Produtividade do Capital. Trabalho Produtivo e Improdutivo Karl Marx
I – Produtividade do capital – expressão capitalista da produtividade do trabalho social
Vimos como o capital produz, como ele mesmo é produzido, e como, na qualidade de relação transmutada na essência, resulta do processo de produção, nele se desenvolve.121 De um lado, transforma o modo de produção; do outro, essa forma transmutada do modo de produção e estádio particular do desenvolvimento das forças produtivas materiais são o fundamento e condição — o pressuposto da própria formação do capital.
Uma vez que o trabalho vivo — com a troca entre capital e trabalhador — se incorpora ao capital e aparece como atividade a este pertencente desde o início do processo de trabalho, todas as forças produtivas do trabalho social passam a desempenhar o papel de forças produtivas do capital, do mesmo modo que a forma social geral do trabalho aparece no dinheiro como propriedade de uma coisa. Assim, a força produtiva do trabalho social e suas formas particulares se apresentam então na qualidade de forças produtivas e formas do capital, do trabalho materializado, das condições materiais (objetivas) do trabalho — as quais, nessa forma independente, em face do trabalho vivo, se personificam no capitalista. Eis aí, mais uma vez, a relação pervertida, que, ao tratar do dinheiro, chamamos de fetichismo122.
O próprio capitalista só detém o poder por personificar o capital (Na contabilidade italiana, esse papel de capitalista, de capital personificado, sempre se contrapõe a ele como simples pessoa, e nessa qualidade o capitalista apenas se revela consumidor particular e devedor do próprio capital.)
A produtividade do capital, antes de mais nada consiste, mesmo considerando-se apenas a subsunção formal do trabalho ao capital123, na coerção para se obter trabalho excedente trabalho acima da necessidade imediata, coerção que o modo capitalista de produção partilha com modos de produção anteriores, mas que exerce e efetiva de maneira mais favorável à produção.
Mesmo do ângulo dessa relação meramente formal — na forma geral da produção capitalista, a qual o modo menos desenvolvido dessa produção tem em comum com o mais desenvolvido —, os meios de produção, as condições objetivas de trabalho, a saber, material de trabalho meios de trabalho (e meios de subsistência), não se apresentam subsumidos ao trabalhador; este é que aparece a eles subsumido. Não é o trabalhador que os usa, mas eles que o usam. E são, por esse meio, capital. Capital emprega trabalho. Não são meios para o trabalhador gerar produtos, seja na forma de meios de subsistência imediatos seja na de meios de troca, na de mercadorias. Ao contrario, o trabalhador é para eles meio tanto de lhes conservar o valor, quanto de criar mais-valia, isto é, serve-lhes para o acrescer, para sugar trabalho excedente.
Em sua simplicidade, essa relação já é uma perversão, personificação da coisa, e coisificação da pessoa; pois o que distingue essa forma de todas as anteriores é que o capitalista domina o trabalhador não por força de um atributo pessoal, mas apenas enquanto é “capital"; esse poderio é tão-só o do trabalho materializado sobre o vivo, do produto do trabalhador sobre o próprio trabalhador.
Mas a relação se torna ainda mais complicada e de aparência mais enigmática porque, com o desenvolvimento do modo de produção especificamente capitalista, opõem-se ao trabalhador e o confrontam no papel de “capital”, além dessas coisas imediatamente materiais — todas elas produtos do trabalho; condições objetivas e produtos do trabalho, segundo o valor de uso, e tempo de trabalho geral materializado ou dinheiro segundo o valor de troca — as formas de trabalho socialmente desenvolvido, cooperação, manufatura (forma de divisão do trabalho), fábrica (forma do trabalho social organizado com base material na maquinaria), representando formas de desenvolvimento do capital, e por isso as forças produtivas do trabalho desenvolvidas a partir dessas formas do trabalho social, em conseqüência também à ciência e as forças naturais aparecem como forças produtivas do capital. De fato, a unidade na cooperação, a combinação na divisão do trabalho, o emprego, na maquinaria para fins produtivos, das forças naturais e da ciência junto com os produtos do trabalho, tudo isso se opõe aos próprios trabalhadores individuais como algo estranho e coisificado, como simples forma de existência dos meios de trabalho deles independentes e que os dominam, e do mesmo modo esses meios os enfrentam na forma visível, simples, de material, instrumento etc., nas funções de capital e, portanto de capitalista.
Quanto aos trabalhadores individuais, as formas sociais de seu próprio trabalho ou as formas de seu próprio trabalho social são relações constituídas de maneira que deles em nada depende; os trabalhadores, subsumidos ao capital, tornam-se elementos dessas formações sociais, mas essas formações sociais não lhes pertencem. Enfrentam-nos, portanto como estruturas do próprio capital, como combinações pertencentes ao capital, distintas da força de trabalho individual, oriundas do capital e nele incorporadas. E isto assume feição tanto mais real quanto mais essas formas modificam a própria força de trabalho — tornando-a impotente para a ação autônoma, isto é, fora do relacionamento capitalista, e destruindo-lhe a capacidade autônoma de produzir – e quanto mais as condições de trabalho, com o desenvolvimento da maquinaria se patenteiam, no plano tecnológico, dominantes do trabalho e ao mesmo tempo o substituem, subjugam e o tornam supérfluo nas formas independentes.
Nesse processo, onde as características sociais de seu trabalho a eles se contrapõem, por assim dizer, capitalizadas (na maquinaria, por exemplo, os produtos visíveis do trabalho se revelam dominadores do trabalho), o mesmo se dá naturalmente com as forças naturais e com a ciência, o produto do desenvolvimento histórico geral em sua quinta-essência abstrata — elas os enfrentam como forças do capital. Na realidade separam-se da habilidade e do conhecimento do trabalhador individual e, embora na origem também sejam produto do trabalho, onde quer que entrem no processo de trabalho, apresentam-se incorporadas ao capital. O capitalista que emprega uma máquina não precisa ter o conhecimento de seu mecanismo (ver Ure). Mas, em relação aos trabalhadores, a ciência realizada na máquina se revela capital. E na realidade todo esse emprego, fundado no trabalho social e em grande escala, da ciência, das forças naturais e dos produtos do trabalho só aparece mesmo como meio de explorar trabalho, de apropriação de trabalho excedente, portanto, para o trabalhador, como aplicação das forças pertencentes ao capital. O capital emprega naturalmente todos esses meios apenas para explorar o trabalho, mas, para explorá-lo, tem de os empregar na produção. E assim o desenvolvimento das forças produtivas sociais do trabalho e as condições desse desenvolvimento aparecem como ação do capital, em relação à qual o trabalhador individual tem mero comportamento passivo, e que em oposição a ele se exerce.
O próprio capital, por consistir em mercadorias, tem duplo caráter.
1. Valor de troca (dinheiro); mas valor que se expande, valor que, por ser valor, cria valor, como valor aumenta, obtém acréscimo. Isto se reduz a troca de dada quantidade de trabalho materializado contra quantidade maior de trabalho vivo.
