela elevação dos salários, vitórias sempre limitadas pela ação do capital, donde se impunha a necessidade de os trabalhadores lutarem, ao mesmo tempo, politicamente, contra o próprio sistema, a fim de aboli-lo.
O Texto
Marx dividiu sua exposição em 14 partes e, de forma bastante didática, expôs os conceitos e as relações em sua dinâmica, entre salários dos trabalhadores, preços das mercadorias e lucros dos capitalistas, partindo das leis essenciais – e não das aparências – que regulam o funcionamento do capitalismo. No Salário, Preço e Lucro Marx desenvolveu a sua própria teoria dos salários, em relação ao que havia escrito, por exemplo, em Trabalho Assalariado e Capital, de 1847.
Os argumentos de Marx
1 – Valor, trabalho e preço
Inicialmente Marx procurou situar corretamente a relação entre concorrência capitalista e lucro, de um lado, e entre oferta e procura das mercadorias e seus preços, de outro.
Na procura incessante de melhor remuneração o capital se desloca para aqueles ramos onde os lucros são maiores, o que acaba por aumentar a oferta e, portanto, a taxa de lucro tende a se reduzir, pelo efeito da concorrência, a um nível médio. Mas a concorrência entre os capitalistas não pode jamais determinar a taxa geral de lucro (parte V).
Por sua vez, a lei da oferta e da procura regula simplesmente as oscilações temporárias dos preços no mercado, explica "porque o preço de um artigo no mercado se eleva acima ou desce abaixo do seu valor, mas não explica jamais esse valor em si mesmo." (parte IV).
Marx afirmava que o lucro se obtém vendendo a mercadoria pelo seu valor. A origem do lucro e a explicação do mecanismo da formação dos preços das mercadorias se encontra na esfera da produção e não da circulação das mercadorias (parte X). E, para que seus ouvintes entendessem sua afirmação, Marx se debruçou sobre a teoria do valor-trabalho começando por conceituar o valor de uma mercadoria e como se determina esse valor (partes VI e IX), analisou a singularidade da mercadoria força de trabalho (parte VII) e expôs de forma simples e acessível a teoria da mais-valia (parte VIII).
Marx parte da constatação de que o valor de troca (o valor relativo) de uma mercadoria são as quantidades proporcionais em que ela é trocada pelas outras mercadorias. Mas como se regulam as proporções dessa troca? Para responder esse problema identificou no trabalho social a substância comum a todas as mercadorias, já que para produzir uma mercadoria tem-se que incorporar a ela uma determinada quantidade de trabalho. Nesse aspecto, o que distingue uma mercadoria de outra não é senão a quantidade de trabalho, maior ou menor, nelas cristalizado; quantidade de trabalho que se mede pelo tempo que dura o trabalho. "Portanto – dizia Marx – os valores relativos das mercadorias se determinam pelas correspondentes quantidades ou somas de trabalho investidas, realizadas, plasmadas nelas".
Com isso ficava já "morta" uma das questões da polêmica: não era a retribuição do trabalho, o salário, que determinava o valor das mercadorias e sim a quantidade de trabalho necessário à sua produção. Retribuição do trabalho e quantidade de trabalho são coisas distintas.
Marx chamava a atenção para o fato da quantidade de trabalho necessário para produzir uma mercadoria variar constantemente ao variarem as forças produtivas do trabalho aplicado, porque quanto maiores são as forças produtivas do trabalho, mais produtos se elaboram num tempo de trabalho dado, e quanto menores são, menos se produzem na mesma unidade de tempo. Daí que quanto maior é a força produtiva do trabalho, menos trabalho se inverte numa dada quantidade de produtos e, portanto, menor é o valor destes produtos. Marx estabeleceu então da seguinte forma a lei geral do valor-trabalho: "Os valores das mercadorias estão na razão direta do tempo de trabalho invertido em sua produção e na razão inversa das forças produtivas do trabalho empregado."
O preço de uma mercadoria não é outra coisa senão a expressão em dinheiro do valor dessa mercadoria, mas, valor e preço nem sempre são iguais pois há toda uma via complicada a ser percorrida entre o valor social de uma mercadoria e o seu preço individual em um momento exato no mercado. Há que se considerar as variações de preço de acordo com as flutuações da oferta e da procura, mas essas variações se dão em torno de um preço central ou preço natural – que é o valor real – porque a longo prazo oferta e procura tendem a se equilibrar.
