A privatização da segurança e a democracia nos EUA
De acordo com o Departamento de Estado as forças armadas dos EUA devem se retirar do Iraque até o final de 2011, entretanto, o próprio departamento tratou de solicitar ao Congresso aumento substantivo do número de empresas de segurança privada no país, além de solicitar a compra de dezenas de helicópteros Black Hawk, veículos à prova de minas, sistemas de vigilância de alta tecnologia e outros equipamentos militares. "Depois da partida das forças militares dos EUA – disse um alto funcionário do departamento – continuaremos a ter uma necessidade crítica para apoio logístico de uma escala de magnitude e complexidade sem precedentes na história.”
No dia 22 de Julho o Washington Post divulgou produto de uma investigação de dois anos, realizada pelos jornalistas Dana Priest e William Arkin, mostrando em detalhes como as empresas privadas atuam em todos os setores que cuidam da segurança nacional dos serviços de inteligência dos EUA (cerca 70% do orçamento).
Com o fim da Guerra Fria, as Companhias Militares Privadas passaram a converter-se em soluções do mercado frente às novas tendências à privatização de várias funções governamentais, além disso, há que se considerar a diminuição significativa do patrocínio político-militar das grandes potências de que muitos países do terceiro mundo beneficiavam-se. A progressiva deterioração do perfil de segurança desses Estados e a redução dos exércitos são fatores que confluem para a consolidação de um verdadeiro mercado para a presença das forças privadas.
Estima-se que o mercado dessas atividades inclua várias centenas de empresas, que geram receita anual global de mais de 100 bilhões de dólares e são frequentemente utilizadas pelos mais diferentes atores em conflitos: grandes potências, ditadores em países da periferia, paramilitares, cartéis de drogas e até mesmo as missões de paz. Essas novas modalidades têm substituído, em certa medida, a utilização de mercenários tradicionais, preenchendo o vazio deixado em situações de instabilidade em que seus empregados são contratados como civis armados e, diferentemente dos militares, operam em “zonas cinzentas” como combatentes sem supervisão ou qualquer tipo de responsabilidade perante o direito internacional. Assim podem atuar livremente promovendo assassinatos, tortura, sabotagem etc (desenvolvi esse tema no livro Reginaldo Mattar Nasser. (Org.). Novas perspectivas sobre os conflitos internacionais. 1a ed. São Paulo: Unesp, 2010)
Nesse sentido, especialistas militares e funcionários do governo passaram a valorizar cada vez mais as experiências históricas em que os EUA exercitaram um tipo de operação militar freqüentemente ignorada pela maioria dos lideres políticos que preferem “glamourisar” as grandes guerras (1ª e 2ª guerras mundiais). Argumentam que foram, justamente, as experiências adquiridas nas pequenas guerras (small wars) em que insurgentes e guerrilheiros derrotaram foram derrotados é que lhe permitem tirar lições para o momento presente no Iraque e Afeganistão. A grande maioria dessas pequenas guerras foi empreendida pelas mais diferentes razões (morais, estratégicas ou econômicas) – e não foi necessário ter um significativo apoio popular. Na verdade a opinião pública, freqüentemente, simplesmente nunca soube o que estava acontecendo a respeito, e as tropas fizeram seu trabalho mesmo quando havia oposição.
Outra característica desse tipo de guerra é que não há, necessariamente, uma declaração de guerra por parte do governo dos EUA, que podem enviar força militar ao exterior, sem qualquer tipo de declaração e, portanto sem necessidade de autorização do congresso.
Vem crescendo uma avaliação nos EUA de que as democracias não conseguem vencer as “pequenas guerras”, principalmente porque as exigências morais e políticas vão muito além do que a oposição doméstica está disposta a aceitar. Nestas guerras as elites estabelecem uma oposição muito clara entre o que o governo entende que tem que fazer para vencer e aquilo que se considera politicamente aceitável dentro das regras democráticas e da avaliação da opinião pública de outro. As democracias têm problemas em convencer a sociedade da necessidade das vítimas na luta da contra-insurgência e, assim, uma parte da sociedade exerce forte pressão sobre o Estado com criticas sobre os custos morais e políticos a respeito da conduta das forças militares estabelecendo uma competição entre a sociedade e o estado. De outro lado, o Estado responde com manipulação e censura ameaçando as regras democráticas, a oposição nega ao Estado a sustentação popular e o consenso nacional necessários para estabelecer metas uniformes nos conflitos em que sua superioridade militar é inconteste. Ora, se as democracias não podem vencer as pequenas guerras, dane-se a democracia e para isso nada mais conveniente do que a “privatização da segurança”.
* Professor de Relações Internacionais da PUC/SP
Fonte: Carta Maior