2. Valor de uso; então, o capital aparece no processo de trabalho de acordo com suas relações específicas. Mas justamente aí não é mais apenas (matéria-prima) material de trabalho, meio de trabalho, aos quais pertence o trabalho e os quais incorporam a si o trabalho; junto com o trabalho, o capital absorve também as combinações sociais do trabalho e o desenvolvimento dos meios de trabalho, correspondente a essas combinações sociais. A produção capitalista desenvolve primeiro em grande escala — arranca do trabalhador individual independente — as condições do processo de trabalho tanto objetivas quanto subjetivas, mas as desenvolve como forças que dominam o trabalhador individual e lhe são estranhas.
O capital se torna assim um ser prenhe de mistérios.
O capital e, portanto produtivo:
1. ao forçar a execução de trabalho excedente;
2. ao absorver as forças produtivas do trabalho social e as forças produtivas sociais gerais, como a ciência, e delas se apropriar (personificando-as).
Pergunta-se como ou por que meio o trabalho se revela produtivo ao trabalho produtivo em face do capital, uma vez que as forças produtivas do trabalho se transpõem para o capital? E a mesma força produtiva não pode ser contada duas vezes, uma como força produtiva do trabalho, e outra como força produtiva do capital? (Força produtiva do trabalho – força produtiva do capital. Mas a força de trabalho é produtiva pela diferença entre seu valor e o valor que gera.)
II – Trabalho produtivo no sistema de produção capitalista
Só o tamanho espírito burguês, que considera absolutas e, portanto formas naturais eternas as formas capitalistas de produção, pode confundir estas duas perguntas — que é trabalho produtivo do ponto de vista do capital, e que trabalho é em geral produtivo ou que é trabalho produtivo em geral — e assim ter-se na conta de muito sábio, ao responder que todo trabalho que produza alguma coisa, um resultado qualquer, por isso mesmo, é trabalho produtivo.
Primeiro: Só o trabalho que se transforma diretamente em capital é produtivo; portanto, só trabalho que faz do capital variável magnitude variável e, em conseqüência, torna o capital total C = C + ∆ 124. Se o capital variável, antes de se trocar por trabalho, for igual a x, de modo a se estabelecer à equação y = x, é produtivo o trabalho que converte x a x + h e, por conseguinte faz y = x, y’ = x + h. Este, o primeiro ponto a elucidar: trabalho que produz mais-valia ou que é força que permite ao capital criar mais-valia, assumir a figura de capital, de valor que cresce por si mesmo.
Segundo: As forças produtivas sociais e gerais do trabalho são forças produtivas do capital. Mas essas forças produtivas só concernem ao processo de trabalho ou só dizem respeito ao valor de uso. Representam propriedades inerentes ao capital como coisa, seu valor de uso. Não influenciam diretamente o valor de troca. Trabalhem 100 pessoas em conjunto ou cada uma delas de per si, o valor de seu produto é igual a 100 jornadas de trabalho, seja qual for à quantidade de produtos em que se represente; isto é, não importa a produtividade do trabalho. De modo apenas, a variação na produtividade do trabalho influi no valor de troca:
Se a produtividade do trabalho, por exemplo, se desenvolve num ramo particular de atividade, digamos, não constitui mais exceção na tecelagem substituir os teares manuais pelos mecânicos, exigindo a produção de uma jarda de tecido por tear mecânico metade apenas do tempo requerido pelo manual, então 12 horas de um tecelão manual não representam mais um valor de 12 horas e sim de 6, pois agora o tempo de trabalho necessário se reduziu para 6 horas. Às 12 horas do tecelão manual só configuram 6 horas de tempo de trabalho social, embora ele trabalhe 12 como dantes.
Mas não é desse assunto que se trata aqui. Tome-se, ao contrário, outro ramo de produção, por exemplo, tipografia, onde ainda não se emprega maquinaria. Nesse ramo, 12 horas produzem tanto valor quanto 12 horas em ramos de produção em que a maquinaria tem desenvolvimento máximo. Por conseguinte, o trabalho que produz valor continua sempre a ser trabalho do indivíduo, mas se expressa na forma de trabalho geral. O trabalho produtivo — como trabalho que produz valor — confronta, por isso, o capital sempre na forma de trabalho da força de trabalho individual, do trabalhador isolado, sejam quais forem às combinações sociais de que participem esses trabalhadores no processo de produção.
Assim, enquanto o capital representa perante o trabalhador a força produtiva social do trabalho, o trabalho produtivo representa sempre perante o capital nada mais que o trabalho do trabalhador isolado.
Terceiro: Se parecem ser propriedade natural do capital, oriunda, portanto de seu valor de uso, extorquir trabalho excedente e apropriar-se das forças produtivas sociais do trabalho, ao revés, parece ser propriedade natural do trabalho gerar as próprias forças produtivas sociais como forças produtivas do capital, e o próprio produto excedente, como mais-valia, autovalorização do capital.
É mister desenvolver agora esses três pontos e daí inferir a diferença entre trabalho produtivo e improdutivo.
Quanto ao primeiro ponto, a produtividade do capital consiste em contrapor-se ele ao trabalho convertido em trabalho assalariado, e a do trabalho, em contrapor-se aos meios de trabalho convertidos em capital.
Vimos que dinheiro se torna capital, isto é, dado valor de troca se converte em valor de troca que acresce a si mesmo, em valor adicionado de mais-valia, em virtude de parte dele transformar-se em mercadorias que servem de meios de trabalho para o trabalho (matérias-primas, instrumentos, em suma, as condições materiais de trabalho), e parte aplicar-se na compra de força de trabalho. Entretanto, não é essa primeira troca entre o dinheiro e a força de trabalho, ou a mera compra desta, que transforma o dinheiro em capital. Essa compra incorpora ao capital o uso da força de trabalho por determinado tempo ou torna determinada quantidade de trabalho vivo um dos modos de existência, a enteléquia, por assim dizer, do próprio capital.
No processo de produção efetivo, o trabalho vivo se transforma em capital, ao reproduzir o salário — portanto, o valor do capital variável — e ainda gerar mais-valia; e por meio desse processo de transformação, a soma toda em dinheiro se converte em capital, embora à parte que varia diretamente seja apenas a desembolsada em salário. O valor se era igual a c + v, é igual agora a c + (v + x), o mesmo que (c + v) + x 125; quer dizer, a soma original de dinheiro, a magnitude de valor, expandiu-se, revelou-se valor que ao mesmo tempo se conserva e acresce.
(Cabe observar aqui: a circunstância de só a parte variável do capital produzir acréscimo, em nada altera o fato de aparecer expandida, por meio desse processo, a totalidade do valor original, de ficar ela acrescida de mais-valia, de se transformar, portanto em capital toda a soma original de dinheiro. É que o valor original = c + v (capital constante e capital variável). No processo torna-se c + (v + x); o último termo é a parte reproduzida que surgiu pela transformação do trabalho vivo em trabalho materializado, transformação que é motivada e introduzida pela troca de v por força de trabalho ou por sua conversão em salário. Mas, c + (v + x) = c + v (o capital original) + x. Ademais, a conversão de v em v + x e, portanto, de (c + v) em (c + v) + x só pode ocorrer quando parte do dinheiro se transforma em c. Uma parte só pode transformar-se em capital variável, quando a outra se transforma em capital constante.)
