Considerações finais

A “cooperação comunitária” desenhada por Emanuel y Grady (27) seria o resultado de condições objetivas criadas pelos EUA para que projetos de pesquisa de interesse de países centrais fossem passivamente aceitos nos países periféricos. Neste cenário, grande parte dos componentes das tomadas de decisão nas nações pobres e em desenvolvimento já estaria devidamente “treinada” nos novos/velhos modos de pensar, incorporando moralidades imperialistas e pretensamente universais como boas para seus povos, como a ideologia do double standard ou o convencimento de seus pesquisadores por meio de métodos especiais de “formação” em ética na pesquisa.

É indispensável registrar, contudo, a resistência de alguns países do hemisfério Sul em se posicionar contra manobras que implicam na importação de colonialismo bioético e em tratar de convencer quão benéfico seria o Imperialismo moral. A Rede Latino-Americana e do Caribe de Bioética, criada com apoio inicial do Escritório Regional da UNESCO no México, é uma prova disto. Rejeitando propostas forâneas e descontextualizadas de manutenção de cursos de mestrado completamente formulados na Europa ou da criação de outros nas mesmas condições, com seus eventos e atividades acadêmicas e cursos de educação à distância no campo da bioética clínica e da ética na pesquisa, a REDBIOETICA resiste à importação acrítica de “pacotes éticos” alheios às suas realidades e culturas.

Por outro lado, esta mesma REDBIOETICA está aberta generosamente para intercâmbios realmente bilaterais, úteis e práticos, de conhecimentos e experiências com outros organismos, países e regiões da Terra. Nos últimos anos, algumas nações da América Latina estão conseguindo construir respostas concretas contra as tentativas de invasões éticas, por meio de legislações adequadas e programas acadêmicos de formação de pesquisadores clínicos e bioeticistas mais críticos e comprometidos com seu entorno político-social. Criando, enfim, com apoio da bioética, uma nova cultura de participação pública, cidadania e de responsabilidade social.

Referências completas do artigo:

1. Ravetz, J. Scientific Knowledgement and its Social Problems. Oxford University Press, Oxford. 1971.
2. Garrafa, V & Lorenzo, C. Ética e Investigación Clínica en los Países en Desarrollo – aspectos conceptuales, técnicos y sociales. I Curso a Distancia de Ética en la Investigación. Módulo IV, Red Latino-Americana y del Caribe de Bioética de UNESCO – REDBIOÉTICA, Córdoba/Argentina, 2006.
3. Chadwick, R & Schücklenk, U. Bioethical colonialism? Bioethics 2004, 18 (5):iii-iv.
4. Benatar, SR. Imperialism, research ethics and global health. J Med Ethics 1998; 24:221-222.
5. Dawson, A & Garrard, E. In defence of moral imperialism: four equal and universal prima facie principles. J Med Ethics 2006; 32:200-204.
6. Varmus, H & Satcher, D. Ethical complexities of conducting research in developing countries. New England Journal of Medicine 1997; 337: 1000-1005.
7. Resnik, DB. (1998) The ethics of HIV research in developing nations. Bioethics 1998; 12: 286-306.
8. Capron, A. Power and injustice in research involving human subjects. Sixth World Congress of Bioethics – Annals. Brasília, 2002, p. 83.
9. Garrafa, V. Imperialismo ético. Verbete. In: Tealdi, JC (org.). Dicionário Latino-Americano de Bioética. Bogotá. Unibiblos/UNESCO, 2007. In press.
10. Bobbio, N; Matteucci, N & Pasquino, G. Dicionário de Política. Brasília, Editora Universidade de Brasília, 2004, págs. 611-621.
11. Garrafa, V & Prado, MM. Tentativas de mudanças na Declaração de Helsinque: fundamentalismo econômico, imperialismo ético e controle social. Cadernos de Saúde Pública, 2001; 17 (6):1489-96.
12. Lie, RK; Emanuel, E; Grady, C & Wendler, D. The standard of care debate: the Declaration of Helsinki versus international consensus opinion. Journal of Medical Ethics 2004; 30 (2): 190-193.
13. Lurie P & Wolfe, S. Unethical trials of interventions to reduce perinatal transmission of the human immunodeficiency virus in developing countries. New England Journal of Medicine 1997; 337, 853-856.
14. Angell, M. (1997). Editorials. The ethics of clinical research in third world. New England Medical Journal 1997; 337:847-849.
15. Schüklenk, U. Unethical perinatal HIV transmission trials establish bad precedent. Bioethics 1998; 12: 312-318.
16. Thomas, J. Ethical challenges of HIV clinical trials in developing countries. Bioethics 1998; 12: 320-327.
17. Greco, D. A cure at any cost? New Scientist, 2001, 1 July: 42-43.
18. Wawer, MJ; Sewankambo, NK; Serwadda, D. et al. Control of sexually transmitted diseases for AIDS prevention in Uganda: a randomised community trial. Lancet 1999; 353: 525-535.
19. Quinn TC, Wawer MJ, Sewankambo NK, et al. Viral load and heterosexual transmission of human immunodeficiency virus type 1. New England Journal of Medicine 2000; 342:921-9.
20. Angell, M. Editorial. Investigators’ responsibilities for human subjects in developing countries. New England Journal of Medicine 2000; 342: 967-969.
21. Angell M. Editorial. Investigators’ responsibilities for human subjects in developing countries. New England Journal of Medicine 2000; 342:967-9.
22. Editorial. One standard, not two. Lancet 27 sept. 2003; 362: 9389.
23. Forattini OP. Coulicidologia Médica. São Paulo, Edusp, Volume 2, 1997.
24. Roberts DR, Wilson D, Alecrim AM, Tavares , McNeill KM. Field observations on the gonotrophic cycle of Anapheles darlingi (Díptera: Culicidae). Journal of Medical Entomology 1983, 20(2): 189-92.
25. Charlwood JD, Alecrim AM. Capture-recapture studies with the South American malaria vector Anopheles darlingi. Annals of Tropical Medicine and Parasitology 1989, 83(6):569-76.
26. Santos R, Forattini O, Burattini M. Laboratory and field observations on duration of gonotrophic cycle of Anopheles albitarsis (Díptera: Culicidae) in Southern Brazil. Journal of Medical Entomologogy 2002, 39(6): 926-30.
27. Emanuel EJ, Grady C. Four paradigms of clinical research and research oversight. Cambridge Quarterly of Healthcare Ethics 2007; 16:82-96.
28. Tealdi JC. Historia y significado de las normas éticas internacionales sobre investigaciones biomédicas. In: Keyeux G, Penchaszadeh V, Saada A. (orgs.). Investigación en seres humanos y políticas de salud pública. Bogotá: UNIBIBLOS – Universidad Nacional de Colombia/Red Latino-Americana y del Caribe de Bioética de UNESCO – REDBIOÉTICA; 2006.

Esta série de artigos tem origem em conferência apresentada na mesa redonda “Libertad y responsabilidad en la investigación”, ocorrida no V Congresso Mundial de Bioética promovido pela Sociedad Internacional de Bioética (SIBI) na cidade de Gijón, Espanha, em maio 2007. O texto apresentado na conferência, publicado aqui em várias partes, saiu também em Cadernos de Saúde Pública, 2008. Volume 24 (10): 2219-2226.