60% dos americanos apoiam “gastos públicos adicionais para criar emprego e estimular a economia”, e 38% opõem-se.

Se prestou atenção a esta última década, não ficará surpreendido por saber que as elites políticas nacionais estão a caminho de uma discussão destrutiva, arcaica e desarticulada sobre o futuro da nação. Mas mesmo para o baixos padrões do sistema de Washington, o crescente pânico da dívida governamental é chocante.

Primeiro, os factos. Quase todo o défice deste ano e aquele projectado a curto e médio prazos são o resultado de três coisas: a guerras do Afeganistão e do Iraque; os cortes nos impostos na era Bush e a recessão. A solução para a nossa situação fiscal é: terminar as guerras, permitir que os cortes fiscais expirem, e restaurar um crescimento robusto. O nosso défice estrutural a longo prazo requer um controlo da inflação no sistema de saúde, como o que sistema de pagador único faz.

Contudo, agora enfrentamos uma crise de desemprego que ameaça lançar-nos num longo e feio período de baixo crescimento, uma espécie de década perdida que causará uma miséria tremenda degradando o capital humano do país, minando uma geração de jovens trabalhadores e esburacando a conta do governo no banco. A melhor hipótese que temos de nos livrar deste cenário é mais investimento público para tornar a economia saudável. Esta pode estar viva, mas não significa que esteja em boas condições. Existe uma razão para continuarmos a tomar antibióticos mesmo quando já nos sentimos melhor.

No entanto, os tambores dos histéricos do défice, abafados pelo seu pânico moralista, crescem a cada dia. A julgar pelo horário e pelos vídeos online, o Festival Aspen Ideas deste ano foi uma orgia ao ar livre de queixumes anti défice. O festival deu uma boa perspectiva das preocupações das elites e o facto de o seu fórum de abertura contar com a presença de Niall Ferguson, Mort Zuckerman e David Gergen não é bom sinal. Também não augura nada de bom o painel designar-se “Emergência Fiscal Eminente dos EUA: como equilibrar as contas.” Esta atitude não se fica pelos críticos. Os dirigentes da comissão fiscal da administração Obama designaram o défice projectado de “cancro”.

A histeria chegou a tal ponto que os senadores republicanos (juntamente com o senador Democrata, Ben Nelson) impediram uma extensão do subsídio de desemprego porque não seria compensada por cortes na despesa. Reparem que o custo da extensão para pessoas suficientemente azaradas para serem apanhadas na pior recessão desde há 30 anos era de 35 mil milhões de dólares. A lei aumentaria a dívida em 0,3%.

Isto parece tudo sinistramente familiar. A conversa – se é que se pode chamar isso – sobre défices faz lembrar a conversa sobre a preparação da invasão do Iraque. De um dia para o outro, o que era antes aceitável para o sistema – Saddam Hussein – tornou-se inaceitável, uma crise tão urgente como esta que “pessoas sérias” foram convocadas para darem as suas ideias sobre como lidar com a situação. Uma vez que o ónus da prova mudou daqueles que favoreciam a guerra para aqueles que se opunham a ela, o debate perdeu-se.

Estamos na mesma posição no que respeita à dívida. Entre uma taxa oficial de 9,5% de desemprego e uma contracção global, não deveríamos falar de défices a curto prazo. Contudo, nestes dias, entrar para o clube dos “sérios” significa não um plano para reduzir o desemprego, mas um plano para lidar com o ataque invísivel, imaterializado e internacional ao dólar por parte dos especuladores.

Talvez o aspecto mais notável da defesa da Guerra do Iraque foi o seu falso pretexto. Nunca foi acerca da armas de destruição maciça (ADM) como admitiu Paul Wolfowitz. As ADM foram “aquilo com que toda a gente concordava.” O mesmo acontece com o défices. Os conservadores e os neoliberais não se importam realmente com os défices; importam-se com a austeridade, com extirpar o Estado Previdência e redistribuir a riqueza para os de cima. É esse o objectivo. Défices são apenas um denominador comum, as ADM desta crise artificial. O senador John Kyl do Arizona, numa entrevista à Fox, admitiu exactamente isto. Todos os novos aumentos nos gastos têm de ser contrabalançados, disse ele, mas “nunca se deve ter de contrabalançar o custo da decisão de cortar os impostos para os Americanos.” Aqui está.

Lembrem-se que a Guerra do Iraque poderia ter sido evitada se mais congressistas democratas se tivessem oposto a ela. Em vez disso, muitos dos que sabiam que toda a empresa era um desastre colossal, cederam perante à pressão da direita e dos falcões. Esse erro está a ser repetido. Apesar do reconhecimento por parte dos economistas da Casa Branca da necessidade de estímulos perante o alto desemprego, o New York Times noticiou que os estrategas políticos, David Axelrod e Rahm Emanuel, decidiram que o público não tem inclinação para o aumento da despesa. “O meu trabalho é relatar qual é a opinião pública,” explicou Axelrod. Posteriormente, surgiu no programa da ABC, This Week, com uma bandeira branca dizendo que o presidente continuaria a pressionar para uma extensão do subsídio de desemprego. Todavia, omitiu a ajuda aos governos estatais que estavam originalmente incluídos na carta presidencial de Junho ao Congresso pedindo um novo pacote de estímulos.

No entanto, ainda há esperança: o público não está tão obcecado com o défice como os de Washington. De acordo com a sondagem USA Today/Gallup, 60% dos americanos apoiam “gastos públicos adicionais para criar emprego e estimular a economia”, e 38% opõem-se. A sondagem Hart Research Associates publicada em Junho mostrou que dois terços dos cidadãos estão a favor da continuidade das prestações aos desempregados. Há pouco apetite pela “reforma das pensões”, mais conhecida como “cortes na Segurança Social”.

A lição da Guerra do Iraque é que a longo prazo, boa política e boas políticas não podem ser separadas. Se a Casa Branca está tentada a apoiar más políticas no curto prazo porque lhe parece ser menos arriscado politicamente, deveria telefonar a Kerry e perguntar-lhe como é que foi para ele na altura do Iraque.

15 de Julho de 2010

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Fonte: The Nation, no Esquerda.net

Tradução de Sofia Gomes para o Esquerda.net