Imperialismo moral e ensaios clínicos multicêntricos em países periféricos – parte 7
Considerações finais
A “cooperação comunitária” desenhada por Emanuel y Grady (27) seria o resultado de condições objetivas criadas pelos EUA para que projetos de pesquisa de interesse de países centrais fossem passivamente aceitos nos países periféricos. Neste cenário, grande parte dos componentes das tomadas de decisão nas nações pobres e em desenvolvimento já estaria devidamente “treinada” nos novos/velhos modos de pensar, incorporando moralidades imperialistas e pretensamente universais como boas para seus povos, como a ideologia do double standard ou o convencimento de seus pesquisadores por meio de métodos especiais de “formação” em ética na pesquisa.
É indispensável registrar, contudo, a resistência de alguns países do hemisfério Sul em se posicionar contra manobras que implicam na importação de colonialismo bioético e em tratar de convencer quão benéfico seria o Imperialismo moral. A Rede Latino-Americana e do Caribe de Bioética, criada com apoio inicial do Escritório Regional da UNESCO no México, é uma prova disto. Rejeitando propostas forâneas e descontextualizadas de manutenção de cursos de mestrado completamente formulados na Europa ou da criação de outros nas mesmas condições, com seus eventos e atividades acadêmicas e cursos de educação à distância no campo da bioética clínica e da ética na pesquisa, a REDBIOETICA resiste à importação acrítica de “pacotes éticos” alheios às suas realidades e culturas.
Por outro lado, esta mesma REDBIOETICA está aberta generosamente para intercâmbios realmente bilaterais, úteis e práticos, de conhecimentos e experiências com outros organismos, países e regiões da Terra. Nos últimos anos, algumas nações da América Latina estão conseguindo construir respostas concretas contra as tentativas de invasões éticas, por meio de legislações adequadas e programas acadêmicos de formação de pesquisadores clínicos e bioeticistas mais críticos e comprometidos com seu entorno político-social. Criando, enfim, com apoio da bioética, uma nova cultura de participação pública, cidadania e de responsabilidade social.
Referências completas do artigo:
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Esta série de artigos tem origem em conferência apresentada na mesa redonda “Libertad y responsabilidad en la investigación”, ocorrida no V Congresso Mundial de Bioética promovido pela Sociedad Internacional de Bioética (SIBI) na cidade de Gijón, Espanha, em maio 2007. O texto apresentado na conferência, publicado aqui em várias partes, saiu também em Cadernos de Saúde Pública, 2008. Volume 24 (10): 2219-2226.