No processo de produção efetivo, o trabalho se converte realmente em capital, mas essa conversão depende da troca originária entre dinheiro e força de trabalho. Só em virtude dessa conversão direta de trabalho em trabalho materializado pertencente não ao trabalhador e sim ao capitalista é que o dinheiro se converte em capital, inclusive à parte dele que assumiu a forma de meios de produção, de condições de trabalho.
Antes, o dinheiro — exista na própria forma ou na forma de mercadorias (produtos) adequadas para servir de meios de produção de novas mercadorias — é capital apenas em si 126.
Só a apontada relação definida com o trabalho transforma o dinheiro ou a mercadoria em capital, e é trabalho produtivo o trabalho que, por meio dessa relação que mantém com as condições de produção e a que corresponde determinado comportamento no processo de produção efetivo — transforma dinheiro ou mercadoria em capital, isto é, conserva e acresce o valor do trabalho materializado, que se tornou independente em relação à força de trabalho. Trabalho produtivo é uma abreviação para designar o conjunto do re1acionamento e dos modos em que a força de trabalho figura no processo capitalista de produção. É da maior importância, porém, distingui-lo de outras espécies de trabalho, pois essa distinção exprime a especificidade da forma do trabalho sobre que repousam o modo capitalista de produção por inteiro e o próprio capital.
Trabalho produtivo, portanto é o que – no sistema de produção capitalista – produz mais-valia para o empregador ou que transforma as condições materiais de trabalho em capital e o dono delas em capitalista, por conseguinte trabalho que produz o próprio produto como capital.
Assim, ao falar de trabalho produtivo, falamos de trabalho socialmente definido, trabalho que envolve relação bem determinada entre o comprador e o vendedor do trabalho.
Embora o dinheiro nas mãos do comprador da força de trabalho — ou, se se expressa em mercadoria, os meios de produção e os meios de subsistência do trabalhador — só se torne capital por meio do processo, só neste se converta em capital, e essas coisas não sejam capital antes de entrar no processo, mas apenas se destinem a ser capital, são elas, entretanto, capital em si. São capital em virtude da forma autônoma com que confrontam a força de trabalho e esta as confronta, uma relação que motiva e assegura a troca com a força de trabalho e o processo daí decorrente da conversão real do trabalho em capital. Têm de antemão, em face dos trabalhadores, a destinação social que as torna capital e lhes dá o comando sobre o trabalho. Por isso, com respeito ao trabalho, são precondições na forma de capital.
Assim, podemos designar de trabalho produtivo o que se troca diretamente por dinheiro na qualidade de capital ou, apenas abreviando, o que diretamente se troca por capital, isto é, por dinheiro que em si é capital, tem a destinação de funcionar como capital, ou que, na qualidade de capital, enfrenta a força de trabalho. Na expressão trabalho que se troca diretamente por capital está implícito que o trabalho se troca por dinheiro como capital e efetivamente se converte em capital. A determinação do caráter imediato dessa troca é matéria que logo veremos mais de perto.
Trabalho produtivo é, portanto o que, para o trabalhador, apenas reproduz o valor previamente determinado de sua força de trabalho, mas, como atividade geradora de valor, acresce o valor do capital, ou contrapõe ao próprio trabalhador os valores que criou na forma de capital.
III – Duas fases da troca entre capital e trabalho, distintas na essência
Na troca entre capital e trabalho, conforme vimos ao estudar o processo de produção 127, é mister distinguir duas fases, distintas na essência, embora se condicionem uma a outra.
Primeiro. A primeira troca entre trabalho e capital é um processo formal, onde o capital se configura em dinheiro e a força de trabalho assume a forma de mercadoria. A venda da força de trabalho ocorre ideal ou juridicamente nesse primeiro processo, embora só se pague o trabalho após a execução, no fim do dia, da semana etc. Essa circunstância em nada altera a transação em que se vende a força de trabalho. O que aí diretamente se vende não é mercadoria em que o trabalho se realizou e sim o uso da própria força de trabalho, de fato por tanto o próprio trabalho, pois o uso dessa força é a ação dela, o trabalho. Não se trata assim de troca de trabalho realizada por meio da troca de mercadorias. Se A vende sapatos a B, ambos trocam trabalho, o primeiro, trabalho realizado em sapatos, e o segundo, em dinheiro. Mas, na primeira troca se permuta trabalho materializado na forma social geral, isto é, em dinheiro, por trabalho que até então só existe como poder; e o que é comprado e vendido é o uso desse poder, ou seja, o próprio trabalho, embora o valor da mercadoria vendida não seja o valor do trabalho (uma expressão irracional), mas o valor da força de trabalho. Dá-se, portanto diretamente troca entre trabalho materializado e força de trabalho, que de fato se reduz a trabalho vivo; por conseguinte, entre trabalho materializado e trabalho vivo. O salário — o valor da força de trabalho — toma por isso a aparência, conforme se explicou antes, de preço direto de compra, preço do trabalho 128.
Nessa primeira fase, a relação entre trabalhador e capitalista é a que existe entre comprador e vendedor de mercadoria. O capitalista paga o valor da força de trabalho, portanto o valor da mercadoria que compra.
Mas, ao mesmo tempo, a força de trabalho só é comprada porque o trabalho, que pode realizar e se obriga a executar, é maior que o trabalho necessário para reproduzir a força de trabalho, e se apresenta por isso, em valor maior que o valor da força de trabalho.
Segundo. A segunda fase da troca entre capital e trabalho nada tem a ver, na realidade, com a primeira; no sentido estrito da palavra, não é troca absolutamente.
Na primeira fase há troca de dinheiro por mercadoria — troca de equivalentes —, e trabalhador e capitalista se confrontam na qualidade de donos de mercadorias. Trocam-se equivalentes. (Isto é, à relação não importa quando se trocam; e para a transação tanto faz que o preço do trabalho esteja acima ou abaixo do valor da força de trabalho ou lhe seja igual. A transação portanto pode ocorrer de acordo com a lei geral da troca de mercadorias.)
Na segunda fase não há troca. O dono do dinheiro cessou de ser comprador de mercadoria, e o trabalhador, de ser vendedor de mercadoria. O dono do dinheiro funciona agora como capitalista. Consome a mercadoria que comprou, e o trabalhador a fornece, pois o uso de sua força de trabalho é seu próprio trabalho. Por meio da transação anterior, o trabalho mesmo se tornou parte da riqueza objetiva. O trabalhador o executa, mas o trabalho pertence ao capital e agora é deste apenas função. Ocorre portanto sob seu controle e chefia diretos; e o produto onde se materializa é a nova efígie em que o capital aparece, ou melhor, em que se realiza efetivamente como capital. Nesse processo, portanto, o trabalho se materializa de maneira direta, transforma-se de imediato em capital, depois de já se ter incorporado ao capital, formalmente, pela primeira transação. Mais precisamente, converte-se aí em capital mais trabalho do que o capital (trabalho materializado 129) que se desembolsou antes na com pra de força de trabalho. Nesse processo há apropriação de uma parte não paga do trabalho, e só por esse meio o dinheiro se transforma em capital.
