México insurgente
Então com 26 anos, Reed passou quatro meses no México a serviço de um jornal nova-iorquino, acompanhando de perto a derrubada do ditador Porfírio Dias e as rebeliões camponesas que irromperam depois do assassinato do presidente Madero, que tomariam proporções de uma guerra civil. Como aponta na apresentação o historiador Luiz Bernardo Pericás, “camponeses indígenas, pequenos empresários, rancheros, magonistas, zapatistas, villistas, militares, professores, jornalistas, mercenários, soldados, políticos, ladrões, foras da lei e até mesmo donos de terra participavam da grande convulsão social, que tinha diferentes matizes e interesses em jogo”.
De acordo com Pericás, um dos tradutores desta versão, juntamente com Mary Amazonas Barros, a obra constitui um retrato “magistral” das paisagens e do povo mexicano em luta, em especial de Pancho Villa, figura cuja trajetória era completamente distorcida pela mídia dos Estados Unidos. “México insurgente” foi um dos primeiros livros que Ernesto Che Guevara procurou ler quando chegou ao México, antes mesmo de conhecer Fidel Castro e de se tornar guerrilheiro. O livro o impressionou tanto que anos mais tarde, em 1965, leria novamente a obra, de partida do Congo e antes de seguir sua trajetória que terminaria na Bolívia.
Mesmo tendo sido posteriormente institucionalizada, a Revolução Mexicana representa um dos capítulos mais importantes da história do continente e muitas de suas premissas e bandeiras seguiram inspirando diversos movimentos políticos emancipatórios.
A edição que a Boitempo agora publica traz ainda um amplo caderno de imagens, uma cronologia do autor, texto de orelha do professor do Departamento de História da USP Francisco Alambert e quarta capa do historiador Werner Altmann.
Trecho da obra
Um rugido começou atrás da multidão e se espalhou como fogo num ritmo crescente, até parecer levantar milhares de chapéus das cabeças. A banda rompeu a tocar o hino nacional mexicano, enquanto Villa vinha caminhando pela rua. Vestia um velho e simples uniforme cáqui, no qual faltavam vários botões. Não se barbeara recentemente, não usava chapéu e seu cabelo não havia sido penteado. Caminhava curvado, com os pés ligeiramente para dentro e as mãos enfiadas nos bolsos das calças. Ao entrar no corredor por entre as rígidas filas de soldados, parecia um pouco constrangido, sorrindo e saudando um compadre aqui e outro ali nas fileiras. Ao pé da escadaria, o governador Chao e o secretário de Estado, Terrazzas, se uniram a ele, vestidos com uniformes de gala completos. A banda tocou sem restrições e, assim que Villa entrou no salão de audiências, a um sinal de alguém que estava no balcão do palácio, a enorme multidão aglomerada na Plaza de Armas manifestou-se, e todos os brilhantes oficiais agrupados no recinto o saudaram formalmente. Foi uma cena napoleônica! Villa hesitou por um minuto, alisando o bigode e parecendo bastante desconfortável; finalmente se dirigiu ao trono, o qual testou sacudindo os braços, e então se sentou, com o governador à sua direita e o secretário de Estado à sua esquerda.
Orelha do livro
John Reed foi testemunha de dois dos acontecimentos revolucionários mais extraordinários do século XX: a Revolução Mexicana e a Revolução Russa. Sobre ambos, legou-nos algumas das mais admiráveis páginas já escritas.
México insurgente é seu primeiro grande relato, seu “batismo de fogo” – conforme define Luiz Bernardo Pericás na excelente introdução que acompanha este volume –, o livro no qual o escritor conseguiu “unir jornalismo, literatura e militância política melhor do que qualquer outro em sua época”. Narrativa que o preparou para escrever sua obra mais conhecida, Dez dias que abalaram o mundo.
Mas “México insurgente” é muito mais do que o primeiro livro do agitador que fundaria o Partido Comunista Operário dos Estados Unidos. Ele nos ensina a ver as grandes personagens da saga mexicana: Villa, Orozco, Zapata, Huerta, Carranza, os reacionários mexicanos, os interesses do capitalismo norte-americano. Especialmente quanto a Francisco Villa, são memoráveis as páginas em que Reed descreve toda a sua inteligência política e suas contradições, seu “dom de expressar com fidelidade a maneira de sentir da grande massa popular”.
Através desse olhar atento, conhecemos o cotidiano da massa insurgente, seus hábitos (suas diferentes bebidas, suas crenças), seus motivos (sua pobreza, seu orgulho e suas ideias), seu território, seu tempo. John Reed foi aqui escritor e historiador, combatente e poeta, pensador cosmopolita e militante esclarecido, antropólogo e quase cineasta. Creio que por essa razão este texto tenha inspirado ninguém menos que o grande cineasta Sergei Eisenstein a elaborar um dos mais impressionantes filmes inacabados da história do cinema: ¡Que viva México!.
Por tudo isso e muito mais, vale para esta obra o mesmo que seu autor escreveu como dedicatória a um de seus professores de Harvard: “que ouvi-lo é aprender a ver a beleza oculta do mundo visível; que ser seu amigo é tentar ser intelectualmente honesto”. É a essa beleza e honestidade que este livro nos conduz.
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Francisco Alambert, professor do Departamento de História da USP
Sobre o autor
Também autor de contos e poemas, depois da publicação de México Insurgente, seu primeiro livro, John Reed seguiria uma destacada carreira no jornalismo, acompanhando lutas como a dos trabalhadores mineiros do Colorado e a Revolução Russa de outubro de 1917, época em que conheceu Lênin e Trotsky. Esse momento ficou eternizado em sua obra mais famosa, “Dez dias que abalaram o mundo”. Foi correspondente na Europa ocidental e oriental durante a Primeira Guerra Mundial e ajudou a fundar o Partido Comunista Operário dos Estados Unidos. Faleceu no ano de 1920, em Moscou, pouco antes de completar 37 anos.
Fonte: Carta Maior