Marx dizia então que considerando-se um período de tempo bastante longo as mercadorias se vendem pelos seus respectivos valores e então seria um absurdo supor que o lucro constante brota do fato de que uma mercadoria seja vendida por um preço que exceda o seu valor.
2 – Força de trabalho, salário, mais-valia e lucro
Nesse ponto o raciocínio de Marx deparava-se com a seguinte questão: de onde provinha mesmo o lucro? Se uma mercadoria é vendida pelo seu valor, a força de trabalho, que é uma mercadoria, também é vendida pelo seu valor. E esse valor é determinado, como vimos, pelo tempo de trabalho necessário para produzir a mercadoria. Então o valor da força de trabalho é determinado pelo tempo necessário à sua conservação e reprodução, ou seja, "pelo valor dos artigos de primeira necessidade exigidos para produzir, desenvolver, manter e perpetuar a força de trabalho." (parte VII). Aparentemente, toda a força de trabalho que o operário despendeu é remunerada pelo patrão ao final de uma semana, por exemplo. Mas essa é uma aparência enganadora pois o capitalista, ao comprar a mercadoria força de trabalho, passa a ter direito de servir-se dela fazendo-a funcionar durante todo o dia, sucessivamente. E aqui é preciso entender que o valor da força de trabalho é completamente distinto de seu funcionamento.
Acontece que a força de trabalho na sociedade capitalista é uma mercadoria especial. "Tem a propriedade – como disse Engels – de ser uma força que cria valor, uma fonte de valor, e, principalmente, mediante uso apropriado, a fonte de um valor superior ao dela própria." (Introdução de Engels ao Trabalho Assalariado e Capital)
Para além da aparência: o operário em sua jornada de trabalho acrescenta valores, produtos que ultrapassam o seu salário, ou seja, uma parte da jornada de trabalho é remunerada, a outra não. A parte pela qual o capitalista não paga equivalente algum, são as horas de sobretrabalho e esse sobretrabalho se traduz em mais-valia e em sobre-produto.
Marx diz que "este tipo de intercâmbio entre o capital e o trabalho é o que serve de base à produção capitalista, ou ao sistema do salariado, e tem que conduzir, sem cessar, à constante reprodução do operário como operário e do capitalista como capitalista." (parte VIII)
Portanto, toda mercadoria tem sua parte de trabalho remunerado e outra parte não remunerado; logo o capitalista quando vende a mercadoria pelo seu valor está vendendo a quantidade total de trabalho nela cristalizado e forçosamente está vendendo-a com lucro. Como diz Marx: "Vende não só o que lhe custou um equivalente, como também o que não lhe custou nada, embora haja custado o trabalho do seu operário".
3 – Relação entre salário e lucro
Os salários dos operários e os lucros dos capitalistas são retirados do valor que o trabalho dos operários adiciona à mercadoria no processo de sua produção, ou seja, do valor da mercadoria descontados o valor das matérias-primas e dos outros meios de produção empregados.
Esse valor líquido, digamos assim, é delimitado pela quantidade de tempo de trabalho dos operários que contém mas, as proporções em que se divide o montante entre salários e lucros pode variar. Quanto maior um menor o outro e vice-versa.
Chamemos a mais-valia de m, a taxa de mais-valia de m', e o capital que o patrão desembolsa em salários de capital variável ou v. A taxa de mais-valia é a proporção em que o capital variável cresceu, é a grandeza relativa entre a mais-valia e os salários, ou seja, é a proporção entre o trabalho pago e o não remunerado: m' = m/v. Portanto, quanto mais crescer o denominador da fração, que são os salários, menor será a taxa de mais-valia. E o contrário, quanto menos o patrão desembolsar em salários, maior será o seu lucro.
