Por isso, é preferível “analisar os avanços de cada um, sem comparar nem estabelecer um ranking”, acrescentou este jurista que foi vice-presidente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e acaba de ser eleito para o órgão do bloco integrado por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, mais a Venezuela em processo de adesão plena.

Víctor era diretor do não governamental Centro de Estudos Legais e Sociais em 2001, quando juízes começaram a declarar incondicionais as leis argentinas do Ponto Final e da Obediência Devida, que em meados dos anos 1980 suspenderam os processos contra chefes e centenas de repressores da ditadura (1974-1983). O Supremo Tribunal de Justiça confirmou essas decisões em 2005.

No caso argentino, explicou que os tratados internacionais de direitos humanos, que estabelecem que são imprescritíveis os crimes de lesa humanidade e rechaçam as anistias, foram incorporados à Constituição na reforma de 1994. Além dessa obrigação, existe no país uma jurisprudência “muito receptiva” ao direito internacional, uma característica que também se observa na Colômbia e no Peru. Este sistema legal exige um processo político favorável, acrescentou.

Antes da sentença do tribunal e por iniciativa do governo do então presidente Néstor Kirchner (2003-2007), o parlamento também anulou as chamadas leis do perdão. Com a queda das leis e declaração de nulidade dos indultos aos condenados chefes da ditadura, concedidos no começo do governo de Carlos Menem (1989-1999), foram reabertos os julgamentos por crimes de lesa humanidade da ditadura, que deixou mais de 13 mil desaparecidos forçados já confirmados, embora organizações não governamentais estimem esse número em 30 mil. O último informe da Unidade Fiscal indica que hoje são 654 os repressores julgados e 110 os condenados.

A situação varia no Brasil, Chile e Uruguai, onde continuam vigorando leis de anistia, embora nem sempre sejam um obstáculo à justiça. “Existe uma matriz comum, mas não é em todos os países que os tratados internacionais têm igual hierarquia no sistema legal interno”, disse Víctor.

No Brasil, a incorporação dessas normas internacionais “requer desenvolvimento”, disse. No país, a ditadura (1964-1985) sancionou uma lei de anistia (1979) que continua em vigor e o Poder Executivo e a Justiça se negam a revisá-la. O governo de Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que não fará essa revisão porque a lei trouxe “conciliação e pacificação”. Por outro lado, há a tentativa de criar uma comissão da verdade, que encontra muita resistência entre os militares.

Víctor lembrou o debate sobre a eventual criação de uma comissão para conhecer o destino das vítimas, o que considera um fato positivo. “São processos que permitem um avanço gradual”, destacou. Na justiça brasileira tampouco existe receptividade. Em 2008, a Ordem dos Advogados do Brasil apresentou sem êxito uma ação junto ao Supremo Tribunal Federal para que a anistia deixasse de cobrir casos de tortura e desaparecimento de pessoas.

Diante desses obstáculos, familiares de desaparecidos no caso Araguaia – guerrilha que operou na Amazônia no final da década de 1960 – apelaram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que já enviou o caso ao Tribunal Interamericano de Direitos Humanos, ambos vinculados à Organização dos Estados Americanos (OEA). Consultada pela IPS, a advogada do caso, Beatriz Affonso, do Centro pela Justiça e o Direito Internacional, explicou que o tribunal da OEA não emite sentenças em períodos eleitorais, mas que poderá fazê-lo imediatamente após as eleições do próximo mês.

No Chile também vigora a anistia decretada em 1978 pela própria ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1990), que segundo dados oficiais deixou 1.163 desaparecidos, assassinou 2.023 e levou à prisão e torturou mais de 27 mil. Apesar disso, Víctor afirmou que no Chile a justiça é cada vez mais receptiva a padrões internacionais. “É mais lento do que na Argentina, Colômbia e Peru, porque os tribunais não funcionam de maneira abstrata, mas existe um avanço”, destacou.

Victor fez referência às sentenças do Supremo Tribunal de Justiça, que qualificaram a anistia como inconstitucional e afirmaram que o crime de desaparecimento não prescreve por se tratar de um crime permanente. O Chile também deve enfrentar o tribunal da OEA, que condenou esse país por não investigar nem perseguir os responsáveis pelo crime contra Luis Amonacid, militante do Partido Comunista executado em 1973. A ex-presidente Michelle Bachelet (2006-2010) comprometeu-se a promover sua inaplicabilidade, embora durante sua gestão não tenha sido revogada.

Ainda assim, 783 repressores foram processados e 296 deles condenados, segundo dados oficiais. Além disso, o novo presidente, o direitista Sebastián Piñera, prometeu, em julho, não aplicar a eles a anistia por razões humanitárias, com pediu a hierarquia da Igreja Católica.

Também no Uruguai foi percorrido um longo caminho de tropeços nessa área. O parlamento aprovou, em 1986, a Lei de Caducidade da Pretensão Punitiva do Estado, que deixou fora dos tribunais os repressores que passaram para a reserva e os civis assimilados da última ditadura (1973-1985). Após intensa campanha de coleta de assinaturas, movimentos sociais e a coalizão esquerdista Frente Ampla, hoje no governo, conseguiram, em 1989, submeter a plebiscito sua revogação sem conseguir os 50% de votos necessários. A experiência fracassada se repetiu em 2009.

Entretanto, a lei deixou resquícios. Permite investigar, sem acusar, denúncias para o esclarecimento de violações dos direitos humanos, exclui o beneficio para civis, crimes econômicos e contra crianças, e deixa nas mãos do Executivo o poder de decidir se uma causa está, ou não, amparada pela lei. Por esses caminhos foram processados os dez repressores mais emblemáticos, muitos dos quais já têm condenação firme, como os dois ex-ditadores ainda vivos, Juan María Bordaberry e Gregorio Álvarez.

Foi confirmado que 30 uruguaios desapareceram de maneira forçada neste país, mas um número muito maior de casos está em investigação, além de uma centena na Argentina dentro do Plano Condor, que coordenou a repressão no Cone Sul da América. Também em 12 anos de ditadura foi o país com maior quantidade de presos políticos da América em relação aos seus habitantes, onde a agressão sexual e todo tipo de torturas foi prática sistemática.

“Existe um mecanismo de consulta pelo qual os juízes perguntam ao Executivo se as denúncias apresentadas estão previstas na lei”, explicou à IPS o diretor de Direitos Humanos do governo, Javier Miranda, filho de um desaparecido. “A interpretação é livre”, disse, e desde 2005, com a gestão da coalizão de centro-esquerda, “sistematicamente o Poder Executivo comunica que os casos não estão compreendidos”, acrescentou. Isto permite que os processos avancem, mesmo com uma lei que, em princípio, os freia.

De todo modo, há debates. Em 2009, o Supremo Tribunal de Justiça declarou por unanimidade inconstitucional a Lei de Caducidade e atualmente a coalizão no governo prepara um projeto para deixá-la sem efeito jurídico. Enquanto isso, os familiares de vítimas veem um atalho no tribunal da OEA, que em sentença de 1992 determinou que a anistia é incompatível com o direito internacional e recomendou ao Estado uruguaio que a deixasse sem efeito.

Contudo, a lei está em vigor. Em 2006, Macarena Gelman, neta do laureado poeta argentino Juan Gelman, propôs a esse mesmo tribunal a denegação de justiça em seu país no caso de sua mãe detida na Argentina e que desapareceu no Uruguai, e aguarda-se uma decisão do tribunal para outubro.

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Fonte: Envolverde, na revista CartaCapital