História do Senado brasileiro – parte 1
As origens remotas do Senado
Ficando apenas na modernidade – sem nos aventurarmos pelos tempos da Grécia e Roma antigas, onde nasceu essa instituição – podemos dizer que as três grandes referências dos nossos legisladores, quando iniciaram a montagem do senado imperial brasileiro, foram: a Câmara dos Lordes inglesa, o Senado estadunidense e o Conselho de Anciões francês. Eles procuraram construir um hibrido dessas instituições.
De antemão, devemos dizer que todas essas casas legislativas (as câmaras altas) foram criadas para cumprir objetivos conservadores. Visava impedir – ou dificultar ao máximo – o predomínio dos interesses populares na arena política, no Estado. Numa primeira fase, voltava-se contra o ascenso da burguesia e da pequena-burguesia liberal-democráticas e, depois, do jovem proletariado.
A Câmara dos Lordes
A Câmara dos Lordes é a Câmara Alta do parlamento inglês. Como o nome já diz: ela é composta por membros da alta nobreza, além dos bispos e arcebispos. Seus membros não são eleitos pelo voto popular, e sim indicados pelo próprio Rei. Os cargos eram vitalícios e hereditários, passavam de pai para filho. Outro detalhe importante: os lordes ingleses não eram remunerados. Eles exerciam suas funções quase como um hobby, pois viviam das rendas provindas de suas terra e de outros negócios.
Recriada no século XIV, no reinado de Eduardo III, chegou a ser fechada durante os conturbados anos da revolução inglesa, quando foi proclamada a República sob o rígido comando de Oliver Cromwell. O decreto de fechamento, aprovado pela Câmara dos Comuns, dizia: “Os comuns julgam, por experiência demasiada longa, que a Câmara dos Lordes é inútil e perigosa ao povo da Inglaterra”.
Depois do refluxo revolucionário e a volta da monarquia constitucional, a Câmara dos Lordes foi restabelecida. Naquele tempo o seu poder era maior do que o da Casa dos Comuns, parlamento ordinário eleito por sufrágio censitário. As grandes lutas democráticas e populares, ao longo dos séculos XIX e XX, ampliaram o direito ao voto e fortaleceram os “comuns”, em detrimento dos “lordes”. Mas, mesmo assim, estes não perderam completamente sua influência política e social.
No século XIX, como nos anteriores, a Câmara dos Lordes foi sempre um obstáculo à ampliação dos direitos políticos dos cidadãos ingleses. Recusou-se, até mesmo, aprovar as reformas que pretendiam reduzir o valor do censo para permitir que setores da burguesia pudessem ter direito ao voto. O rei teve que ameaçá-la com a criação de 80 novos “postos” na nobreza – recrutando-os entre burgueses e aristocratas favoráveis às reformas. Este ardil seria utilizado outras vezes; por exemplo, quando o governo quis estabelecer um imposto sobre as grandes propriedades rurais.
Os lordes passaram, gradualmente, ter reduzido o seu poder de obstruir as decisões da Câmara dos Comuns. Diminuído, mas não eliminado. As diversas propostas de fechamento da Câmara Alta ou de, pelo menos, dar a ela um caráter eletivo, não conseguiram o apoio político necessário. Em tempos recentes tentou-se retomar a campanha “Eleja os Lordes!”. Sem dúvida, existem as correntes socialistas republicanas que apregoam: “fora os lordes e a monarquia!”
O Senado dos Estados Unidos
O Senado dos Estados Unidos é fruto da convenção constitucional de 1787, pós-revolução da independência. O chamado “compromisso de Connecticut” decidiu pela criação de duas câmaras separadas. Uma formada proporcionalmente a partir do número de eleitores de cada estado (Câmara dos Deputados) e, outra, na qual todos Estados teriam o mesmo número de assentos (Senado). Os membros desta última casa seriam eleitos não diretamente pelo povo, mas pelas assembléias estaduais. A nova constituição federal foi ratificada em 1788. Um dos fundadores da República afirmou que o Senado deveria ser “a cerca necessária contra a instabilidade e a paixão”.
O aumento desproporcional da população dos estados nortistas, onde não havia escravidão, criaram uma tensão permanente no interior do Congresso dos Estados Unidos. A maioria dos deputados, eleita proporcionalmente, tendia ser contrária à escravidão e os senadores favoráveis, ainda que por pequena maioria. Mas, esta minoria tinha poder suficiente para barrar a reforma servil.
Havia um grande esforço político para incorporar novos estados à federação e tentar mudar a correlação de forças no interior do Senado. Estas tentativas foram causas de inúmeros conflitos entre escravistas (do sul) e antiescravistas (do norte), que desembocaram numa sangrenta guerra civil: a Guerra da Secessão (1861 e 1865).
Finalizada a guerra, o Senado estadunidense passou por uma fase de forte desprestígio. Era tido como uma guilda das elites econômicas e sociais, afastada dos verdadeiros interesses populares. Os sucessivos escândalos de corrupção tomavam conta da imprensa liberal. Iniciou-se, então, uma campanha nacional para que os senadores também fossem eleitos diretamente pelos habitantes dos estados que pretendiam representar. Finalmente, o sufrágio direto e universal para o Senado foi conquistado em 1913 às vésperas da I Grande Guerra Mundial.
Ao longo do século XX, os senadores acabaram se tornando mais influentes e respeitados que os deputados. No Senado passou localizar-se a verdadeira elite política do grande império norte-americano. Muitos dos seus membros se elegeriam para presidência da República.
O Conselho dos Anciãos e o Senado Conservador na França
Existiu outra experiência menos conhecida que, decerto, influenciou a constituição do Senado no Brasil. Refiro-me ao Conselho de Anciões e o Senado Conservador francês. Com a derrota da ala radical da revolução francesa, representada pelos jacobinos, os setores mais conservadores (os girondinos) trataram de reformar o Estado, através de uma nova constituição (termidoriana) e criaram uma nova Câmara mais adequada aos seus interesses: o Conselho dos Anciões.
Na França pós-jacobina, a Câmara dos Deputados era composta de 500 membros e estes indicavam os 250 que comporiam o Conselho de Anciões. A escolha, necessariamente, deveria recair sobre os parlamentares mais velhos e experientes. Estes poderiam vetar o que a maioria dos deputados aprovou. Eram os “anciões” que, por exemplo, elegiam os cinco membros do Diretório, uma espécie de poder executivo da República francesa. Como podemos ver, existia, neste caso, uma clara relação entre juventude e o espírito revolucionário. O “termidor” re-introduziu o voto censitário, que tinha sido abolido pelos jacobinos, e pôs fim ao imposto progressivo sobre a riqueza. Sob o Consulado e o Império de Napoleão Bonaparte (1799-1814), este conselho se transformou no Senado Conservador.
O Senado Conservador bonapartista era composto de apenas 80 membros. Segundo a constituição napoleônica de 1799, os senadores eram vitalícios e inamovíveis. Era o próprio Senado que elegia os senadores numa lista tríplice, apresentada (um nome cada) pelo primeiro-cônsul, pelo tribunato (alta corte), pelo corpo legislativo. O primeiro-cônsul ao sair do cargo passava automaticamente a ser senador vitalício.
Como podemos ver, a segunda Câmara (ou Câmara Alta), ao lado do voto censitário e da eleição em dois níveis, foi um instrumento encontrado para minimizar a influência popular no interior do poder público, do Estado. Existia um medo generalizado nas classes dominantes de que o sufrágio universal pudesse constituir câmaras tendentes a eliminar os seus privilégios e instituir formas de organização social de caráter socializante. Para elas democracia era quase que sinônimo de comunismo.