Espinoza e a legislação florestal
Um dos principais pontos de conflito em torno da proposta da nova legislação florestal, atualmente em tramitação no Congresso, se refere à preservação de matas ciliares (aquelas que se desenvolvem ao longo de rios, riachos, lagos etc). Uma faixa de 30 metros deveria ser preservada, de acordo com o desejo de ambientalistas, independentemente do tamanho da propriedade, da região etc.
A proposta inicial do deputado Aldo Rebelo para a nova legislação florestal interfere com essa doutrina inflexível. Foi ele então atacado violentamente, como, aliás, é de hábito, por ONGs e ambientalistas avulsos, acusado de estar fazendo o jogo dos ruralistas.
Para analisar esse problema ético, recorremos à obra de Espinoza, principalmente àquela intitulada "Ethica Ordine Geometrico Demonstrata". Um rio que corta ou ladeia uma propriedade cresce linearmente com as dimensões de uma propriedade, enquanto sua área cresce com o quadrado de uma de suas dimensões, se a propriedade aumentar mantendo sua forma geométrica.
Com isso, perdas de terra decrescem geometricamente com o aumento das dimensões de uma propriedade. Tomemos um exemplo: uma propriedade quadrada de um hectare, ladeada por um rio em um dos lados, perderia 30% da área para cultivo, enquanto uma outra área com 10 mil hectares, com a mesma geometria, tem apenas 0,3% de sua área preservada.
Nessas condições, podemos concluir que, mesmo esquecendo o passado implacavelmente reto do deputado Aldo Rebelo, as críticas a ele feitas são injustas, pois os números demonstram que as beneficiadas pela sua proposta seriam as pequenas propriedades e a agricultura familiar, não os ruralistas, o latifúndio, a agroindústria. É um resultado incontestável, pois é pura geometria.
Essa irracional exacerbação de ânimos ocorre principalmente quando provas concretas não existem. O ambientalismo brasileiro acabará se desmoralizando se continuar nessa rota dogmática. É preciso lembrar que, afinal, o homem também é espécie a ser preservada.
A segunda questão polêmica foi a remoção da obrigatoriedade de reflorestamento de áreas desmatadas. Ora, esta seria penalidade retroativa e, portanto, juridicamente contestável, além de inviável na prática. Embora desmatar na região da Amazônia seja crime, exigir reflorestamento retroativamente seria enfraquecer a legislação para aplicações futuras.
Por outro lado, também é uma infelicidade que se avoque neste século 21 a importância econômica da biodiversidade. Os cientistas, os tecnólogos e os empresários brasileiros já são capazes de desenvolver e produzir novas moléculas.
Até meados do século passado, o homem recorria à natureza para obter produtos medicinais e outros.
Hoje, a inteligência e a diligência humana fizeram com que criássemos nossos fármacos a partir de matérias-primas abundantes, inclusive da biomassa, por sínteses de moléculas complexas, tornando obsoletos os métodos extrativistas, e sem recorrer à criatividade errática da natureza, cujas criações servem aos seus próprios propósitos, e não aos da humanidade.
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Físico, é professor emérito da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), presidente do Conselho de Administração da ABTLuS (Associação Brasileira de Tecnologia de Luz Síncrotron).
Fonte: jornal Folha de S. Paulo