A queda de 3,4 pontos percentuais em dois anos foi quase toda incorporada entre os ocupados nas seis regiões que trabalham entre 40 horas e 44 horas por semana, que representavam 50,1% do total de ocupados, em 2008, e hoje são 53,8%.

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), divulgada na semana passada pelo IBGE, mostra que a maior parte dos 92 milhões de trabalhadores do país cumpre jornada entre 41 horas e 44 horas. No período, pela realidade das seis regiões metropolitanas acompanhadas pela pesquisa de emprego do IBGE, a média de horas efetivamente trabalhadas caiu paulatinamente – eram 42,6 horas por semana, em julho de 2002, e em julho de 2010, último dado disponível, a média de horas trabalhadas foi de 40,6 horas.

Trata-se, no entanto, de uma realidade distinta, uma vez que contabiliza apenas os trabalhadores São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife e Porto Alegre, enquanto a Pnad leva em conta a situação em todo o país.

Entre 2001 e 2009, cerca de 1,6 milhão de trabalhadores deixaram de cumprir jornadas superiores ao estabelecido pela Constituição, segundo a Pnad. No entanto, 29,5 milhões ainda trabalhavam 45 horas ou mais por semana em 2009 – o equivalente a 38,5% do total de empregados. No mesmo período de comparação, o número de trabalhadores, cuja jornada não ultrapassou o teto das 44 horas, saltou 38,4%, atingindo 55,8 milhões de pessoas , o equivalente a 62,3% do total.

A média de horas trabalhadas no país tende a cair nos próximos anos, uma vez que uma série de acordos chancelados desde o início do ano prevê redução da jornada apenas a partir de 2011. É o caso do Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados (Sindpd) de São Paulo, que em março conquistou redução de jornada para 40 horas semanais a partir de janeiro de 2011. O sindicato dos metalúrgicos de Guarulhos (SP) aproveitou as conquistas em outras categorias nas negociações e, na semana passada, o sindicato acertou a redução da jornada de 44 para 42 horas, em 2011, e para 40 horas, a partir de 2012.

Várias outras categorias têm negociado, nos últimos anos, reduções efetivas da jornada semanal de trabalho. Desde setembro de 2009, os 38 mil trabalhadores das indústrias farmacêuticas de São Paulo cumprem jornada de 40 horas. Os 81 mil metalúrgicos da região do ABC paulista também têm jornada reduzida.

O coordenador de relações sindicais do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), José Silvestre, avalia que o momento é propício para acordos entre sindicatos e empresas que preveem redução de jornada, mas há um limite para tanto. “A maioria dos trabalhadores cumpre jornada superior a 40 horas semanais. Os acordos que acompanhamos nos últimos meses são pontuais, restritos às categorias com sindicatos fortes e condições setoriais para tanto”, avalia Silvestre.

O equivalente a 72,1% dos trabalhadores cumprem jornada superior a 40 horas semanais – a maior parte, no entanto, 40,3% do total, está no patamar entre 40 e 44 horas. Em 2009, ainda existiam 16,5 milhões de brasileiros trabalhando 49 horas ou mais por semana, o equivalente a 17,9% do total de assalariados no país. Segundo estimativas da OIT, cerca de 22% dos assalariados no mundo trabalham 49 horas ou mais por semana.

À pedido do Valor, o Dieese preparou estudo com dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), a mais ampla pesquisa de emprego formal do Ministério do Trabalho. Os números da Rais, no entanto, não contabilizam jornadas superiores às 44 horas semanais previstas pela Constituição. A banda entre 41 horas e 44 horas semanais é a mais comum entre os trabalhadores com carteira assinada no país, sendo majoritária em sete dos oito segmentos levantados pelo Dieese.

A jornada semanal de 41 a 44 horas só não é a mais comum para os que trabalham no setor público – apenas 14,2% do total de 8,7 milhões de servidores. Por outro lado, na indústria, comércio e construção civil a “adesão” é esmagadora: respectivamente, 93,4%, 97,5% e 95,6% dos trabalhadores nos três setores cumprem jornada semanal entre 41 e 44 horas.