Embora nessa fase, de fato, não ocorra troca, o resultado, se pusermos de lado os meios que o provocaram, é que — juntando- se ambas as fases — determinada quantidade de trabalho materializado se trocou por quantidade maior de trabalho vivo. Isso se expressa no resultado do processo: o trabalho que se materializou no produto é maior do que o trabalho materializado na força de trabalho e, por tanto, maior do que o trabalho materializado que é pago ao trabalha dor, ou o capitalista, no processo efetivo, recupera, isto é, recebe não só à parte do capital a qual desembolsou em salário, mas também mais-valia, que nada lhe custa. A troca direta de trabalho por capital significa aí: 1) a conversão imediata do trabalho em capital, em elemento objetivo componente no capital do processo de produção; 2) a troca de determinada quantidade de trabalho materializado pela mesma quantidade de trabalho vivo acrescida de quantidade excedente de trabalho vivo, da qual se assume a propriedade sem troca.
A proposição — trabalho produtivo é o trabalho que se troca diretamente por capital — abrange toda essas fases e é apenas uma fórmula inferida para dizer que é o trabalho que transforma dinheiro em capital e faz a permuta com as condições de produção guindadas a capital; não se relaciona com elas qualificadas de meras condições de produção, nem com elas se comporta como trabalho puro e simples, sem destinação social específica.
A proposição envolve: 1) a relação recíproca entre dinheiro e força de trabalho como mercadoria, compra e venda entre o dono do dinheiro e o dono da força de trabalho; 2) a subsunção 129 direta do trabalho ao capital; 3) a transformação direta do trabalho em capital no processo de produção ou, o que dá no mesmo, a criação da mais-valia para o capital. Ocorrem duas espécies de troca entre trabalho e capital. A primeira expressa apenas a compra da força de trabalho e por isso, na realidade, do trabalho e, em conseqüência, do respectivo produto. A segunda, a conversão direta de trabalho vivo em capital ou a materialização do trabalho vivo como realização do capital.
IV – O valor de uso específico do trabalho produtivo para o capital
O resultado do processo de produção capitalista não é mero produto (valor de uso) nem mercadoria, isto é, valor de uso que tem determinado valor de troca. Seu resultado, seu produto, é criação de mais-valia para o capital e, por isso, conversão real de dinheiro ou mercadoria em capital; dinheiro e mercadoria são capital, antes do processo de produção, pela intenção apenas, em si, pela destinação. No processo de produção absorve-se mais trabalho do que foi comprado, e essa absorção, apropriação de trabalho alheio não pago, consumada no processo de produção, é o objetivo direto do processo de produção capitalista; pois, o que o capital quer produzir como capital (portanto, o capitalista como capitalista) não é valor de uso imediato para o próprio consumo pessoal, nem mercadoria para transformar primeiro em dinheiro e depois em valor de uso. Seu objetivo é o enriquecimento, o acréscimo do valor, seu aumento, isto é, a conservação do valor antigo e a criação de mais-valia. E o capital só alcança esse produto específico do processo de produção capitalista, na troca pelo trabalho, que se chama por isso de trabalho produtivo.
O trabalho, para produzir mercadoria, tem de ser trabalho útil, produzir valor de uso, configurar-se num valor de uso. E por conseguinte só trabalho que se apresenta em mercadoria, isto é, em valores de uso, é trabalho por que se permuta capital. Este é um pressuposto por si mesmo evidente. Mas, não é esse caráter concreto do trabalho, seu valor de uso como tal — a circunstância de ser, por exemplo, trabalho de alfaiate, sapateiro, fiandeiro, tecelão etc. — que constitui seu valor de uso específico para o capital e por isso o qualifica de trabalho produtivo no sistema de produção capitalista. O que constitui seu valor de uso especifico para o capital não é seu caráter útil particular, tampouco as propriedades especiais úteis do produto em que se materializou, e sim seu caráter como o elemento criador do valor de troca, como trabalho abstrato; mais precisamente, não é a circunstância de representar, em suma, dada quantidade desse trabalho geral, mas a de representar quantidade maior que a contida em seu preço, isto é, no valor da força de trabalho.
O valor de uso da força de trabalho para o capital é justamente o excesso da quantidade de trabalho que ela fornece além da quantidade de trabalho que nela mesma se materializa e por isso é necessária para reproduzi-la. Fornece essa quantidade naturalmente na forma determinada inerente a trabalho de utilidade particular, como, por exemplo, trabalho de fiar, tecer etc. Mas, esse caráter concreto, que o capacita a configurar-se em mercadoria, não é seu valor de uso específico para o capital. Para este, seu valor de uso específico consiste em sua qualidade de trabalho em geral e no que a quantidade de trabalho que a força de trabalho realiza excede a quantidade de trabalho que ela custa.
Determinada soma de dinheiro x torna-se capital por configurar-se no respectivo produto como x + h; isto é, por ser a quantidade de trabalho nela existente como produto maior que a quantidade que nela antes se continha. E este é o resultado da troca entre dinheiro e trabalho produtivo, ou seja: só é produtivo o trabalho que capacita o trabalho materializado, na troca por ele, representar-se em quantidade maior de trabalho materializado.
O processo capitalista de produção, portanto, não consiste em mera produção de mercadorias. É um processo que absorve trabalho não pago, faz das matérias-primas e dos meios de trabalho — os meios de produção — meios de absorver trabalho não pago.
Do que se viu infere-se que trabalho produtivo é uma qualificação que, de início, absolutamente nada tem a ver com o conteúdo característico do trabalho, com sua utilidade particular ou com o valor de uso peculiar em que ele se apresenta.
A mesma espécie de trabalho pode ser produtiva ou improdutiva. Milton, por exemplo, que escreveu o Paraíso Perdido por 5 libras esterlinas, era um trabalhador improdutivo. Ao revés, o escritor que fornece à editora trabalho como produto industrial é um trabalhador produtivo. Milton produziu o Paraíso Perdido pelo mesmo motivo por que o bicho-da-seda produz seda. Era uma atividade própria de sua natureza. Depois vendeu o produto por 5 libras. Mas o proletário intelectual de Leipzig, que sob a direção da editora produz livros (por exemplo, compêndios de economia), é um trabalhador produtivo; pois, desde o começo, seu produto se subsume ao capital e só para acrescer o valor deste vem à luz. Uma cantora que vende seu canto por conta própria é um trabalhador improdutivo. Mas, a mesma cantora, se um empresário a contrata para ganhar dinheiro com seu canto, é um trabalho produtivo, pois produz capital.