O palavra lucro é usada por Marx "para exprimir o montante total de mais-valia extorquida pelo capitalista". Chamemos o lucro de l, a taxa de lucro de l', e o capital que o patrão investe em máquinas, ferramentas, construções, matérias-primas, energia, etc., de capital constante ou c. O capital total é a soma do capital constante com o capital variável, ou C = c + v. A taxa de lucro é a proporção em que cresceu o total do capital, ou seja, é a grandeza relativa entre a mais-valia e o conjunto do capital ou, l' = m/(c + v). Portanto, na busca de uma taxa de lucros elevada, necessariamente, o capitalista procura manter a mais-valia (m) elevada, o numerador da fração elevado, ou seja, a maior quantidade de trabalho não remunerado possível. Ou, se quisermos, a taxa de lucro (l') é função direta da mais-valia (m) e função inversa de (c + v).
4 – A luta salarial
Constante e objetivamente processa-se a luta entre o capital e o trabalho em torno da divisão do montante do valor agregado à mercadoria no processo de produção ou, como Marx dizia: "as lutas da classe operária em torno do padrão de salários são episódios inseparáveis de todo o sistema do salariado; que, em 99% dos casos não são mais que esforços destinados a manter de pé o valor dado do trabalho e que a necessidade de disputar o seu preço com o capitalista é inerente à situação em que o operário se vê colocado e que o obriga a vender-se a si mesmo como uma mercadoria." (parte XIV).
Marx, no sentido de orientar a luta salarial examina a dinâmica da disputa entre lucros capitalistas e salários dos trabalhadores, sob diversos cenários (parte XIII):
4.1. Aumento da produtividade ou diminuição da produtividade do trabalho, variações que decorrem de tal ou qual força produtiva do trabalho seja empregada. No primeiro caso a taxa de mais-valia cresceria com o crescimento da mais-valia e, ainda que o padrão de vida absoluto do trabalhador continuasse o mesmo, a posição social relativa do operário em relação à do capitalista pioraria. No segundo caso seria preciso mais tempo de trabalho para produzir uma dada quantidade de mercadorias que consequentemente teriam mais valor. Se os salários não acompanharem esta elevação no valor das mercadorias o padrão de vida do trabalhador também piorará.
Marx constata que o desenvolvimento das forças produtivas acelera a acumulação do capital e que com a acumulação progressiva opera-se uma mudança progressiva na composição do capital. A parte do capital global formada por máquinas, matérias-primas, meios de produção de todo o gênero, cresce com maior rapidez que a outra parte do capital destinada à compra da força de trabalho, ou seja, c cresce mais rápido que v. Não é que essa última deixe de crescer, mas o faz em proporção constantemente decrescente quando comparada à primeira. E isso acontecendo, a balança se inclina mais a favor do capitalista contra o operário.
4.2. Aumento do preço em dinheiro dos gêneros de primeira necessidade sem que haja variação do valor da força de trabalho do operário. Nessa hipótese inflacionária com salários arrochados, tão comum nos dias de hoje, Marx chama a atenção de que haveria uma piora assustadora no padrão de vida dos trabalhadores, afirmando que "toda a história do passado prova que sempre que se produz uma depreciação do dinheiro, os capitalistas se aprestam para tirar proveito da conjuntura e enganar os operários".
4.3. Alongamento da jornada de trabalho. Marx diz que "o capital tende constantemente a dilatá-la ao máximo de sua possibilidade física, já que na mesma proporção aumenta o sobretrabalho e, portanto, o lucro que dele deriva". Nesse caso, mesmo que o trabalhador consiga aumentar seu salário, o valor do trabalho pode diminuir "se o aumento dos salários não corresponde à maior quantidade da trabalho extorquido e ao mais rápido esgotamento da força de trabalho que daí resultará".
Por outro lado, o capital tem também a tendência a aumentar da intensidade do trabalho tanto com a aceleração da velocidade das máquinas como aumentando o número de máquinas que cada trabalhador deve fazer funcionar. Se isto acontece com a manutenção da mesma jornada de trabalho sairá perdendo mais uma vez o operário.
4.4. Influências das fases do ciclo econômico – de calma, de animação crescente, de prosperidade, de superprodução, de estagnação e crise – sobre os salários e a luta salarial. "Durante as fases de crise de estagnação – diz Marx – o operário, se é que não o põem na rua, pode estar certo de ver rebaixado o seu salário". E nada mais certo que lutar então pela elevação dos salários – na realidade pela compensação – durante as fases de prosperidade, quando o capitalista obtém lucros extraordinários.
