Religiões condenam discussão sobre aborto em campanha política
O 3º Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3), lançado em dezembro de 2009 pelo presidente Lula parece ter sido a causa das leviandades contra a petista. Na época, os p ontos polêmicos do Programa, como o aborto, foram atenuados, pela pressão da Igreja Católica. No entanto, o assunto voltou com a força, no final da campanha do primeiro turno.
O texto original do PNDH 3 defendia a descriminalização do aborto. Decreto posterior do presidente Lula mudou a redação, atendendo a apelos da Igreja Católica. O novo texto eliminou a possibilidade de descriminalização do aborto.
Um cartaz com a antiga redação do PNDH foi espalhado por vários templos religiosos dias antes do pleito, além de ter havido uma orientação da 1º Igreja Batista de Curitiba para que os fiéis não votassem em Dilma. A Igreja Batista distribuiu inclusive CDs e cartas pró-Serra, segundo relatou o prefeito de Sapucaia do Sul, Valmir Ballin, sobre o material recebido pelas igrejas do município.
Manipulação
Para o frei capuchinho Wilson Dallagnol, “está havendo uma manipulação em torno do assunto, pois a candidata foi clara na sua posição”. Ele reforça a teoria de que o movimento foi desencadeado por pequenos grupos: “existem grupos influenciando esta opinião. É uma indução da opinião pública contra a candidata, jogando com certos elementos para atingir, com temas polêmicos, setores mais conservadores”, falou.
Segundo o bispo da Igreja Adventista do 7º Dia de Porto Alegre, José Santos, a sua igreja não é apolítica, mas apartidária. “Nem poderíamos ser apolíticos, pois a política interfere na nossa vida e nós vivemos em sociedade, num município que sofre interferência nas ações de saúde, segurança, que interessa a todos os cidadãos”, explicou. Porém, o bispo Santos ressaltou que não há uma orientação ou qualquer movimento de influência no voto dos seguidores. “Nós apenas orientamos para uma sabedoria na escolha do voto, para que se conheçam os valores dos candidatos, como eles pensam. Incentivamos que os fiéis votem, para que não haja abstenção e que eles exerçam a cidadania”, falou.
O líder religioso salientou ainda que na Igreja Adventista do 7º Dia é reforçado aos fiéis que não sigam movimentos ou opiniões de terceiros ou de conteúdos que circulam na internet. “Não podemos agir conforme as emoções, porque mudamos a maneira de pensar quando estamos diante de uma influência deste tipo”, alertou. Santos defendeu o cristianismo, dizendo que ele é “baseado na liberdade de escolha e no livre arbítrio dado por Deus.”
O representaante da Federação Israelita do Rio Grande do Sul, professor das Ciências da Comunicação da PUC-RS Jacques Waimberg diz que nunca houve orientação política, muito menos na eleição. “Mas eventualmente se cria um ambiente para que a comunidade se reúna e escute os candidatos, se for de interesse coletivo. A Federação não se reuniu para decidir sobre isso”, afirmou.
Porém, como acadêmico, Waimberg expressou opinião pessoal sobre a religiosidade e a política nesta eleição. “Não há mal-estar na nossa comunidade, há uma separação entre candidatos e religião. Porém, os candidatos expressam valores que podem ferir ou agradar a população brasileira”, defendeu.
Ele reconhece que o Brasil é um país cristão e afirma que isso influencia a vida política do país e deve ser levado em conta na ação dos políticos brasileiros. “A Igreja sempre foi um ator político importante na história política do país, então não é surpreendente que surjam estes temas”, falou.
Análise dos fatos
O sociólogo gaúcho especializado em Ciência Política Ottmar Teske se preocupa com a tendência de aproximar a religião da política, quando envolve a discussão sobre o aborto em uma eleição. “Se nós formos discutir uma questão da área da saúde, temos que ter clareza. Quem precisa falar sobre isso não é o padre, não é o papa, não é o religioso. Quem tem que ser consultado não são os homens. São as mulheres”, defende.