V – Trabalho improdutivo e prestação de serviços. Compra de serviços nas condições do capitalismo. Concepção vulgar da relação entre capital e trabalho como troca de serviço
Releva distinguir agora diversas questões.
Para mim tanto faz comprar uma calça ou comprar pano e mandar vir em casa um alfaiate a quem pago o serviço (isto é, trabalho de alfaiate) de converter o pano em calça, se o que está em jogo é apenas obtê-la.
Compro a calça da alfaiataria que vende roupas feitas, em vez de mandar faze-la em casa, por ser cara esta solução, e custar menos à calça, ser mais barata, quando produzida pela alfaiataria capitalista. Mas, nos dois casos, transformo o dinheiro com que compro a calça não em capital e sim em calça, e nos dois casos trata-se para mim de utilizar o dinheiro como simples meio de circulação, isto é, convertê-lo nesse valor de uso particular. O dinheiro aí não exerce portanto a função de capital, embora num caso se troque por mercadoria e no outro compre o próprio trabalho como mercadoria. Só tem a função de dinheiro e, mais precisamente de meio de circulação.
Contudo, o alfaiate que vem a minha casa não é trabalhador produtivo, embora seu trabalho me forneça o produto, a calça, e a ele, o preço do trabalho, o dinheiro. É possível que a quantidade de trabalho que o alfaiate me fornece seja maior que a contida no preço que de mim recebe. E isso é mesmo provável, pois o preço de seu trabalho é determinado pelo preço que os alfaiates produtivos recebem. Mas esse assunto não me interessa. Uma vez dado o preço, para mim tanto faz que o alfaiate trabalhe 8 ou 10 horas. Trata-se apenas do valor de uso, a calça, e aí, tanto faz comprá-la de uma maneira ou de outra, meu interesse naturalmente é pagar o menos possível, mas num caso nem mais nem menos que no outro, noutras palavras, pagar o preço normal dela. Isso é uma despesa com meu consumo, diminuição, ao invés de acréscimo, de meu dinheiro. Não é meio de enriquecimento, nem o é tampouco qualquer outra maneira de despender dinheiro para meu consumo pessoal.
Um daqueles sabichões de Paul de Kock pode dizer-me que sem essa compra, como sem a compra de pão, não posso viver e, em conseqüência, não posso enriquecer-me; que ela portanto é um meio indireto ou pelo menos uma condição para meu enriquecimento. Da mesma maneira, a circulação do meu sangue e meu processo respiratório são condições para me enriquecer. Mas, por isso, nem a circulação do sangue nem o processo respiratório, por si mesmos, me enriquecem, e ambos, ao contrário, pressupõem um metabolismo que requer despesas elevadas, e não haveria pobres-diabos, caso ele não fosse necessário. A mera troca direta de dinheiro por trabalho, portanto, não transforma o dinheiro em capital ou o trabalho em trabalho produtivo.
Que então caracteriza essa troca? Por que meio distingui-la da troca de dinheiro por trabalho produtivo? De um lado, pela circunstância de o dinheiro ser despendido como dinheiro, forma autônoma do valor de troca, com o objetivo de se converter num valor de uso, em meio de subsistência, objeto de consumo pessoal. O dinheiro, portanto, não vira capital, mas, ao contrário, perde sua existência como valor de troca, para ser gasto, consumido como valor de uso. Por outro lado, o trabalho só me interessa como valor de uso, serviço que transforma pano em calça, o serviço que me proporciona a utilidade específica desse trabalho.
Ao revés, o serviço que o mesmo alfaiate, empregado pelo dono da alfaiataria presta a esse capitalista não consiste em converter pano em calça, mas em ser o tempo de trabalho necessário, materializado numa calça = 12 horas de trabalho, e a remuneração que recebe = 6 horas. O serviço que lhe presta consiste, portanto, em trabalhar de graça 6 horas.
Que isso aconteça sob a forma de confecção de calças apenas dissimula a verdadeira relação. O dono da alfaiataria, logo que possa, procura por isso converter de novo calça em dinheiro, isto é, numa forma em que desaparece por completo o caráter determinado do trabalho de alfaiate, e o serviço prestado consiste em ter substituído o tempo de trabalhe de 6 horas, configurado em determinada soma de dinheiro, pelo tempo de trabalho de 12 horas, expresso no dobro daquela soma de dinheiro.
Compro o trabalho de alfaiate em virtude do serviço que presta como trabalho de alfaiate, para satisfazer minha necessidade de vestuário, ou seja, uma das minhas necessidades. O dono da alfaiataria compra-o para fazer 2 táleres com 1. Compro-o por produzir determinado valor de uso, por prestar determinado serviço. Ele o compra por fornecer mais valor de troca do que custa, como simples meio de permutar menos trabalho por mais trabalho.
Quando o dinheiro se troca diretamente pelo trabalho, sem produzir capital e sem ser, portanto, produtivo, compra-se o trabalho como serviço, o que de modo geral não passa de uma expressão para o valor de uso especial que o trabalho proporciona como qualquer outra mercadoria; mas expressão especifica para o valor de uso particular do trabalho, no sentido de este prestar serviços não na forma de coisa e sim na de atividade, o que, entretanto, de modo nenhum o distingue, digamos, de uma máquina, um relógio. Dou para que faças, faço para que faças, faço para que dês, dou para que dês130 são aí formas da mesma relação, com validade igual, enquanto na produção capitalista o “dou para que faças” exprime relação muito específica entre o valor material que é dado e a atividade viva de que o capitalista se apropria.
Naquela compra de serviços não se contém a relação específica entre trabalho e capital, de todo apagada ou mesmo inexistente, e esta é naturalmente a razão por que é a forma predileta de Say, Bastiat e quejandos, para expressar a relação entre capital e trabalho.
Como o valor desses serviços é regulado e como esse próprio valor é determinado pelas leis dos salários é questão que nada tem a ver com a pesquisa sobre a relação em exame e pertence à esfera do salário.
Infere-se daí que a mera troca de dinheiro por trabalho não transforma este em trabalho produtivo, e ademais que não faz diferença, de início, o conteúdo desse trabalho.
O próprio trabalhador pode comprar trabalho, isto é, mercadorias fornecidas na forma de serviços, e o dispêndio de seu salário nesses serviços é dispêndio que de modo nenhum se distingue do dispêndio do salário em quaisquer outras mercadorias. Os serviços que compra podem ser mais ou menos necessários, por exemplo, o serviço do médico do sacerdote, e do mesmo modo pode comprar pão ou aguardente. Como comprador — isto é, representante de dinheiro em face da mercadoria – o trabalhador está na mesma categoria do capitalista quando este aparece apenas como comprador, ou seja, trata-se apenas de converter o dinheiro à forma de mercadoria. Como é determinado o preço desses serviços e que relação tem com o salário propriamente dito, até onde é, ou não, regulado pelas leis deste, são questões a examinar ao se tratar do salário e sem o menor interesse para nossa pesquisa atual.
