Reuniu-se em Helsinque, com início no dia 22 de junho, a Assembléia Mundial da Paz, conclave de mais alta importância para todos os povos do mundo.

Contou a reunião com 1.841 delegados, representando 68 países, o que vem atestar sobejamente a sua amplitude e profundidade. Além disso, devemos notar que eram homens de múltiplas posições em relação a inúmeros outros problemas, das mais diversas tendências do pensamento e da política, que ali se reuniram para discutir e encontrar caminho e solução para os problemas da Paz mundial. No decurso da mais livre e irrestrita troca de opiniões, esses homens acertaram pontos de vista unânimes relacionados com a defesa da paz.

Os homens da cultura – juntamente com os representantes das demais classes e camadas da sociedade – compareceram ao memorável conclave dando o seu apoio entusiástico à causa da paz entre os povos e do entendimento pacífico. A Inglaterra, representada no particular pelo grande sábio J. Bernal, a França por Laurant Casanova, a URSS, por Ilya Ehremurg e Alexandre Fadeev, Cuba pelo poeta Nicolas Guillen, a República Popular da China por Kuo Mo Jô, a Alemanha por Anna Segheres, a Polônia por Leopold Infeld, além de inúmeros outros homens de cultura de outras partes do mundo, atestam como os intelectuais participaram ativamente da Assembléia. Todos eles conscientes de que a inteligência, a cultura, a ciência e as artes só podem florescer em um clima de paz, estiveram presentes e trabalharam com afinco para que a Assembléia conseguisse alcançar o êxito que alcançou.

Os intelectuais brasileiros também deram sua colaboração e seu trabalho á Assembléia Mundial da Paz. Lá estavam presentes representando os nossos homens da ciência, da literatura e das artes, o professor Josué de Castro, presidente da Organização para a Alimentação e a Agricultura da ONU e prêmio mundial da paz; [o] escritor Jorge Amado; o jurista Abel Chermont e [o] engenheiro Luiz Lobo Carneiro. Fiel às tradições que nos foram legadas através de séculos, nossa intelectualidade mais uma vez reafirmou bem alto seu desejo de paz e de entendimento entre os povos.

No encerramento da Assembléia foi aprovado por unanimidade o apelo que transcrevemos em seguida.

“Apelo de Helsinque”

Pela primeira vez, em dez anos, um mundo dividido, e graças aos esforços da opinião pública, vão encontrar-se os chefes das quatro grandes potências. Eles arcam com o peso de uma esperança universal. Seu primeiro dever será vencer sua desconfiança mútua.

A Assembléia Mundial da Paz, que reuniu os representantes de 68 países, trouxe a certeza de que, apesar das profundas divergências, apesar das diversidades de opinião, um acordo pode ser obtido sobre pontos importantes e que a negociação já pode hoje resolver numerosos problemas.

A opinião pública mundial voltou-se agora contra a política de força, contra os blocos militares, a corrida armamentista e contra o perigo terrificante da guerra atômica. Os acordos de Genebra, o fim da guerra na Indochina, a Conferência de Bandoeng, a neutralidade da Áustria consagrada num tratado, a declaração de Belgrado, são outros tantos frutos deste despertar da opinião pública que se exprimiu na atitude dos governos.

Sobre os problemas do desarmamento e das armas atômicas, até agora congelado por uma posição irredutível, os pontos de vista se aproximaram de tal modo que o acordo não é mais do que uma questão de boa vontade.

Sobre o problema da segurança, os princípios adotados pela Conferência de Bandoeng provaram que, sobre todo um continente, a colaboração pacífica entre países de regimes sociais diferentes pode ser fundamentada sobre noções tais como as que foram proclamadas pela China e pela Índia.

A Assembléia de Helsinque demonstrou que a conferência dos “quatro”, se levar em conta a opinião pública, deve marcar a primeira etapa de uma construção européia garantindo a segurança a todos os Estados da Europa e conduzindo-os ao caminho de uma estreita cooperação econômica e cultural. Essa construção está ligada à reunificação, fora de toda coalizão militar, de uma Alemanha preservada do renascimento do militarismo.

Nesse mesmo espírito, a conferência dos “quatro” deve preparar, pela negociação, a evacuação da ilha chinesa de Taiwan (Formosa) pelas tropas estrangeiras. Ela deve velar pela estrita aplicação dos Acordos sobre a Indochina concluídos em Genebra. Ela deve permitir a Organização das Nacos Unidas se empenhar no caminho da universidade, acolhendo a República Popular da China.

Mas existem ainda forças que se aproveitam da guerra fria e são contrárias à aproximação dos “quatro grandes”. A Assembléia de Helsinque apela à opinião pública de todas as nações do mundo para se opor a essas forças, e para apoiar os negociadores.

A obra de paz pode enfim ser realizada, se as forças pacíficas que consignam os mesmos objetivos – notadamente os movimentos pela paz as grandes formações políticas de inspiração cristã ou de inspiração socialista –, juntam seus esforços para dissipar a desconfiança e ganhar a paz.