Marx chama a atenção ainda para o fato de que a luta pelo aumento dos salários vai sempre atrás das modificações previamente ocorridas no volume de produção, nas forças produtivas do trabalho, no valor do trabalho ou do dinheiro, no alongamento da jornada de trabalho, na intensificação do trabalho, nas flutuações da oferta e da procura decorrentes da fase do ciclo industrial.
Entretanto o destaque principal de toda a argumentação de Marx é que a tendência do capital não é para elevar o padrão médio de salários, mas para reduzi-lo. Essa é a característica quase única dos cenários acima descritos. E Marx pergunta: "se tal é a tendência das coisas neste sistema, quer isto dizer que a classe operária deva renunciar a defender-se contra os abusos do capital e abandonar seus esforços para aproveitar todas as possibilidades que se lhe ofereçam de melhorar em parte a sua situação? Se o fizesse – responde ele – ver-se-ia degradada a uma massa informe de homens famintos e arrasados, sem probabilidade de salvação". (parte XIV)
Assim, os operários ao lutarem pela elevação dos salários não fazem mais que cumprir um dever com eles mesmos, pois "toda a história da moderna indústria demonstra que o capital, se não se lhe põe um freio, lutará sempre, implacavelmente e sem contemplações, para conduzir toda a classe operária a este nível de extrema degradação … (de) simples máquina, fisicamente destroçada e espiritualmente animalizada, para produzir riqueza alheia".
A Conclusão Central
A obra de Marx Salário, Preço e Lucro cumpre um duplo papel. Tanto valoriza a luta dos trabalhadores pelo aumento de salários quanto mostra as limitações dessa luta colocando a necessidade da luta política dos trabalhadores, de uma ação política geral.
Dizia Marx que: "a classe operária não deve exagerar a seus próprios olhos o resultado final destas lutas diárias. Não deve esquecer-se de que luta contra os efeitos, mas não contra as causas desses efeitos, que logra conter o movimento descendente, mas não fazê-lo mudar de direção; que aplica paliativos, mas não cura a enfermidade. Não deve, portanto, deixar-se absorver exclusivamente por essas inevitáveis lutas de guerrilhas, provocadas continuamente pelos abusos incessantes do capital ou pelas flutuações do mercado" – por isso – "em vez do lema conservador de 'um salário justo por uma jornada de trabalho justa!', deverá inscrever na sua bandeira esta divisa revolucionária: 'abolição do sistema de trabalho assalariado' ".
Os sindicatos, indicava Marx, além de levarem a cabo as batalhas contra os efeitos do sistema existente, deveriam ao mesmo tempo se esforçarem para mudá-lo, utilizando suas forças organizadas como alavanca para a emancipação final da classe operária.
Para Melhor Entender
• Marx usou no transcurso de sua exposição numerosos exemplos práticos com o objetivo de dar vida às suas teorias. As unidades de medidas são diferentes das vigentes no Brasil. De volume: 1 quarter = 8 bushels @ 291 litros 1 bushel @ 36,25 litros. De peso: 1 libra peso (lb.) = 16 onças, 1 libra peso = 453,59 gramas 1 onça = 28,35 gramas. De peso de metais preciosos como o ouro: onça troy = 31,1 gramas. De moeda: àquela época 1 libra esterlina (£) = 20 xelins = 240 pence 1 xelim = 12 pence, ou 1/12 xelim = 1 penny (singular de pence). Em 1971 fez-se a decimalização do sistema monetário inglês 1 libra = 20 xelins = 100 novos pence, ou 1 xelim = 5 novos pence. Hoje, £ 1 @ R$ 3,0
• No Salário, Preço e Lucro, por questões meramente didáticas e de forma explicitamente consciente, Marx fala de dois tipos de taxa de lucro. Uma que expressa a proporção entre a mais-valia e os salários pagos aos trabalhadores para produzir determinada quantidade de mercadorias (m/v), também chamado de grau real de exploração. A segunda que expressa a proporção entre a mais-valia e o valor do montante do capital empregado (salários + máquinas + matérias primas + energia etc.) para produzir determinada quantidade de mercadorias: m/(c+v). O primeiro dos tipos é o que Marx chamava de taxa de mais-valia.
