Deixa a Dilma me levar…
Na ocasião foi lançado um manifesto de artistas e intelectuais pela eleição de Dilma. “É hora de unir nossas forças no segundo turno para garantir as conquistas e continuarmos na direção de uma sociedade justa, solidária e soberana”, diz o documento. A candidata discursou por aproximadamente 40 minutos enfatizando as diferenças entre os dois projetos de país que estão em disputa neste segundo turno.
Ela começou lembrando que alimentou os sonhos revolucionários dos anos 1960 e que, com as derrotas, aprendeu a resistir. “Tenho orgulho de minhas derrotas, porque elas são de uma luta correta”, destacou. Dirigindo-se ao arquiteto e militante comunista Oscar Niemeyer, Dilma Rousseff disse que quem sonha não perde o rumo da luta. A candidata fez uma rápida exposição sobre sua trajetória, lembrando que, assim como ela, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi para a prisão por defender e lutar pelos ideais de democracia e justiça social.
Agora, afirmou, é tempo de sonhar novamente, de fortalecer os sonhos de avançar nas transformações pelas quais passa o Brasil. Dilma Rousseff fez um paralelo entre a situação atual do país e a descrita subliminarmente pelo compositor e cantor Chico Buarque Holanda na música “Apesar de você”, dizendo que os setores progressistas se prepararam para quando o amanhã chegasse.
Firme decisão política
Em 2003, afirmou, quando começou o primeiro governo Lula, não havia como pensar se as coisas deveriam ser feitas assim ou assado — era fazer ou fazer. E o que foi feito, segundo a candidata, desencadeou uma das maiores transformações no Brasil. Para ela, não foram feitas apenas mudanças pontuais, mas uma alteração na trajetória do país.
A candidata destacou que alguns tabus foram quebrados, entre eles o de que era impossível crescer distribuindo renda. “Hoje isso parece óbvio, mas não era até bem pouco tempo atrás", ressaltou. Dilma Rousseff destacou que a visão mercantil radical estava por trás desse tabu. Para ela, aquela idéia de país não dava importância à necessidade de mudar a vida das pessoas que estavam excluídas da sociedade. Mais que isso: não dava importância à necessidade de fazer a população participar do processo de construção da nacionalidade brasileira.
Ao romper com essa determinação, o Brasil passou a ser uma nação respeitada, segundo a candidata. “Isso nos distingue radicalmente dos nossos adversários”, enfatizou. Segundo Dilma Rousseff, ninguém consegue tirar 28 milhões de pessoas da miséria e incluir 36 milhões na classe média sem uma firme decisão política. “Recebemos este país com inflação em elevação, com desemprego alto e de joelhos diante do Fundo Monetário Internacional (FMI). Mais ainda: o milagre da gestão tucana fez com que se arrecadasse R$ 100 milhões com as privatizações e a dívida interna explodiu. Era preciso fazer as coisas com determinação e mudar o rumo do país”, destacou.
Valorização das pessoas
“Voltamos a ter política industrial, as estatais se fortaleceram e o Estado passou a ser um instrumento a serviço do crescimento econômico e da justiça social”, disse. Segundo a candidata, o Estado brasileiro estava à mercê do mercado mundial. Com o governo Lula, houve um processo de inserção do Brasil no cenário internacional sem subordinação às determinações dos países ricos, que nunca aplicaram o que receitam aos outros.
A maior transformação ocorrida, no entanto, segundo Dilma Rousseff, foi a valorização das pessoas, que passaram a participar dos destinos do país. Ela citou o caso dos funcionários das estatais, que ganharam relevância nas políticas do governo Lula. Outro exemplo citado foi o da valorização da educação, com a criação de universidades, de campis e de novos cursos.
A candidata lembrou que o sucateamento do setor no período neoliberal chegou ao ponto de, na prática, a União proibir a construção de escolas técnicas. Dilma Rousseff citou também os casos do saneamento e da energia elétrica, que eram deficientes inclusive nos Estados mais desenvolvidos. “Investimos onde eles pararam de investir”, resumiu a candidata. E essas mudanças, enfatizou, produzem consciência. “O povo brasileiro agarra as oportunidades com determinação”, disse.