Passo a passo as contradições do mundo podem ser resolvidas e as esperanças dos povos realizadas.

COMUNICADO DA COMISSÃO DE INTERCAMBIO CULTURAL

A – Introdução

As ameaças de guerra, em particular a guerra atômica, o agravamento da situação internacional que elas provocam, o clima de tensão aguda que não é mais do que suas conseqüências, tiveram repercussão nefasta sobre nível cultural dos povos, sobre a ciência, as artes e a técnica, sobre a situação moral e material dos intelectuais e artistas.

O sentimento de insegurança, a desconfiança, o temor, a incerteza, constituem, evidentemente, um clima difícil para a criação científica, artística e literária, para o intercâmbio fecundo de personalidades, de obras, de idéias, para o livre desenvolvimento das faculdades criadoras, para o progresso cultural dos povos e para o desabrochar radioso da personalidade humana.

E por este motivo que os intelectuais, os artistas e os técnicos estão fundamentalmente interessados em que se resolva a divergência internacional e se estabeleça a mais ativa e amigável colaboração entre todas nações.

Os homens de cultura presentes á Assembléia Mundial da Paz fazem um apelo a todos os intelectuais e artistas para agirem nesse sentido junto a seus povos, para contribuírem, por sua atividade cultural e sua atividade de cidadãos, ao estabelecimento de um clima internacional de compreensão e de acordo.

Sabem que para isso contribuirá eficazmente a liberação e a multiplicação das trocas culturais entre todos países, qualquer que seja seu regime social. Somente dessa forma, por meio de estreitos laços internacionais, pode ser enriquecida e desenvolvida a cultura comum, a cultura mundial. Assim será criada uma base sólida para a colaboração entre países e à edificação da Paz.

B – Declaração dos Escritores e Artistas

Os escritores e artistas presentes á Assembléia mundial da Paz exprimem sua profunda convicção de que na necessidade de uma política que assegure a liberdade de pensamento e de expressão, a circulação integral das idéias das obras, no plano nacional e internacional.

Consideram que deveriam existir um respeito recíproco pelas culturas nacionais, que é inadmissível todo atentado á integridade dessas culturas, e que é necessário desenvolvê-las e defendê-las.

Consideram como salutares as seguintes medidas:

– Supressão de todas as sanções e censuras, preventivas ou não, literárias, teatrais, artísticas e cinematográficas, salvo no que diz respeito à literatura racista e à incitação ao ódio entre os povos; redução, senão supressão das taxas aduaneiras sobre os livros, obras de arte e todos os materiais que servem à cultural; abolição de todas as medidas de perseguição e de repressão tomadas em relação a escritores, artistas e intelectuais, em conseqüência de sua atitude no que diz respeito à paz; existência nas livrarias de todos os países de mostruário, o mais completo possível, da imprensa e da literatura, com exceção da literatura racista e de incitação à guerra.

– Estabelecimento de um Congresso literário e artístico de coexistência, no qual participariam escritores e artistas de todas as tendências. Este Congresso seria consagrado, primeiramente, ao confronto dos diferentes pontos de vista no que diz respeito à natureza e ao objeto da arte, assim como ao estudo dos diferentes sistemas de organização da edição e difusão das obras.

– Contatos de intelectuais e artistas amantes da paz com outras organizações de cultura existentes na escala nacional e internacional, tendo em vista tentar um esforço comum, particularmente no que concerne ao intercâmbio cultural.

– Organização de concertos e exposições de obras artísticas servindo direta ou indiretamente à causa da Paz, bem como exposição de trabalhos infantis concebidos no mesmo espírito.

– Multiplicação de visitas recíprocas entre artistas de todos países. Para a facilitar conviria recorrer aos governos e a todas organizações culturais para que concedessem com mais largueza bolsas de viagem aos intelectuais e artistas, particularmente quando se tratar de países com regimes diferentes.

C – Declaração dos homens de Ciência

Os homens de ciência presentes à Assembléia Mundial da Paz estão profundamente convencidos de que o desenvolvimento das relações sistemáticas e a cooperação frutuosa entre os cientistas de todos países podem contribuir largamente para a segurança internacional e para a utilização pacífica das descobertas cientificas no interesse da humanidade. Tais relações auxiliarão igualmente o progresso futuro da pesquisa científica.

A Comissão apela às opiniões públicas que demandem dos governos a certeza do livre intercâmbio cientifico e cultural.

A comissão julga que os sábios, quaisquer que sejam suas nacionalidades e concepções científicas, deveriam lutar contra as limitações artificiais existentes no domínio das relações científicas em alguns países.