Teske faz questão de esclarecer que debater sobre o princípio da vida não é estar contra a vida. Ele analisou os programas dos dois candidatos que disputam o segundo turno, Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB), e não detectou nenhum ponto que tocasse na descriminalização do aborto. “Nenhuma das candidaturas tem uma discussão mais precisa se é a favor ou contra. O que está acontecendo no país me parece ser uma onda que tenta usar a religião como instrumento de despolitização equivocada”, analisa. E argumenta: “parece que nenhuma das candidaturas é contra a vida, ambas defendem a vida e é o que as igrejas mais cristãs também defendem. Eu, como cristão, analisando as duas candidaturas, fico tranquilo, pois qualquer um irá realizar uma conversa sobre este tema”, diz.
Sobre o debate ser levantado em época de eleição, em pleno século 21, ele também revela preocupação, por ser um fato que demonstra o atraso do Brasil, que, segundo ele, é o único país que ainda debate a questão. “Chega a ser uma hipocrisia. Enquanto França, Argentina, entre outros, já definiram esse tema, os brasileiros se contradizem. Pois, os mesmos que criticam o aborto são a favor de pesquisas com células-tronco ou a favor do latifúndio ou da pena de morte”, compara.
Descriminalização do aborto
O Ministério da Saúde lançou, em 1998, durante a gestão de José Serra, atual candidato tucano à Presidência da República, uma norma técnica, como parte de suas ações educativas. A norma de “Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes”, embasada juridicamente no Código Penal Brasileiro, dispunha sobre a prática de abortos no SUS em crianças de até 20 semanas (cinco meses) concebidas em estupro. Há também a possibilidade da prática para mulheres que correm risco de vida na gravidez ou em casos de má formação genética.
De acordo com Cláudia Prates, do movimento feminista gaúcho e representante da Marcha Mundial de Mulheres, essa norma ambém sofreu desvirtuamento na internet, durante a campanha eleitoral. Ela critica a vulgarização do tema no debate eleitoral. Diz que este não é o momento para fazer a discussão. “O que está acontecendo é uma grande armadilha da direita conservadorista. Nenhuma mulher defende o aborto como método contraceptivo, porque também é uma forma de violência. Mas, sim, uma legalização da prática como um trabalho de sustentação aos direitos reprodutivos e sexuais da mulher”, afirma. E complementa: “é preciso atuar na prevenção da gravidez, mas dar condições sanitárias, caso surja uma gravidez indesejada, para que se evite as mortes de mulheres que abortam de forma caseira”, defende.
Ela alerta para o foco da ação, que é a prevenção da vida e não uma pregação à morte ou ao assassinato. “Queremos decidir sobre os nossos direitos sexuais e reprodutivos. Mas quando o estado ou as igrejas interferem nisso, acaba acontecendo o que acontece hoje. Várias mulheres morrem hoje porque não existe um acolhimento”, revela.
Claudia considera o debate como algo eleitoreiro e que estaria prejudicando apenas uma candidata. A mesma classificação fez o cientista político Ottmar Teske: “a minoria que faz isso na internet está espalhando inverdades e fazendo terrorismo. É muito mais fácil tu criticares alguém do que tu apresentares um projeto. Este é o tema que não pode ser pauta política, mas tem que ser encarado de frente no Brasil”, afirma.
Para ler e ver
Um texto e um vídeo ajudam a entender a discussão sobre o aborto que tomou conta da campanha eleitoral ao final do primeiro turno e persiste no início da campanha ao segundo turno. A Carta da Convenção das Assembleias de Deus no Brasil repudia as declarações que circulam pela internet. O vídeo gravado na 1ª Igreja Batista de Curitiba mostra os pastores incitando os fieis a não votar na petista Dilma Rousseff.
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Fonte: Sul21