Política de desenvolvimento
Para ela, os programas sociais são impessoais — eles criam empregos, estimulam a educação e incentivam a participação política. Dilma Rousseff citou o exemplo da casa própria — uma conquista do povo impossível pela política de manter o Estado a serviço do mercado — e da luz elétrica, que custa em torno de R$ 10 mil para ser instalada em cada residência. “Mudamos a forma de gastar, investindo no social e geramos empregos”, ressaltou.
Isso explica, segundo a candidata, porque 28 milhões de pessoas deixaram a miséria para trás. Para ela, mantida e ampliada essa política logo os outros 21 milhões de brasileiros que ainda estão na miséria serão tirados dessa condição. “Não queremos ser um Estados Unidos do Sul. Não queremos aqui uma grande população de negros na cadeia e muitas pessoas morando em trailers. Queremos um país que para ser desenvolvido adote parâmetros sociais. E já demos grandes passos na questão da redução da desigualdade”, disse ela.
Para Dilma Rousseff, o ponto central da política de desenvolvimento que ela defende é a educação. “Precisamos dar um salto, investir em educação até os 5 anos para diminuir a desigualdade pela raiz. Precisamos também interiorizar e valorizar as universidades e as escolas técnicas. E precisamos valorizar o professor com formação continuada e salários dignos. Essa é a política correta, não a de recebê-los com cassetetes”, salientou.
Clima otimista no país
A candidata explicou que esse salto será dado com recursos do pré-sal, que terá um fundo social para a educação, a ciência, a tecnologia e para continuar a política de erradicação da pobreza. Para tanto, disse, o regime de partilha adotado pelo Brasil é determinante. Dilma Rousseff explicou que antes a concessão era feita para o petróleo de baixa qualidade e difícil de ser encontrado. O pré-sal, um petróleo de alta qualidade e já localizado, será da União.
Esse é o modelo aplicado pelos países detentores de grandes reservas, disse a candidata. E lembrou que a bancada do PSDB votou contra esse projeto, emendando que os tucanos têm uma história reprovável no tratamento da questão do petróleo no Brasil. Ela citou o caso da tentativa de mudança do nome da Petrobrás para Petrobrax com o intuito de tornar a empresa mais palatável ao apetite das grandes empresas multinacionais.
Dilma Rousseff afirmou que quando o governo Lula começou, a Petrobras valia em torno de US$ 15 bilhões; hoje, vale aproximadamente US$ 200 bilhões. Essa riqueza, disse Dilma Rousseff, se soma à biodiversidade brasileira, fazendo deste país um gigante com potencialidades incalculáveis. E acrescentou, nessa categoria, a diversidade cultural do povo, um patrimônio de inestimável valor.
Clima otimista no país
Com todos esses dados, concluiu a candidata, é inadmissível que a oposição volte ao poder. Ela lembrou que em 2002 a esperança venceu o medo — a direita chegou ao ponto de desencadear uma corrida especulativa contra o real — e que agora a campanha do ódio vai ser vencida, além da esperança, pelo amor, pela verdade, pela solidariedade. “Nosso país tem a capacidade de conviver com a diversidade religiosa, étnica, de gênero. Temos uma cultura de paz, valores baseados na tolerância e na convivência pacífica. Não queremos um Estado apropriado por nenhuma religião. Um Estado democrático não pode interferir na vida privada das pessoas”, destacou.
Dilma Rousseff encerrou dizendo que a altivez do Brasil decorre da opção do governo Lula de diversificar suas relações internacionais, priorizando a América Latina e a África. “Mostramos que somos capazes de manter relações internacionais diversificadas e plurais. E somos respeitados também porque valorizamos nosso povo. Ninguém respeita um país que deixa uma parte de seu povo na miséria”, concluiu.
Ao terminar o discurso, Dilma Rousseff foi cercada pela multidão. Ao seu lado, as personalidades davam entrevistas, abraços e posavam para fotos. Era o reconhecimento da posição corajosa que tomaram ao declarar apoio à candidata das forças progressistas. Os que fizeram uso da palavra ressaltaram a importância da eleição de Dilma Rousseff e sublinharam a necessidade de se criar um clima otimista no país depois da onda de ataques obscurantistas desencadeada pela direita.