Condenando estas limitações, os cientistas consideram que é necessário alargar a cooperação cientifica pro todos os meios apropriados, notadamente pelo intercambio de delegações, de publicações, de sábios de diversas especialidades, de visitas e de conferências de professores de todos os países, pelo intercâmbio de estudantes, pela participação efetiva de sábios de diferentes disciplinas em Congressos internacionais especializados, pelo intercâmbio de artigos entre revistas científicas de diferentes países, pela publicação em língua estrangeira de resumos de artigos e de obras científicas de diferentes países, pela publicação em língua estrangeira de resumos de artigos e de obras científicas, para que os sábios de outros países possam tomar conhecimento dessas obras.

A Comissão recomenda que sejam celebrados em todos os países, os aniversários dos grandes homens da ciência que por sua obra, trouxeram contribuições decisivas para a ciência mundial. Ela deseja que seja preparado um plano de aniversários a celebrar, estendendo por um período de três a cinco anos.

A Comissão é de parecer que uma Conferência Internacional de sábios deveria ser convocada, com o objetivo de confrontar os pontos de vista sobre os problemas da liberdade científica, do papel dos sábios no domínio internacional e sua participação na consolidação da paz.

Ela deseja que se realize brevemente uma conferência médica mundial. Convida os especialistas do mundo inteiro a participar da preparação e da publicação de um estudo completo sobre os efeitos nocivos das armas atômicas e termonucleares e sobre as perspectivas positivas que se abrem pela utilização pacífica da energia nuclear.

A Comissão dirige um apelo aos sábios e instituições científicas do mundo inteiro para que se juntem a ela nos protestos contra a utilização e experimentação das armas atômicas e termo-nucleares.

Considera que é dever e responsabilidade dos cientistas, graças aos quais o homem chegou a um domínio crescente das forças da natureza, se opor a que estas forças sejam utilizadas contra a humanidade, no lugar de serem postas a seu serviço.

Compete aos cientistas erguerem-se contra a chantagem da guerra atômica e contra a propaganda de terror daqueles que falam do que chamam “guerra de apertar botões”.

Os cientistas têm também o dever de atrair a atenção do homem público sobre o terrível perigo que representa a continuação dos preparativos para a guerra atômica, que poderá trazer a todos os povos calamidade sem precedentes. O destino dos povos está em suas mãos, eles devem exconjurar esta guerra.

Já há bastante tempo que um fim deve ser posto na loucura criminosa de preparação da guerra atômica. Já há bastante tempo que os sábios, as academias de ciência, as associações científicas, elevam suas vozes e exigem que as forças que representam a energia nuclear, sejam postas exclusivamente a serviço da paz. É com este fim que os cientistas reunidos em Helsinque dirigem um apelo a seus confrades e a seus colegas. Estão persuadidos de que todos os verdadeiros homens de ciência entenderão seu apelo e exigirão como eles que a ciência seja posta inteiramente a serviço da humanidade.

D – Declaração dos engenheiros, arquitetos e urbanistas

Existe um contraste desumano, indigno de nossa civilização, indigno de nós mesmos, entre as riquezas em forças materiais e intelectuais, as capacidades dos técnicos e a miséria atroz da maioria dos seres humanos.

Os engenheiros, urbanistas e arquitetos, presentes à Assembléia Mundial da Paz, denunciam a falta de mais [um] bilhão de locais de habitação, de centenas de milhares de escolas, de hospitais, a insuficiência de serviços sanitários e de serviços públicos e sociais que, desta maneira, envenenam e abreviam a vida da maioria dos homens.

O homem é capaz hoje de realizar coisas admiráveis, mas a melhor criação técnica e os maiores meios no domínio da economia são desperdiçados na preparação da guerra.

Por causa disso exigimos a diminuição progressiva dos orçamentos de guerra, designando os recursos, desta forma liberados, ao plano de reconstrução e ao desenvolvimento econômico, cultural e social dos povos.

Malgrado a insuficiência de recursos, os povos depois de 10 anos se esforçam para reparar as enormes destruições da última guerra mundial. Não tendo ainda terminado a sua obra, estes construtores sentem sobre eles o perigo de uma nova guerra mundial que, no caso de serrem empregadas armas termo-nucleares, causaria ruínas incomensuráveis.

Os engenheiros, urbanistas e arquitetos dirigem-se àqueles que se esforçam para impulsionar a reconstrução de cidades como Varsóvia, Rotterdam, Dresdem, Convertry, Colônia, Stalingrado, Le Havre, Nápoles, Pyong-Yang, Hiroshima e outras, dirigem-se àqueles que querem preservar belas cidades, as mais modernamente equipadas como Zurich, Moscou, Rio de Janeiro, Estocolmo, Helsinque, Los Angeles.

Eles os convidam a se unir para ajudar a estabelecer uma larga corrente de opinião pública com relação às negociações a fim de alijar o perigo de uma nova guerra.

Estas negociações criaram um clima de acordo favorável à elaboração entre os especialistas, colaboração até o presente paralisadas pela divisão do mundo em blocos, pela guerra fria e a má solução dos problemas econômicos.

Nós reclamamos, para a ampliação desta colaboração, relações com os técnicos do mundo inteiro e livre acesso a todas as fontes do saber, a fim de achar as melhores soluções para nossos problemas.

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