O experimento neoliberal e as greves anti-austeridade na Europa
A maior parte da imprensa descreveu as manifestações e greves europeias de quarta-feira em termos do exercício habitual dos trabalhadores nos transportes a irritarem viajantes com diminuições de velocidade no trânsito e grandes multidões a despejarem sua ira lançando fogos. Mas a história é muito mais profunda do que simplesmente uma reacção contra o desemprego e as condições da recessão económica. Estão em causa proposta da mudar drasticamente as leis e estruturas de como a sociedade europeia funcionará na próxima geração. Se as forças anti-trabalho tiverem êxito, elas fragmentarão a Europa, destruirão o mercado interno e tornarão aquele continente uma periferia. Este é o grau de seriedade do golpe de estado financeiro em curso. E está em vias de ficar muito pior – rapidamente. Como afirmou John Monks, responsável da Confederação Sindical Europeia: “Isto é o começo do combate, não o fim”.
A Espanha recebeu maior parte da atenção, graças à sua greve de dez milhões (confirmadamente, a metade de toda a força de trabalho). Ao efectuar a sua primeira greve geral desde 2002, o trabalho espanhol protestou contra o seu governo socialista que utiliza a crise bancária (decorrente de maus empréstimos imobiliário e hipotecas com situação líquida negativa, não de custos laborais elevados) como uma oportunidade para mudar as lei e permitir às companhias e corpos governamentais despedirem trabalhadores à vontade e reduzir suas pensões e despesas públicas sociais a fim de pagar mais aos bancos. Portugal está a fazer o mesmo e parece que a Irlanda se seguirá – tudo isto nos países cujos bancos foram os prestamistas mais irresponsáveis. Os banqueiros estão a exigir que reconstruam suas reservas para empréstimos a expensas do trabalho, tal como no programa do presidente Obama aqui nos Estados Unidos, mas sem disfarces hipócritas.
O problema à escala da Europa na verdade está centrado na capital da União Europeia, Bruxelas. Eis porque os maiores protestos foram encenados ali. No mesmo dia em que os grevistas se manifestavam, a neoliberal Comissão Europeia (CE) delineava uma guerra completa contra o trabalho. Cinquenta a cem mil trabalhadores reuniram-se para protestar contra a proposta transformação de regras sociais pela campanha mais anti-trabalho desde a década de 1930 – ainda mais extrema do que os planos de austeridade impostos pelo FMI e o Banco Mundial ao Terceiro Mundo em tempos passados.
Os neoliberais têm o controle completo da burocracia e estão a ressuscitar o slogan de Margaret Thatcher, TINA: There Is No Alternative. Mas existe, naturalmente. Nas pequenas economias bálticas, partidos pro-trabalho deixaram claro que a alternativa ao encolhimento do governo é simplesmente repudiar as dívidas, retirar-se do Euro e romper os bancos. Isto é ou os bancos ou o trabalho – e a Europa acaba de perceber que isto é realmente um combate contra a morte económica. E o primeiro teste virá no sábado, quando a Letónia efectuar suas eleições parlamentares.
A Comissão Europeia está a utilizar a crise hipotecária da banca – e a desnecessária proibição de os bancos centrais monetizarem o défice orçamental dos governos – como uma oportunidade para multar governos e levá-los mesmo à bancarrota se não concordarem em baixar salários do sector público. Ela diz aos governos para tomar emprestado a juros junto aos bancos, ao invés de levantarem receita tributando-os tal como têm feito durante o meio século a seguir ao fim da II Guerra Mundial. E se os governos forem incapazes de conseguir dinheiro para pagar os juros, eles devem encerrar os seus programas sociais. E se este encerramento contrair a economia – e, portanto, receitas fiscais do governo – ainda mais, então o governo deve cessar ainda mais despesas sociais.
De Bruxelas à Letónia, planeadores neoliberais tem exprimido a esperança de que salários públicos mais baixos propagar-se-ão também ao sector privado. O objectivo é contrair suas economias para reduzir níveis salariais em 30 por cento ou mais – níveis em estilo depressão – na crença de que isto “deixará mais excedente” disponível para pagar em serviço de dívida. Os governos devem tributar o trabalho – não as finanças, seguros ou imobiliário (FIRE), impor novos impostos sobre o emprego e as vendas enquanto reduz pensões públicas e gastos públicos. A Europa está a ser transformada numa república de bananas.
Isto exige ditadura e o Banco Central Europeu (BCE) assumiu este poder [próprio] a um governo eleito. Ele é “independente” de controle político – celebrado como a “marca da democracia” pela nova oligarquia financeira de hoje. Mas como explicavam os diálogos de Platão, o que é a oligarquia senão o cenário político que se segue à democracia. Agora podemos esperar que a nova elite do poder se torne hereditária – pela abolição de impostos sobre o património, para começar – e se transforme numa aristocracia absoluta. “Junte-se ao combate contra o trabalho, ou nós o destruiremos”, a CE está a dizer aos governos.