Tradição secular da esquerda
Antes da abertura do evento, o sociólogo e escritor Emir Sader — um dos organizadores do ato — disse ao Grabois.org que ali estava o símbolo de uma resistência à ofensiva da direita. João Sicsú, diretor de Estudos Macroeconômicos do IPEA, também deu a sua opinião, destacando que o evento era uma demonstração de que a campanha deu um salto ao deixar de ser feita somente pela TV, pelo rádio e pela internet. “Nossa tradição é de mobilização, de campanha nas ruas”, disse ele.
Para Sicsú, o ato demonstra que há uma mudança de clima no país, uma inversão depois do susto no primeiro turno quando a direita deu um impulso em sua ofensiva. “Nossa sorte é que deu tempo de reagir”, comentou, alertando que a mobilização deve continuar. “Temos duas semanas para a mobilização. A campanha deslancha quando há participação dos movimentos sociais, atividades nas ruas. Essa é a nossa tradição, nossa cultura, por mais de um século”, resumiu.
Também em conversa com o Grabois.org, o ex-ministro da Integração Racial Edson Santos disse que há uma mudança de clima no país. O ato, segundo ele, demonstrou que a campanha de Dilma Rousseff tem calor humano, tem densidade popular. O poeta, escritor e compositor Wally Salomão disse que o evento marca a retomada de uma mobilização essencial. “Vem agora uma onda boa, positiva, que vai levar Dilma à Presidência da República”, comentou.
Mudança de agenda
Malvina Tânia Tuttman, reitora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), tem a mesma opinião. Para ela, o ato representa uma afirmação das propostas de Dilma Rousseff, uma demonstração de reconhecimento das políticas públicas implementadas pelo governo Lula. “Vivemos um momento vil da campanha, desencadeado pelos que não têm compromissos com as ações que beneficiam a população, mas o clima já mudou”, disse.
Ricardo Vieira Alves, reitor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), disse que o ato foi uma demonstração de forças positivas unificadas em tordo da candidatura de Dilma Rousseff. Ele ressaltou que o papel ativo da sociedade civil é um poderoso instrumento.
Reinaldo Guimarães, secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, disse que a candidatura de Dilma Rousseff vem do povo, e que o evento serviu para demonstrar o vigor que ela tem entre os artistas e a intelectualidade. “Com Dilma temos a certeza da continuidade de um projeto de nação. A militância na rua é que vai garantir essa vitória”, comentou.
Luiz Fernandes, presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), disse que o ato foi “fabuloso” porque a candidatura Dilma Rousseff demonstrou que tem simpatia entre os intelectuais e as pessoas ligadas à cultura em geral. E, mais importante, ressaltou, o evento deu sinais de que a campanha ganhou uma mudança de agenda — saiu da esfera dos ataques obscurantistas e entrou no debate de propostas, de idéias.
Mobilização da juventude
O Grabois.org também ouviu o cartunista e escritor Ziraldo, que não economizou palavras para criticar a direita. Para ele, trata-se de um “pessoal” que usa a boa fé das pessoas para fins politiqueiros. Segundo Ziraldo, a verdade cristã está na alma das pessoas e não pode ser usada por quem quer ganhar as eleições a qualquer preço. Marilena Chauí também falou ao Grabois.org e disse que a candidatura de José Serra é abertamente contra o combate à redução da desigualdade social.
Já Augusto Chagas, presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), avaliou que o ato refletiu o acirramento do debate no segundo turno. “Estamos mobilizando a juventude nesta reta final, faremos atos em várias cidades e vamos aprofundar o debate para mostrar à população as diferenças fundamentais entre os dois projetos que estão em jogo”, disse.
O ministro da Cultura, Juca Ferreira, comentou ao Grabois.org que o ato rechaça a idéia edulcorada de que não há diferença fundamental entre as duas candidaturas. “Esse evento foi significativo, deu uma noção de como podemos impulsionar a mobilização nestes dias finais da campanha”, comentou.
Para Adalberto Monteiro, presidente da Fundação Maurício Grabois, o ato do Rio de Janeiro e o ato similar de São Paulo realizado no dia seguinte se somam a várias outras iniciativas que indicam de que lado está o pensamento avançado da inteligência brasileira. "O obscurantismo com o qual a campanha de Serra contaminou o segundo turno contribuiu para esta tomada de posição do mundo da cultura e da ciência contra o retrocesso e o atraso", afirmou.
