Um espaço conservador e não-democrático

A eleição em dois níveis, o critério censitário – tanto para o eleitor quanto para o eleito –, o fato de seus membros serem indicações soberanas do imperador (em lista tríplice), e possuírem mandatos vitalícios, davam ao Senado brasileiro um caráter aristocrático e elitista. Era, portanto, um retrato bastante desfigurado do nosso país. A situação da Câmara dos Deputados não era muito diferente.

A constatação correta que, na maioria das vezes, o imperador tenha indicado o mais votado da lista tríplice, não altera o caráter antidemocrático do sistema político. Lembramos apenas o fato que os presidentes das províncias – e todos os demais servidores públicos, como delegados e juízes de paz – eram indicações do ministério imperial e lhe deviam obediência. Isto criava as melhores condições para que as pessoas ligadas ao governo sempre estivessem nas listas tríplices, e, em geral, muito bem colocadas.

Além disso, ocorreram inúmeros casos que os mais votados não foram os indicados. O mais famoso deles foi o que envolveu o escritor José de Alencar, escravocrata convicto, político conservador e desafeto de D. Pedro II, que foi preterido, apesar de encabeçar uma lista tríplice. Por outro lado, outras personalidades importantes do Império, como Araújo Lima e Nabuco de Araújo, foram indicados embora fossem os últimos da lista provincial. Dificilmente alguém simpático ao imperador escaparia de uma indicação senatorial.

As mudanças políticas não eram tão significativas quanto os processos eleitorais conturbados poderiam fazer transparecer. Mesmo tendo em conta as famigeradas “derrubadas”, quando todos os servidores públicos eram substituídos pelos novos donos do poder. Um ditado bastante popular no Império dizia: “nada mais parecido com um Saquarema (conservador) como um Luzia (liberal) no poder”.

Decerto, este tipo de eleição parece, aos olhos de hoje, terrivelmente antidemocráticas. Entretanto, é preciso vê-lo no tempo em que ela acontecia. Raras eram as monarquias do mundo na qual existia um parlamento com papel realmente importante. No mundo, com raríssimas exceções, imperava o voto censitário, como ocorria no Brasil do século XIX.

O senador Zacarias de Góis e Vasconcelos dizia “O cento da gravidade deste país está no Senado”. Na verdade, o verdadeiro poder se concentrava no Poder Moderador que, em última instancia, formatava o próprio Senado. No reinado de D. Pedro II, o Brasil não viveu sob um regime de tipo absolutista clássico do ponto de vista do funcionamento de suas instituições políticas. Embora o poder moderador, ao contrário do que acontecia na Inglaterra e nos Estados Unidos, desse ao governante (o Imperador) algumas prerrogativas que permitiam mudar o rumo da política contra a vontade da maioria parlamentar.

Depois de 1824 houve eleições ininterruptas, tanto para o Senado como para a Câmara de Deputados. É claro, como já afirmamos, elas obedeciam às regras comuns na época: voto censitário, mandato vitalício (no caso do senado), etc.

Para dar uma feição parlamentarista ao regime político, em 1847, foi criada a figura do presidente do conselho de ministro, copiando o modelo inglês. Em tese, o imperador indicava apenas o primeiro-ministro e este indicava livremente os ministros, que deveriam ser aprovados no parlamento. No entanto, ao contrário do que ocorria na Inglaterra, o ministério não era responsável apenas diante do parlamento. O imperador tinha a liberalidade de demiti-lo sem a necessidade de qualquer consulta ou aprovação da Câmara dos Deputados. Ao contrário do que ocorria nas democracias parlamentares, o Imperador poderia dissolver a Câmara e convocar novas eleições, sob a batuta do primeiro-ministro (e de seus funcionários) indicado por ele.

As vicissitudes do processo eleitoral faziam com que o Partido no governo – recém indicado pelo imperador – fizesse a maioria dos assentos no parlamento. Existiram momentos que o Partido de Oposição, no caso o liberal, conseguiu apenas um único e solitário assento. Algo muito difícil de acontecer na democracia norte-americana ou na monarquia parlamentar inglesa. Ali o papel do parlamento era muito maior que o brasileiro.

O Senador Nabuco de Araújo descreveu o sistema parlamentar no Império e a fabricação de maiorias através da máquina do Estado: “O Poder Moderador pode chamar que quiser para organizar ministérios; esta pessoa faz a eleição, porque há-de fazê-la; esta eleição faz a maioria. Eis aí o sistema representativo em nosso país”.

Contribuía também para fragilidade do parlamento o fato de as eleições serem fraudadas e marcadas pela violência física (eleições no cacete). Os membros da “boa sociedade” se abstinham de participar do processo, tendendo a aceitar o jogo político decidido nos altos escalões do governo. Um parlamento eleito dessa maneira teria muito pouca legitimidade para contestar uma possível demissão imperial. As sucessivas intervenções do Poder Moderador – dissolvendo a Câmara dos Deputados – acabavam sendo tidas como saudáveis, pois permitiam a alternância no poder dos partidos imperiais: liberal e conservador.

Ao longo do Império, setores liberais tentaram reduzir o papel do Senado, retirando dele seu caráter vitalício e o mecanismo da lista tríplice. Antônio Diogo Feijó, que foi um dos regentes únicos e presidente do Senado antes da maioridade, chegou a propor o fim do Senado e a constituição de um parlamento unicameral. Poucos lhe seguiram os passos.