• Ao avaliar as possibilidades e limites da luta salarial dos trabalhadores Marx refere-se à mudança progressiva da composição do capital onde a parte formada por maquinaria, matérias-primas, meios de produção de todo o gênero – aqui chamada por ele, também por questões didáticas, de capital fixo – cresce mais rápido que a outra parte do capital destinada a salários. Ao que Marx chama no texto de capital fixo é o que ele designa de capital constante. O capital fixo é a parte do capital constante que passa aos poucos o seu valor ao produto final: máquinas e equipamentos, edificações, etc. À parte do capital constante que passa de uma vez seu valor ao produto final como a energia e as matérias-primas somada com o capital variável (salários dos trabalhadores) chama-se de capital circulante.
• O método de análise que Marx usa para observar os fenômenos econômicos do capitalismo foge sempre ao dia a dia, ao curto prazo, à sua manifestação localizada. Procura desvendar a essência e suas tendências principais à escala social, média, em períodos mais dilatados. Marx alertava para que: "As verdades científicas serão sempre paradoxais, se julgadas pela experiência de todos os dias, a qual somente capta a aparência enganadora das coisas". Lênin quando resumiu a doutrina econômica de Marx referiu-se ao seu método da seguinte forma: "é absolutamente natural que, numa sociedade de produtores de mercadorias dispersos, apenas ligados uns aos outros pelo mercado, as leis que regem essa sociedade não possam exprimir-se senão através de resultados médios, sociais, gerais pela compensação recíproca dos desvios individuais num ou noutro sentido". (Lênin, OE, vol. I, pág. 19). Assim é que se deve procurar entender o trabalho social médio, valor médio, lucro médio etc.
Trabalho Assalariado e Capital
(Obras Escolhidas de Marx & Engels, Ed. Alfa Omega, vol. 1, pp. 52-82)
Sob este título, Marx pronunciou uma série de conferências, no período de 14 a 30 de dezembro de 1847, publicadas pela primeira vez na Nova Gazeta Renana, em abril de 1849. Já depois de sua morte, em 1891, Engels publicou-as sob a forma de folheto – destinado à propaganda entre operários – acrescentando-lhe uma Introdução e algumas notas, para esclarecer aspectos que Marx teria aprofundado ou até mesmo corrigido em obras posteriores. A principal alteração diz respeito à mercadoria que o operário vende ao capitalista, em troca do salário: a força de trabalho (e não o trabalho, como aparece no texto original). Engels adverte que: "Por volta de 1850, Marx ainda não tinha concluído sua crítica à economia política" e ainda não questionava a noção de que os fabricantes compram de seus operários a mercadoria trabalho, cujo preço – calculado pelos mesmos critérios dos de qualquer outra mercadoria – é pago sob a forma de salário. É a partir de 1859 que Marx vai dar mais consistência à sua crítica, culminando com a grande obra O Capital, em que sistematiza o conceito de mais valia, a partir do valor da mercadoria força de trabalho.
Embora o livro Trabalho Assalariado e Capital conste da lista publicada no N.º 160 d'A Classe, não apresentaremos sua ficha de leitura, pois os aspectos que exigiram correção e/ou acréscimo são contemplados por Marx em Salário, Preço e Lucro, fichado a partir desta edição. No entanto, consideramos importante sua leitura: a) porque o texto revela a profundidade dos conhecimentos econômicos de Marx já desde os primeiros escritos e, comparado aos posteriores, permite que se perceba a evolução da sua produção teórica; b) porque é um exemplo de como Marx conseguia explicar complexos problemas econômicos, tornando-os acessíveis a massas de operários.
Comissão Nacional de Formação
Salários e Preços – Polêmica Antiga e Ainda Atual
Umberto Martins
A polêmica em torno das relações entre salário e preços é bem antiga na sociedade e no movimento operário. A obra de Karl Marx intitulada Salário, Preço e Lucro – que reproduz uma longa intervenção do autor nas sessões do Conselho Geral da Associação Operária Internacional, realizada entre os dias 20 a 27 de junho de 1865 – trata exaustivamente deste assunto.