Assim, se a mera troca entre dinheiro e trabalho não converte este em trabalho produtivo ou, o que dá no mesmo, não transforma aquele em capital, também não importa aí, segundo evidência inicial, o conteúdo, o caráter concreto, a utilidade particular do trabalho, conforme vimos, pois o mesmo trabalho do mesmo alfaiate se revela, num caso, produtivo e, no outro, improdutivo.
Certos serviços ou os valores de uso resultantes de certas atividades ou trabalhos corporificam-se em mercadorias, outros ao contrário, não deixam resultado palpável, distinto da própria pessoa que os executa; quer dizer, o resultado não é mercadoria vendável Por exemplo, o serviço que um cantor me presta satisfaz minha necessidade estética, mas o que fruo só existe numa ação inseparável do próprio cantor, e logo que o seu trabalho, o canto, cessa, também acaba minha fruição. Fruo a própria atividade — a reverberação dela em meus ouvidos. Esses mesmos serviços, como a mercadoria, podem ser ou apenas parecer necessários, por exemplo, o serviço de um soldado, médico ou advogado, ou podem ser serviços que me propiciam prazeres. Isso nada altera sua natureza econômica. Se estou com saúde e não preciso de médico ou tenho a sorte de não ser obrigado a me envolver numa questão, evito, como se fosse a peste, despender dinheiro em serviços médicos ou jurídicos.
Os serviços podem ser impostos — os serviços oficiais obrigatório etc.
Se compro o serviço de um professor para desenvolver minhas faculdades, mas para adquirir aptidões que me possibilitem ganhar dinheiro — ou se outros compram para mim esse professor — e se de fato aprendo alguma coisa (e isso, em si, em nada depende do pagamento do serviço), esses custos de educação, como os de meu sustento, pertencem aos custos de produção da minha força de trabalho.
Mas, a utilidade particular desse serviço em nada altera a relação econômica; não se trata aí de relação em que transformo o dinheiro em capital ou por meio da qual o supridor do serviço, o professor me converte em seu capitalista, seu patrão. Por isso, para a determinação econômica dessa relação não importa que o médico me cure, o professor tenha sucesso no ensino, o advogado ganhe a causa. O que se paga é a prestação do serviço como tal, cujo resultado, dado o caráter do serviço, não pode ser garantido por quem o presta. Grande parte dos serviços pertence aos custos de consumo de mercadorias, como os de cozinheira, criada etc.
É característico de todos os trabalhos improdutivos a circunstância de estarem ao meu dispor — como a compra de todas as outras mercadorias de consumo — na mesma proporção em que exploro trabalhadores produtivos. Por isso, de todas as pessoas, a que tem menos comando sobre os serviços de trabalhadores improdutivos é o trabalhador produtivo, embora em regra tenha de pagar por serviços compulsórios (Estado, impostos) – Ao revés, meu poder de empregar trabalhadores produtivos não cresce, mas; ao contrário, decresce na proporção em que emprego trabalhadores improdutivos.
Os próprios – trabalhadores produtivos podem ser para mim trabalhadores improdutivos. Por exemplo, mando forrar de papel as paredes de minha casa, e os forradores são assalariados de um patrão que me vende essa atividade: para mim trata-se de uma compra como seria a da casa com as paredes forradas, trata-se de um dispêndio de dinheiro em mercadoria para meu consumo; mas, para o patrão que manda esses trabalhadores forrar as paredes, são eles trabalhadores produtivos, pois lhe fornecem mais-valia.
Quão improdutivo, do ângulo da produção capitalista, é o trabalhador que produz mercadoria vendável — mas só até o montante correspondente a sua força de trabalho, sem fornecer mais-valia ao capital, pode-se ver em Ricardo nas passagens onde diz que o mero existir dessa gente é uma praga. 114 Essa é a teoria e a prática do capital.
“Tanto a teoria relativa ao capital quanto à prática de parar
o trabalho no ponto onde produza lucro para o capitalista, além
de manter o trabalhador, parecem se opor às leis naturais que
regulam a produção” (Th. Hodgskin, Pop. Polit. Econ., Londres,1827, p. 238).
Processo de produção do capital. Já vimos: esse processo de produção não é só processo de produção de mercadorias, mas também processo de produção de mais-valia, absorção de trabalho excedente e, por isso, processo de produção de capital. O primeiro ato de troca formal de dinheiro por trabalho ou de capital por trabalho é apenas potencialmente ato de apropriar-se de trabalho vivo alheio por meio de trabalho materializado. O processo de apropriação efetiva só ocorre no processo de produção efetiva, que tem atrás de si, consumada, aquela primeira transação formal em que capitalista e trabalhador se confrontam, um ao outro, na qualidade de meros donos de mercadorias, de comprador e vendedor. Eis porque todos os economistas vulgares não passam daquela primeira transação — como Bastiat —, justamente para escamotear a relação específica. Na troca de dinheiro por trabalho improdutivo, a diferença aparece de maneira contundente. Aí dinheiro e trabalho se trocam apenas na condição de mercadoria. A troca, nesse caso, ao invés de produzir capital, é dispêndio de renda.
VI – O trabalho dos artesãos e camponeses na sociedade capitalista
UMas que sucede então aos artesãos ou camponeses independentes que não empregam trabalhadores e por isso não produzem na qualidade de capitalistas? E como sempre ocorre com os camponeses (mas não no caso, por exemplo, em que contrato, para minha casa, o serviço de um jardineiro), são eles produtores de mercadorias, e lhes compro as mercadorias, – ai nada se altera, por exemplo, com a circunstância de o artesão fornecê-las por encomenda, e de o camponês produzir sua oferta na medida dos meios de que dispõe. Nessa relação confrontam-me como vendedores de mercadorias e não de trabalho, e tal relação, portanto, nada tem a ver com troca de capital por trabalho, nem com a diferença entre trabalho produtivo e improdutivo, a qual deriva meramente da alternativa de o trabalho se trocar por dinheiro como dinheiro ou por dinheiro como capital. Por isso, não pertencem à categoria do trabalhador produtivo nem a do improdutivo, embora sejam eles produtores de mercadorias. Mas sua produção não está subsumida ao modo de produção capitalista.
É possível que esses produtores que trabalham com meios de produção próprios reproduzam sua própria força de trabalho e, além disso, criem mais-valia, permitindo-lhes sua posição se apropriarem do próprio trabalho excedente ou de parte dele (desde que lhes tomem parte na forma de impostos etc.) – E aí encontramos uma peculiaridade, característica de uma sociedade onde predomina um modo de produção definido, embora não lhe estejam ainda subordinadas todas as relações de produção. Na sociedade feudal, por exemplo, na Inglaterra — onde se pode estuda-la melhor, pois o feudalismo, introduzido pelos normandos, pronto e acabado, teve sua forma impressa numa base social diferente em muitos aspectos — as relações estranhas à essência desse sistema receberam também um timbre feudal; por exemplo, meras relações de dinheiro em que não há vestígio de serviços pessoais mútuos entre suserano e vassalos. Ficção, por exemplo, o pequeno camponês possuir sua terra por via de instituto feudal.