Experiência deu certo, diz empresário

“Juntei meus funcionários, em agosto do ano passado, e avisei que iríamos testar a redução da jornada de trabalho. Não reduziria salários, mas cobrei que fosse mantido o mesmo ritmo”, diz Sérgio Marques, presidente dos Laboratórios Buenos Ayres. “Não só a produtividade aumentou, mas sinto que os funcionários estão mais dispostos também.”

Os Laboratórios Buenos Ayres completam neste mês um ano de regime reduzido na carga de trabalho. Desde setembro do ano passado, os mais de 500 funcionários da empresa de manipulação cumprem carga de 40 horas por semana e a rotina de atender cerca de 2 mil clientes por dia foi mantida. “Com o tempo livre, o funcionário pode fazer um curso e se especializar ainda mais, ou ficar com a família e trabalhar mais descansado”, diz Marques.

Para Luci Praun, mestre em sociologia do trabalho pela Unicamp e coordenadora de Ciências Sociais da Universidade Metodista, a redução constitucional da carga de trabalho para 40 horas semanais virá por meio da intensificação das conquistas em diferentes setores. “É preciso incutir na sociedade que o avanço tecnológico na economia já nos permite trabalhar menos e gerar os mesmos resultados”, diz Luci, para quem a bandeira das 40 horas “já deveria ser superada, não fosse ainda uma meta”. Para ela, “agora o mais justo seria uma carga semanal de 36 horas, uma vez que a bandeira das 40 horas fazia sentido nos anos 1990. No entanto, ainda estamos presos às 48 horas por semana”.

Centrais sindicais pleiteiam 40 horas semanais

A principal bandeira do movimento sindical brasileiro é a redução da carga semanal de trabalho, das 44 horas previstas pela Constituição para 40 horas. A luta por redução da jornada, encampada pelas centrais sindicais, não é nova. Desde 1935 a Organização Internacional do Trabalho (OIT) defende carga de 40 horas semanais.

A convenção da OIT levava em conta a percepção de que o consumo interno seria a saída para os países, que se recuperavam da depressão mundial desencadeada após o crash de 1929. Ecoava, então, como recorda estudo divulgado no mês passado pela OIT, a avaliação do empresário Henry Ford para quem “um operário pouco usaria um automóvel se tivesse que permanecer na fábrica desde o alvorecer até o anoitecer”.

Em tramitação no Congresso desde 1995, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 231, de autoria do então deputado Vicentinho (PT-SP), já teve seu mérito aprovado por unanimidade pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados, em junho do ano passado. A PEC reduz a carga de trabalho semanal de 44 para 40 horas. Os estudos mais recentes realizados pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) avaliam que a redução da jornada resultaria em geração de 2,5 milhões de empregos formais e pequeno impacto nos custos das empresas. Grandes entidades patronais, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) são contra a medida.

São estudos da própria CNI, porém, que balizam os levantamentos do Dieese. Segundo a entidade, o peso dos salários no custo total de produção no Brasil gira em torno de 22%. Assim, calcula o Dieese, o corte de 9,09% na carga de trabalho – equivalente à redução de 44 para 40 horas – representaria, portanto, um aumento no custo total da produção de 1,99%.

Além de reduzir a jornada, a PEC 231 também amplia o bônus por hora extra, dos atuais 50% da hora normal para 75%. Ao tornar a hora extra mais onerosa, o movimento sindical ambiciona reduzir a utilização desse expediente. “Já se trata de prática corriqueira. A empresa exige mais do trabalhador e paga as horas extras por isso, que não representam custos tão altos”, diz José Silvestre, coordenador de relações sindicais do Dieese.

Segundo estudo do Dieese, a redução das horas extras tem potencial de criar cerca de 1 milhão de empregos formais. “Em diversos países, como Argentina, Uruguai, Alemanha e França há limitação anual para a realização de horas extras que ficam entre 200 e 280 horas/ano, em torno de 4 horas extras por semana”, diz o estudo.

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Fonte: jornal Valor Econômico