Seu propósito era contestar os argumentos de que os trabalhadores deveriam renunciar à luta por reajustes salariais, a título de reposição de perdas ou por outra razão, pois tal movimento era inócuo e se revelaria, mais tarde, um contra-senso, uma vez que seu único resultado seria uma alta proporcional dos preços ou (o que vem a dar no mesmo) uma desvalorização da moeda, que na prática anularia o aumento nominal dos salários ao impor a depreciação real do poder aquisitivo dos mesmos.
Nas entrelinhas do debate, ficava evidente, já naquela época, que as posições assumidas a este respeito refletem, bem mais do que divergências científicas, os interesses que presidem a luta entre capital e trabalho. Ao lado disto, registra-se a força e hegemonia das idéias das classes dominantes sobre o movimento operário e suas lideranças. No momento em que Marx fez sua intervenção a Europa presenciava "uma verdadeira epidemia de greves e um clamor geral por aumentos salariais". O operário inglês Jonh Weston acabara de defender perante a Associação a tese de que os trabalhadores não deviam lutar por aumentos salariais, uma opinião "profundamente impopular no seio da classe operária".
Embora louvando a coragem moral de Weston, que "deve calar fundo em todos nós", Marx fez uma contundente crítica ao conteúdo reacionário de suas idéias, mostrando que elas careciam de fundamentos científicos e históricos e, no fundo, apenas serviam aos interesses dos capitalistas, refletindo a reação destes ao movimento operário em curso na ocasião.
Recorrendo a diversos exemplos históricos e destacando o aumento de salários ocorrido na Grã-Bretanha decorrente da Lei das Dez Horas e Meia (que reduziu a jornada de trabalho e foi promulgada em 1848), Marx mostrou que as premissas do "cidadão Weston" eram falsas.
A idéia de que aumento de salário gera inflação nunca passou de uma grande tolice. Em Salário, Preço e Lucro, e em outros escritos, Marx observa que as oscilações de salários devem ser avaliadas sempre em relação aos lucros, pois na composição dos preços (levando em conta o novo valor agregado a uma determinada mercadoria) os elementos centrais são salários (ou o valor da força de trabalho) e lucros (que no mercado se subdivide em lucro industrial, financeiro – especialmente juros -, renda da terra, lucro comercial e – com maior peso nos dias de hoje – até certo ponto os impostos). Ou seja, aumentos salariais ocorrem de imediato em detrimento do lucro: se o operário logra um aumento consegue, desta forma, reduzir a taxa de exploração do capital. Mesmo se a produção fosse uma grandeza constante (e evidentemente nunca foi) isto não implicaria necessariamente na alta dos preços, mas mudaria a proporção em que o produto se reparte entre salários e lucros.
Também com exemplos concretos e uma análise convincente, Marx revela a inconsistência da teoria monetarista, exposta no ponto de vista segundo o qual o aumento dos salários levaria a um crescimento da quantidade de dinheiro em circulação que – sem correspondência no aumento da produção – resultaria na desvalorização da moeda.
Marx afirma que, quando lutam por aumentos salariais e redução da jornada, "os operários não fazem mais que cumprir um dever para com eles mesmos e sua raça. Limitam-se a refrear as usurpações tirânicas do capital. O tempo é o campo do desenvolvimento humano. O homem que não dispõe de nenhum tempo livre, cuja vida, afora as interrupções puramente físicas do sono, das refeições etc., está toda ela absorvida pelo seu trabalho para o capitalista, é menos que uma besta de carga. É uma simples máquina, fisicamente destroçada e espiritualmente animalizada, para produzir riqueza alheia. E, no entanto, toda a história da moderna indústria demonstra que o capital, se não se lhe põe um freio, lutará sempre implacavelmente e sem contemplações para conduzir toda a classe operária a este nível de extrema degradação."