O mesmo se dá no modo de produção capitalista. O camponês ou o artesão independentes são divididos em duas pessoas.
“Nas pequenas empresas o patrão é muitas vezes seu próprio trabalhador” (Storch, t. I, ed. de Petersburgo, p. 242).
Como possuidor dos meios de produção é capitalista, como trabalhador é assalariado de si mesmo. Como capitalista paga o salário a si mesmo e extrai o lucro de seu capital, isto é, explora a si mesmo como assalariado e se paga com a mais-valia o tributo que o trabalho deve ao capital. Talvez ainda se pague uma terceira parte como dono da terra (renda fundiária), do mesmo modo que, como veremos mais tarde, o capitalista industrial, quando trabalha com capital próprio, paga juros a si mesmo, considerados como coisa que deve a sua pessoa não como capitalista industrial, mas como capitalista puro e simples.
A destinação econômico-social dos meios de produção na produção capitalista — expressando determinada relação de produção — se entrelaça tanto com a existência material desses meios de produção como tais e, segundo o modo de ver da sociedade burguesa, é dela tão inseparável, que aquela destinação (destinação categórica) é também aplicada onde à relação diretamente a contradiz. Os meios de produção só se tornam capital, ao ficarem independentes, como força autônoma em face do trabalho. No caso referido, o produtor — o trabalhador — é possuidor, proprietário dos meios de produção. Esses meios não são capital, nem o produtor perante eles é assalariado. Não obstante são considerados capital, e o próprio produtor se biparte e, desse modo, como capitalista emprega a si mesmo como assalariado.
Na realidade, essa concepção, por mais irracional que seja à primeira vista, é contudo correta ate certo ponto. Sem dúvida, o produtor cria, no caso considerado, a própria mais-valia (supõe-se que vende sua mercadoria pelo valor), ou seja, o produto todo só materializa o próprio trabalho. Poder ele, porém, tomar para si mesmo o produto inteiro do próprio trabalho e um terceiro, o patrão, não se apropriar do excesso do valor do produto acima do preço médio de sua jornada de trabalho, é mercê que deve não a seu trabalho — que não o distingue de outros trabalhadores — e sim à propriedade dos meios de produção. Assim, é por força da propriedade destes que se apodera do próprio trabalho excedente e, como seu próprio capitalista, consigo mesmo se relaciona na qualidade de assalariado.
A dissociação patenteia-se a relação normal nessa sociedade. Onde não se verifica de fato, presume-se que exista e, como acabamos de ver, de maneira correta até certo ponto; pois (distinguindo-se, por exemplo, de condições existentes em Roma Antiga, Noruega ou Noroeste dos Estados Unidos) o que aparece aqui como fortuito é a união, e como normal, a dissociação: daí manter-se a dissociação como relação, mesmo quando a pessoa congrega as diferentes funções. Sobressai ai de maneira contundente a circunstância de o capitalista como tal ser apenas função do capital e o trabalhador, função da força de trabalho. É pois lei que o desenvolvimento econômico reparta essas funções por pessoas diferentes; e o artesão ou camponês, que produz com os próprios meios de produção, ou se transformará pouco a pouco num pequeno capitalista, que também explora trabalho alheio, ou perderá seus meios de produção (de início, isso pode ocorrer, embora permaneça proprietário nominal, como no sistema de hipotecas) e se converterá em trabalhador assalariado. Esta é a tendência na forma de sociedade onde predomina o modo de produção capitalista.
VII – Definição acessória do trabalho produtivo: trabalho que se realiza em riqueza material
Ao observar as relações essenciais da produção capitalista podemos portanto supor que o mundo inteiro das mercadorias, todos os ramos da produção material — da produção da riqueza material — estão sujeitos (formal ou realmente) ao modo de produção capitalista (pois, essa tendência se realiza cada vez mais, e é, por princípio, o objetivo, e só com aquela sujeição se desenvolvem ao máximo as forças produtivas do trabalho). De acordo com esse pressuposto, que denota o limite e assim tende a ser cada vez mais a expressão exata da realidade, todos os trabalhadores ocupados na produção de mercadorias são assalariados, e todos os meio de produção os enfrentam, em todas as esferas, na qualidade de capital. Pode-se então caracterizar os trabalhadores produtivos, isto é, os trabalhadores que produzem capital, pela circunstâncias de seu trabalho se realizar em mercadorias, em produtos do trabalho, em riqueza material. E assim Ter-se-ia dado ao trabalho produtivo uma segunda definição, acessória, diversa da característica determinante, que nada tem a ver com o conteúdo do trabalho e dele não depende.
VIII – Presença do capitalismo no domínio da produção imaterial
A produção imaterial, mesmo quando se dedica apenas à troca, isto é, produz mercadorias, pode ser de duas espécies:
1 Resulta em mercadorias, valores de uso, que possuem uma forma autônoma, distinta dos produtores e consumidores, quer dizer, podem existir e circular no intervalo entre produção e consumo como mercadorias vendáveis, tais como livros, quadros, em suma, todos os produtos artísticos que se distinguem do desempenho do artista executante. A produção capitalista aí só é aplicável de maneira muito restrita, por exemplo, quando um escritor numa obra coletiva – enciclopédia, digamos — explora exaustivamente um bom número de outros. Nessa esfera, em regra, fica-se na forma de transição para a produção capitalista, e desse modo os diferentes produtores científicos ou artísticos, artesãos ou profissionais, trabalham para um capital mercantil comum dos livreiros, uma relação que nada tem a ver com o autêntico modo de produção capitalista e não lhe está ainda subsumida, nem mesmo formalmente. É a coisa em nada se altera com o fato de a exploração do trabalho ser máxima justamente nessas formas de transição.
2. A produção é inseparável do ato de produzir, como sucede com todos os artistas executantes, oradores, atores, professores, médicos, padres etc. Também aí o modo de produção capitalista só se verifica em extensão reduzida e, em virtude da natureza dessa atividade, só pode estender-se a algumas esferas. Nos estabelecimentos de ensino, por exemplo os professores, para o empresário do estabelecimento podem ser meros assalariados; há grande número de tais fábricas de ensino na Inglaterra. Embora eles não sejam trabalhadores produtivos em relação aos alunos, assumem essa qualidade perante o empresário. Este permuta seu capital pela força de trabalho deles e se enriquece por meio desse processo. O mesmo se aplica às empresas de teatro, estabelecimentos de diversão etc. O ator se relaciona com o público na qualidade de artista, mas perante o empresário é trabalhador produtivo.
Todas essas manifestações da produção capitalista nesse domínio, comparadas com o conjunto dessa produção, são tão insignificantes que podem ficar de todo despercebidas.