Podemos portanto esquecer as teorias económicas de Adam Smith, John Stuart Mill e da Era Progressiva, esquecer Keynes e esquecer as primitivas tradições sociais democráticas do século XX. A Europa está a entrar numa era regida pelo totalitarismo neoliberal. Isto era inevitável desde o ensaio geral chileno após 1973. Afinal de contas, ninguém pode ter “mercados livres” em estilo neoliberal sem controle totalitário. Foi disto que trataram as greves e manifestações de quarta-feira, afinal de contas. A guerra de classe da Europa está de volta – furiosamente!
Isto é suicídio económico, mas a UE está a impor a sua exigência de que os governos da Euro-zona mantenham seus défices orçamentais abaixo dos 3% do PIB – e sua dívida total abaixo dos 60% do PIB. Eles não devem arrecadar impostos sobre a riqueza, mas apenas sobre o trabalho e o que ele compra (via impostos sobre vendas). Mas ao mesmo tempo eles devem cortar salários e pensões, cortar na despesa pública e no emprego, e contrair a economia.
Quando um problema económico é tão economicamente destrutivo como este, ele só pode ser imposto através de chantagem económica. Na quarta-feira a UE aprovou uma lei para multar governo em até 0,2% do PIB por não “consertar” seus défices orçamentais através da imposição de austeridade fiscal. Países que tomam emprestado para empenhar-se em gastos contra-cíclicos de “estilo keynesiano” que elevem a sua dívida pública ao nível de 60% do PIB terão de reduzir o excesso em 5% ao ano – ou do contrário sofrer dura punição. E ao contrário dos bancos centrais por toda a parte do mundo, o banco central da Europa está proibido de monetizar governos com sector público. Estes governos devem tomar emprestado dos bancos, deixando estas instituições criarem a sua própria dívida com juros nos seus teclados de computador ao invés de terem os seus próprios bancos centrais a fazerem isso sem custos. A privatização financeira e o monopólio na criação de crédito que os governos cederam aos bancos estão agora a serem compensados – ao preço da ruptura da Europa.
Os membros não eleitos do Banco Central Europeu (BCE, independente da política democrática, não do controle por parte dos seus bancos comerciais membros) usurparam o poder de planeamento de governos eleitos. Obrigado para com o seu eleitorado, o sector financeiro, o BCE teve pouca dificuldade em convencer a comissão da UE a apoiar a nova captura oligárquica do poder. Ele ameaça multar estados da euro-área em até 0,1% do PIB por falhas na obediência às suas recomendações neoliberais – ostensivamente para “corrigir” desequilíbrios. Mas a realidade, naturalmente, é que toda “cura” neoliberal apenas torna as coisas piores.
Ao invés de encarar o aumento de níveis salariais e padrões de vida como uma pré-condição para produtividade do trabalho mais alta, a comissão da UE “monitorará” custos do trabalho com a presunção de que salários em ascensão prejudicam a competitividade ao invés de elevá-la. O vasto espectro deste lixo da teoria económica neoliberal está a ser trazido à luz. Se os membros do euro não podem desvalorizar suas divisas, então devem combater o trabalho – mas não tributar o imobiliário, as finanças ou outros sectores rentistas, não regular monopólios e não proporcionar serviços públicos que possam ser privatizados a custos muito mais altos. Não se considera que a privatização prejudica a competitividade – apenas o aumento de salários, sem quaisquer considerações quanto à produtividade.
Esta política economicamente destrutiva foi testada em todos os países bálticos, utilizando países como a Letónia como cobaias para ver quão longe o trabalho pode ser degradado antes de ele reagir politicamente. A Letónia deu rédea solta a políticas neoliberais impondo impostos uniformes (flat taxes) de 51% sobre os empregados, ao passo que o imobiliário é tributado em apenas 1%. Os salários do sector público foram reduzidos em 30%. A força de trabalho em idade laboral (20 a 35 anos) está a emigrar em multidões. As esperanças de vida estão a encurtar. As taxas de doenças estão em aumento. O mercado interno está a contrair-se e assim está a população da Europa – tal como aconteceu na década de 1930, quando o “problema da população” foi um afundamento da fertilidade e das taxas de natalidade (sobre em França). Isso é o que acontece nas depressões económicas.
O saqueio da Islândia pelos seus banqueiros veio primeiro, mas a grande notícia foi a Grécia. Quando aquele país entrou na sua actual crise fiscal, responsáveis da União Europeia recomendaram que emulasse a Letónia, a qual se apresenta como o perfeito representante da devastação económica neoliberal. A teoria básica é que como os membros do euro não podem desvalorizar a sua divisa, eles devem recorrer à “desvalorização interna”: cortando salários, pensões e gastos sociais. Assim, enquanto a Europa entra em recessão ela segue precisamente o oposto da política keynesiana. É reduzindo salários, ostensivamente para “libertar” mais rendimento disponível para pagar as enormes dívidas que os europeus assumiram para comprar suas casas, pagar escolas (até agora proporcionadas gratuitamente em muitos países tais como a Letónia), transportes e outros serviços públicos que foram privatizados (com taxas drasticamente aumentadas – as quais os privatizadores justificam apontando as comissões financeiras enormemente inchadas que tiveram de pagar aos seus banqueiros e financiadores para comprar a infraestrutura sendo vendida por governos que os neoliberais impediam de tributar a riqueza).