Profundo retrocesso
Leonardo Boff foi o responsável pela apresentação de Dilma Rousseff. Antes ele fez um preâmbulo dizendo, em tom bem humorado, que ao sair de casa fez uma oração e pediu um sinal a Deus: se Oscar Niemeyer estivesse no ato seria o prenúncio infalível da vitória. E a vitória estava garantida. Depois, lembrou que a solidariedade é o eixo estruturante das políticas do governo Lula e chamou o cantor e compositor Chico Buarque de Holanda ao palco, dizendo, em tom de chiste, que ele era o “anjo Gabriel”.
Chico disse que estava ali para reiterar o apoio a Dilma e fez um breve comentário sobre a trajetória da candidata, enfatizando que ela “passou por tudo”, sempre lutando por justiça social, e que tem a marca do governo Lula. A constatação de que este governo não tem o hábito de falar fino com os Estados Unidos e grosso com a Bolívia e o Paraguai, levantou a platéia. Chico terminou dizendo que o Brasil hoje é respeitado “como nunca antes na história deste país”, arrancando gargalhadas da platéia.
Boff retomou a apresentação, enfatizando que Dilma Rousseff é portadora da esperanças para o Brasil. Esperança, disse, que venceu o medo com o governo Lula e que, agora, ao lado da verdade, também vencerá. Com base nessa constatação, Boff disse que se a oposição ganhar haverá um profundo retrocesso. Segundo ele, o Brasil mudou de rumo, passou a olhar para as necessidades fundamentais do povo. Daí o ódio da elite, para quem um peão como Lula deve ficar na fábrica, produzindo para ela. Os 500 anos de crueldade do poder dessa elite, disse Boff, começam a ser página virada.
Valor da democracia brasileira
Durante o ato, discursaram, entre outros, o governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, o ministro da Cultura Juca Ferreira, a professora e filósofa Marilena Chauí, o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, as cantoras Beth Carvalho, Margarete Menezes e Lia de Itamaracá, o ator Paulo Betti e o cientista político Luiz Alberto Gómez de Souza.
Para Cabral, o povo do Rio de Janeira sintetiza o Brasil. Ele destacou o momento histórico pelo qual passa o país — depois de um operário, Dilma Rousseff será a primeira mulher a ocupar a Presidência da República. Juca Ferreira reforçou a importância de aumentar a mobilização na reta de chegada da campanha para o Brasil não deixar escapar por entre os dedos as conquistas do governo Lula.
Marilena Chauí comentou o valor da democracia brasileira, destacando que o fato de o Brasil ter adotado o sistema de dois turnos nas eleições decorre do aperfeiçoamento do sistema eleitoral, que procura ampliar as possibilidades de debates. “Nossa batalha pela construção da democracia define temporalmente um processo aberto a mutações. Isso quer dizer que novos direitos podem ser incorporados. Foi isso que o governo Lula fez nesses oito anos”, discursou. “É pela continuidade desse conceito que estamos lutando”, completou. Marilena Chauí encerrou a fala em tom de indignação, dizendo que os ataques ao caráter laico do Estado são obscenos.
Até as pedras gritarão
Marcio Thomaz Bastos disse que havia levado ao ato um manifesto dos juristas em apoio a Dilma Rousseff. E destacou o índice de 81% de aprovação do governo Lula como parâmetro de uma administração voltada para os interesses do povo.
Margarete Menezes disse que somente as pessoas maltratadas por injustiças, como é o caso de Dilma Rousseff, sabem o valor real da vida. Lia de Itamaracá pediu apoio à cultura e cantou, levantando a platéia. Paulo Betti lembrou que aquele teatro foi palco de atos heróicos em defesa da liberdade e da justiça, e comentou o caso da demissão de Maria Rita Kehl pelo jornal O Estado de S. Paulo como síntese da falta de liberdade de expressão na mídia.
Beth Carvalho também lembrou a história de resistência presenciada pelo teatro e cantou o refrão “Deixa a Dilma me levar, Dilma leva eu…” Luiz Alberto Souza comentou o “Manifesto de cristãos e cristãs evangélicos(as) e católicos(as) em favor da vida e da vida em abundância”, contra os ataques a Dilma Rousseff, enfatizando a frase “Se nos calarmos, até as pedras gritarão!”