IX – O problema do trabalho produtivo visto do ângulo do processo global da produção material
Com o desenvolvimento do modo de produção especificamente capitalista, onde muitos trabalhadores operam juntos na produção da mesma mercadoria, tem naturalmente de variar muito a relação que seu trabalho mantém diretamente com o objeto da produção. Por exemplo, os serventes de fábrica mencionados antes, nada têm a ver diretamente com a transformação da matéria-prima. Estão a maior distância os trabalhadores que supervisionam os que estão diretamente empenhados nessa transformação; o engenheiro tem por sua vez outra relação e em regra trabalha apenas com a mente etc. Mas o conjunto desses trabalhadores que possuem força de trabalho de valor diverso, embora a quantidade empregada permaneça mais ou menos a mesma, produz resultado que, visto como o resultado do mero processo de trabalho, se expressa em mercadoria ou num produto material; e todos juntos, como órgão operante, são a máquina viva de produção desses produtos; do mesmo modo, considerando-se o processo global de produção, trocam o trabalho por capital e reproduzem o dinheiro do capitalista como capital, isto é, como valor que produz mais-valia, como valor que acresce.
É mesmo peculiar ao modo de produção capitalista separar os diferentes trabalhos, em conseqüência também o trabalho mental e o manual — ou os trabalhos em que predomina um qualificativo ou o outro — e reparti-los por diferentes pessoas, o que não impede que o produto material seja o produto comum dessas pessoas ou que esse produto comum se objetive em riqueza material; tampouco inibe ou de algum modo altera a relação de cada uma dessas pessoas com o capital: a de trabalhador assalariado e, no sentido eminente, a de trabalhador produtivo. Todas essas pessoas estão não só diretamente ocupadas na produção de riqueza material, mas também trocam seu trabalho diretamente por dinheiro como capital e, por isso, reproduzem de imediato, além do próprio salário, mais-valia para o capitalista. O trabalho delas consiste em trabalho pago + trabalho excedente não pago.
X – A indústria de transporte, ramo da produção material. O trabalho produtivo na indústria de transporte
Além da indústria extrativa, da agricultura e da manufatura, ainda existe, na produção material, uma quarta esfera que passa também pelos diferentes estádios de empresa artesanal, manufatureira e da indústria mecânica; é a indústria de locomoção, transporte ela pessoas ou mercadorias. A relação do trabalhador produtivo, isto é, do assalariado com o capital é a mesma das outras esferas da produção material.
Demais, produz-se aí alteração material no objeto de trabalho — alteração espacial, de lugar. Quanto ao transporte de pessoas temos aí apenas serviço que lhes é prestado pelo empresário. Mas, a relação entre comprador e vendedor desse serviço nada tem a ver com a relação entre os trabalhadores produtivos e o capital, como tampouco o tem a relação entre vendedor e comprador de fio.
Se, porém, consideramos o processo no tocante às mercadorias, sucede então no processo de trabalho alteração no objeto de trabalho, a mercadoria. A existência espacial dele altera-se, e assim ocorre modificação em seu valor de uso, por se modificar a existência espacial desse valor de uso. Seu valor de troca aumenta na medida do trabalho exigido por essa alteração de seu valor de uso; parte dessa soma de trabalho é determinada pelo desgaste do capital constante, isto é, pelo montante de trabalho materializado que entra na mercadoria, e parte, pelo montante de trabalho vivo, como no processo de acrescer o valor de todas as demais mercadorias.
Quando a mercadoria chega ao lugar de destino, essa alteração ocorrida no valor de uso desapareceu e se expressa apenas no valor de troca mais elevado, no encarecimento dela. E o trabalho real, embora não tenha deixado vestígio algum no valor de uso, realiza-se no valor de troca desse produto material, e assim, para essa indústria, como para as outras esferas da produção material, o trabalho se corporifica na mercadoria, embora não tenha deixado traço visível em seu valor de uso.
Aqui nos limitamos apenas a tratar do capital produtivo, isto é, do capital empregado no processo de produção imediato. Mais tarde cuidaremos do capital no processo de circulação. E só depois, ao considerar a figura particular que o capital assume como capital mercantil, será possível determinar até que ponto os trabalhadores por ele empregados são produtivos ou improdutivos. 131
Notas
121 Marx refere-se ao capítulo “Subsunção formal e subsunção real do trabalho ao capital”(caderno XXI, pp. 1306-1316), que, no manuscrito, vem antes deste capítulo. Sobre o assunto ver O Capital, Ed. Civilização Brasileira, livro 1, vol. 2, pp. 584-586 e 854-856.
122 Já em Zur Kritik der Politischen Oekonomie (1859) mostra Marx que, na sociedade burguesa, a mistificação das relações sociais extrema-se particularmente no dinheiro, e que a cristalização da riqueza, fetiche na forma de metais preciosos, é característica da sociedade burguesa (ver MEW, band 13, pp. 35, 130 e 131). Marx analisa o processo de fetichização das relações sociais burguesas no vol. 5 desta tradução (aditamento “Renda e suas fontes”, 1. E 4.). Ver O Capital, Ed. Civilização Brasileira, livro 1, pp. 84. 101-104.
123 Para exprimir a subordinação do trabalho ao capital utiliza Marx um dos seguintes verbos: unterwerfen (submeter), unterordnen (subordinar) e subsumieren (subsumir). A esses verbos correspondem os substantivos Unterwerfung (submissão), Unterodnung (subordinação) e Subsumtion (subsunção). Nesta tradução, subsumierem e Subsumtion são sempre vertidos para as correspondentes formas portuguesas subsumir e subsunção.
124 Marx utiliza, para designar mais-valia, a letra grega ∆ (delta), empregada em matemática para significar acréscimo. Mais adiante designa mais-valia por h.
125 Aí e a seguir Marx designa a mais-valia por x.
126 Em si = virtualmente, potencialmente, em essência.
127 Marx refere-se ao cap. “Troca de trabalho. Processo de trabalho.
Processo de produzir mais-valia” (pp. 21-53 do caderno 1 do manuscrito), seção “Unidade do processo de trabalho e do processo de produzir mais-valia” (pp. 49-53, do manuscrito). Ver O Capital, Ed. Civilização Brasileira, livro 1, p. 222.
128 Trata-se das seções do capítulo citado na nota anterior, “Valor da força de trabalho. Mínimo de salário ou salário médio” (manuscrito, pp.
21-25) e “Troca entre dinheiro e força de trabalho” (ib., pp. 25-34). No caderno XXI, pp. 1312-1314 do manuscrito estuda Marx o “preço do trabalho". Ver O Capital, Ed. Civilização Brasileira, livro 1, vol. 2, pp. 617 e segs.
129 Palavras entre parênteses colocadas pelo tradutor.
130 Apresentam-se aí em português as 4 formas de relações contratuais do direito romano: Do ut facias, facio ut facias, facio utdes, do ut des.
131 Ver O Capital, Ed. Civilização Brasileira, livro 2, pp. 132-155, e livro 3, vol. 5, pp. 324-347.
1. MARX, K. O Capital.
Livro 4 – Teorias da Mais Valia. Volume 1. São Paulo: Bertrand Brasil, 1987.
Último Capítulo [sem nº] Produtividade do Capital. Trabalho produtivo e improdutivo – pp. 384-406.