Na conclusão da intervenção, Marx propõe que a Associação adote três resoluções, uma das quais (a 2ª) sustenta que "a tendência geral da produção capitalista não é para elevar o padrão médio de salários, mas para reduzi-lo". Os críticos de Marx argumentam que esta idéia foi desmentida pela história e se levarmos em consideração a situação atual dos trabalhadores na Europa (alvo das atenções do autor) e nos países mais desenvolvidos (ou melhor, imperialistas) é preciso convir que eles têm certa razão. Os valores reais dos salários cresceram e, sobretudo, a jornada de trabalho diminuiu, chegando hoje em alguns países a 35 horas semanais, quase a metade da que reinava na primeira metade do século passado.
Porém, a observação da história nos países economicamente dependentes, por exemplo o Brasil, revela uma realidade diferente. Por essas bandas, o arrocho dos salários e a precarização das condições e relações trabalhistas é uma verdade que o capital nos oferta com a força de uma fatalidade. Há uma explicação para esta diferença, assim como para a diferença de valores da força de trabalho entre as nações-sede do imperialismo e a periferia do capitalismo.
Marx, como se sabe, não chegou a presenciar a história do imperialismo e, embora suas idéias sobre o processo de centralização do capital, aplicado num universo maior (mundial, não restrito a uma determinada economia nacional), conduzissem logicamente à idéia e previsão do mesmo, não perdeu tempo em imaginá-lo. Essa nova fase provocaria sensíveis alterações na evolução do sistema.
São muitos os fatores que presidem as oscilações dos salários e não se deve tentar enquadrá-los numa espécie de lei de bronze. No caso, a luta de classes do operariado e as pressões exercidas pelo socialismo soviético, por exemplo, têm muito a ver com a melhoria relativa dos salários e condições de vida dos trabalhadores nos países imperialistas.
O fundamento econômico dessa situação, e da brutal diferença de valores da mercadoria força de trabalho nesses dois distintos mundos, reside sobretudo na lógica da espoliação imperialista, que – como Lênin já observava há cerca de 80 anos – ampliou a capacidade de concessões do capital aos trabalhadores (nos centros) e possibilitou a criação do que ele classificou de aristocracia operária.
É ainda (e hoje mais que nunca) o excedente extraído pelo capital estrangeiro nas economias dependentes, com migalhas "democraticamente" repartidas com a aristocracia operária, que a rigor financiam a diferença de padrão de vida e o relativo "bem estar social" usufruído nos centros do sistema, que, por sinal, diante da crise e do desemprego em massa, a burguesia planeja abolir, objetivo que só não logrou (até o momento) devido à enérgica resistência dos trabalhadores.
Aqui no Brasil aprendemos com revolta e amargor a realidade desta espoliação ao observar os bancos estrangeiros exibindo em seus balanços os fabulosos lucros auferidos dias atrás com a crise cambial e a máxi-desvalorização do real. Desgraça para uns, felicidade para outros. Uma humilhação imposta aos trabalhadores pelo capital estrangeiro, com a cumplicidade criminosa da burguesia nativa.
O fato é que, hoje, com a reivindicação de uma nova política salarial que garanta a reposição automática das perdas provocadas pela desvalorização da moeda, a polêmica em torno das relações entre salário, preço e lucro, voltou à ordem do dia. Por aqui, temos também os nossos Westons, os cidadãos que (provavelmente sem as qualidades morais do inglês com quem Marx debateu) representam e advogam as teses do capital a respeito deste tema no movimento operário. Os fatos mostram um contexto de queda real dos salários e desemprego em massa, de modo que, evidentemente, as eventuais altas de preços não podem ser atribuídas aos míseros rendimentos dos trabalhadores. Aliás, pela lógica dos Westons de hoje, a queda dos salários deveria provocar uma queda dos preços (ou deflação), o que também não está ocorrendo e por uma razão simples: qualquer que seja, a inflação que temos em vista e em perspectiva é uma expressão enviesada da espoliação imperialista que vitima em primeiro lugar os trabalhadores, o resultado de uma brutal transferência de lucros (e riquezas) ao capital estrangeiro, que teve um ponto alto na máxi-desvalorização do real.
Passados mais de dez anos da primeira publicação de Salário, Preço e Lucro, as condições (inclusive das economias nacionais) são outras, muita água rolou desde então, mas a essência da luta entre capital e trabalho e dos interesses subjacentes à polêmica em questão ainda não mudou.