O resultado é contracção económica. A Europa está a criar suicídio económico – e também suicídio demográfico e fiscal. Toda tentativa de “resolver” o problema desta contracção, em estilo neoliberal, só torna as coisas piores.
Os trabalhadores do sector público da Letónia tiveram seus salários cortados em 30 por cento ao longo do ano passado, e os seus banqueiros centrais disseram-me que estão à procura de novos cortes, na esperança de que isto reduza também os salários no sector privado. O que estes cortes estão a fazer, sem surpresa, é estimular a emigração – e também estão a destruir o mercado imobiliário, levando a incumprimentos, arrestos e uma fuga do país dos devedores. A emigração é encabeçada pelos trabalhadores mais jovens à procura de emprego na economia em contracção. Na verdade, as condições de trabalho na Letónia também acontecem ser as da maior parte da Europa neoliberalizada, o que é perigoso, desagradável e quase neo-feudal.
Em primeiro lugar, na véspera do Dia da Acção, houve o habitual congestionamento de transportes acompanhado por um concerto de buzinas em Riga, capital da Letónia, durante 10 minutos às 13 horas para informar o público que alguma coisa estava a acontecer. O que estava a acontecer de mais importante são as eleições parlamentares nacionais deste sábado (2 de Outubro), onde a coligação à esquerda, Centro Harmonia , está comprometida no estabelecimento de um sistema fiscal e de uma política económica alternativa às políticas económicas neoliberais que reduziram os salários e os padrões de trabalho tão drasticamente – juntamente com a infraestrutura pública – ao longo da última década.
Cerca de 10 mil lituanos compareceram a reuniões de protesto, desde a capital até cidades mais pequenas no âmbito da “Jornada dentro da Crise”. Seis sindicatos independentes e o Centro Harmonia organizaram uma reunião de protesto no Parque Esplanada, em Riga, que atraiu 700 a 800 manifestantes, um número relativamente grande para uma cidade tão pequena. Outro protesto junto ao Gabinete de Ministros em que foi planeado e executado o programa de austeridade da Lituânia teve cerca de metade desse número.
Para destacar a questão económica, uma excursão em autocarro levou jornalistas às vítimas – escolas e hospitais que foram fechados, edifícios do governo cujos empregados viram os seus salários cortados e a força de trabalho reduzida. Multidões reuniram-se, relançando a ira expressa no ano passado, no frio de meados de Janeiro, quando lituanos manifestaram-se em protesto contra o início destes cortes.
Estas manifestações parecem ter ganho a simpatia do eleitorado para os sindicatos mais militantes, encabeçados pelas centenas de sindicatos individuais pertencentes à Associação Independente de Sindicatos. O outro grupo sindical – os Sindicatos Livres (LBAS) perderam a face ao concordarem em Junho de 2009 com a proposta do governo de cortes de 10% nas pensões (e, na verdade, de 70% para pensionistas trabalhadores). O tribunal constitucional da Lituânia em Dezembro último foi suficientemente independente para rejeitar estes cortes drásticos. E se o governo na verdade mudar neste sábado, o conflito entre a Revolução Neoliberal e os últimos poucos séculos de reforma progressiva clássica será tornado claro.
A Revolução Neoliberal procura alcançar na Europa o que foi alcançado nos Estados Unidos a partir de 1979, quando os salários reais pararam de subir. O objectivo é duplicar a fatia de riqueza relativa desfrutada pelos 1% mais ricos. Isto envolve reduzir a população à pobreza, romper o poder sindical e destruir o mercado interno como condição prévia para atribuir a culpa de tudo isto ao “Sr. Mercado”, presumivelmente forças inexoráveis por trás da política, puramente “objectivo” ao invés de uma captura do poder político.
Não é realmente “o mercado” que está a promover esta austeridade económica destrutiva, é claro. O Centro Harmonia da Lituânia mostra que há um caminho muito mais fácil para cortar o custo do trabalho pela metade do que reduzir os salários. Simplesmente mudar o fardo fiscal para fora do trabalho e para dentro do imobiliário e dos monopólios (especialmente a infraestrutura privatizada). Isto deixará menos excedente económico para ser capitalizado em empréstimos bancários, reduzindo consequentemente o preço da habitação (o principal factor no custo de vida do trabalho), bem como o preço de serviços públicos (fazendo com que os proprietários tomem os seus retornos como um retorno como um retorno sobre capitais próprios ao invés de incorporar encargos de juros dentro do seu custo de fazer negócio). A dedutibilidade fiscal do juro será revogada – não há nada de intrinsecamente “ditado pelo mercado” neste subsídio fiscal por dívida alavancada.
Sem dúvida muitas economias pós-soviéticas serão obrigadas a retirar-se da área euro ao invés de verem uma fuga do trabalho e do capital. Elas continuam a ser o exemplo mais extremo do Experimento Neoliberal para verificar quanto uma população pode aguentar cortes nos seus padrões de vida antes de rebelar-se.
30/Setembro/2010
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O original encontra-se em http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=21263Este artigo encontra-se em http://resistir.info/