É uma boa hora para revisitar certos mitos sobre as pesquisas e discutir idéias que parecem certas, mas que escondem equívocos. Há coisas que se dizem para ajudar o cidadão a compreendê-las, mas que só atrapalham.

Quase todo mundo desconfia de que seja possível apontar o que pensa o eleitorado brasileiro a partir de amostras que raramente passam de 2,5 mil entrevistados. Somos mais de 135 milhões de pessoas aptas a votar, e é difícil imaginar que uma amostra que não chega a 20 milionésimos do universo o retrate adequadamente.

Outra coisa que confunde é ver que 2,5 mil entrevistas servem para que os institutos falem tanto do Brasil, quanto de um estado ou cidade. É intuitivo supor que, à medida que aumenta o tamanho do universo, deveria aumentar o tamanho da amostra. Se 2,5 mil são necessárias para representar, por exemplo, a cidade de São Paulo, muito mais seria exigido para falar do estado ou do país.

Os pesquisadores costumam responder a essas dúvidas com a analogia da sopa: uma colher basta para testar seu gosto, não sendo necessário tomar a panela inteira. Mais ainda: não interessa se são 10,100 ou 1000 litros de sopa. Uma colher continua bastando.

É uma analogia que parece boa, mas que é limitada. Ao contrário da sopa, que é igual em qualquer lugar da panela de onde se tire uma colherada, o eleitorado não é homogêneo. Ou seja, nem toda colherada o representa bem.

Prosseguindo com as analogias gastronômicas, seria melhor dizer que as amostras devem ser como o prato que o freguês de um restaurante de comida a quilo monta quando quer conhecê-lo: uma colherada de cada tipo de alimento, sem exagerar em nenhum. Se só colocar macarrão ou se não provar nenhuma sobremesa, como poderia avaliar o cardápio inteiro?

As discrepâncias entre as pesquisas, que ficaram visíveis em diversas oportunidades ao longo do ano, resultam, principalmente, de diferenças na amostragem. Há institutos que incluem todos os segmentos do eleitorado em suas amostras e outros que não. Aqueles que, por exemplo, só entrevistam eleitores que possuem telefone e que não ouvem quem mora em áreas rurais.

Outra ideia comum sobre as pesquisas é que elas são “fotografias de momento”, sem capacidade explicativa ou preditiva. Em parte, é uma banalidade, uma verdade acaciana. Em parte, uma confissão de incompetência.

Quando, por exemplo, um lugar está no meio da neblina, o melhor fotógrafo, mesmo se usar a melhor câmera, só conseguirá uma imagem borrada. Não importa a lente, ela não ficará nítida. Mas isso, ainda bem, não é o mais frequente.

Imaginemos a fotografia de um automóvel, no meio de uma estrada, com as janelas fechadas e um vulto ao volante. À frente, um precipício. Tudo sugere que, se o carro estiver em movimento (como parece) e se não mudar a rota, vai cair. Com apenas essa foto, qualquer um suspeita que um desastre é iminente.

E se houver uma segunda, mostrando que o carro avançou, aproximando-se 10 metros do abismo? E outra, com uma distância ainda menor? E mais outra?

Pesquisas só são fotografias estáticas se não as conseguirmos entender. Com a vasta informação de que dispomos, é perfeitamente possível falar, com base nelas, sobre o que tende a ocorrer em uma eleição.

Ceticismos (“nunca fui entrevistado e não conheço ninguém que tenha sido”), perplexidades (“como é possível falar de todo o Brasil com tão poucas entrevistas?”) e falsas noções (“pesquisas são retratos do passado, que nada dizem sobre o futuro”) são comuns sobre as pesquisas. Mas elas são um elemento central na cultura política moderna. Bom seria se todos conseguíssemos utilizá-las corretamente (sem querer delas nem demais, nem de menos), em escolhas tão importantes quanto as que faremos no dia 3 de outubro.

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Marcos Coimbra é sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi

Fonte: jornal Correio Braziliense