Em apenas um mês, o presidente Barack Obama foi obrigado a demitir, por insubordinação, o general Stanley McChystal, que ele havia nomeado e que era o símbolo da “nova” estratégia de guerra do seu governo. E, agora, enfrenta um dos mais graves casos de vazamento de informação da história militar norte-americana, com detalhes sanguinários das tropas e acusações de que o Paquistão – seu principal aliado na área – é quem prepara e sustenta os guerrilheiros talibãs.

Depois do envio de mais 30 mil soldados norte-americanos, em 2010, a situação militar dos aliados não melhorou: os ataques talibãs são cada vez mais numerosos e ousados e o número de mortos é cada vez maior. Por outro lado, o apoio da opinião publica norte-americana e mundial é cada vez menor, e alguns dos principais aliados dos EUA, como a Holanda e o Canadá, já anunciaram a retirada de suas tropas. O próprio Reino Unido vem sinalizando na mesma direção.

Há algum tempo, o general Dan McNeil, antigo comandante aliado, declarou à revista alemã Der Spiegel que seriam necessários 400 mil soldados para ganhar a guerra. Talvez por isso, quase ninguém mais acredite na possibilidade de uma vitória definitiva.

Por outro lado, o governo do presidente afegão Hamid Karzai está cada vez mais fraco e corrompido pelo dinheiro da droga e da ajuda americana, a sociedade afegã está dividida entre seus “senhores da guerra”, e o atual Estado afegão só se sustenta com a presença das tropas estrangeiras.

Lugar errado

E, por fim, a luta no Afeganistão contra as redes terroristas e contra a Al-Qaeda de Osama bin Laden também vai mal e está sendo travada no lugar errado. Hoje, está claro que os talibãs não participaram dos atentados de 11 de setembro, nos EUA, e estão cada vez mais distantes da Al-Qaeda e das redes cuja liderança e sustentação está, sobretudo, na Somália, no Iêmen e no vizinho Paquistão.

Quase todos os estrategistas consideram que seria mais eficaz a retirada das tropas e o rastreamento e controle a distância das redes terroristas que ainda existam no território talibã. Resumindo: a possibilidade de vitória militar é infinitesimal; os talibãs não defendem ataques terroristas contra os EUA e não dispõem de armas de destruição de massa; e não existem interesses econômicos estratégicos no território afegão. Por isso, a guerra do Afeganistão se transformou numa incógnita para os analistas políticos e militares.

Do nosso ponto de vista, entretanto, a explicação da guerra e qualquer prospecção sobre o seu futuro requerem uma teoria e uma análise geopolítica de longo prazo sobre a dinâmica das grandes potências que lideram ou comandam o sistema mundial desde sua origem na Europa, nos séculos XV e XVI.

Em síntese:

i) nesse sistema mundial “europeu”, nunca houve nem haverá “paz perpétua”, porque precisa da preparação para a guerra e das próprias guerras para se ordenar e expandir;

ii) nesse sistema, suas “grandes potências” sempre estiveram envolvidas numa espécie de guerra permanente. E no caso da Inglaterra e dos EUA, que, desde o início da sua expansão mundial – em média – começaram uma nova guerra a cada três anos;

iii) além disto, este mesmo sistema sempre teve um “foco bélico”, uma espécie de “buraco negro”, que se desloca no espaço e no tempo e que exerce uma força destrutiva e gravitacional sobre todo o sistema, mantendo-o junto e hierarquizado. Depois da Segunda Guerra Mundial, este centro gravitacional saiu da própria Europa e se deslocou na direção dos ponteiros do relógio: para o Nordeste e Sudeste Asiático, com as guerras da Coreia e do Vietnã, entre 1951 e 1975; e depois, para a Ásia Central, com as guerras entre o Irã e o Iraque, e contra a invasão soviética do Afeganistão, durante a década de 1980; com a Guerra do Golfo, no início dos anos 1990; e com as guerras do Iraque e do Afeganistão, nesta primeira década do século XXI.

iv) deste ponto de vista, pode-se prever que a Guerra do Afeganistão deverá continuar, mesmo sem perspectiva de vitória, e que os EUA só se retirarão do território afegão, quando o “epicentro bélico” do sistema mundial puder ser deslocado, provavelmente, na mesma direção dos ponteiros do relógio.

*José Luís Fiori é professor titular do Instituto de Economia da UFRJ.

Fonte: Opera Mundi