De fato, desde antes do evento uma maré de gente com faixas, bandeiras e outros adereços já tomava conta do pátio em frente ao Tuca e à PUC-SP. Eram professores, estudantes, juristas, artistas, políticos e lideranças dos movimentos sociais – duas mil pessoas ao todo, que, mesmo com o local apinhado de gente, se mantiveram atentas durante as quase três horas de duração do evento. O espírito – reforçado talvez pelos arcos e janelas neocoloniais do Tuca, marcas típicas da arquitetura religiosa – era de comunhão e ecumenismo, de unidade em torno do futuro do Brasil.

Religião não é tutela

Os motivos religiosos não estiveram presentes apenas nos traços arquitetônicos do teatro católico. Em pelo menos duas intervenções eles foram evocados para condenar a candidatura do presidenciável de direita, o tucano José Serra.

Um dos primeiros a tomar a palavra, o padre Júlio Lancelotti acusou Serra de ser o “pai do higienismo” (concepção que defende medidas de limpeza étnica e/ou social). Lancelotti afirmou que a campanha adversária tem utilizado o nome de Deus em vão, visando ao aprisionamento e não à libertação das mentes. O clérigo encerrou sua fala dizendo que a Igreja jamais se dispôs a praticar qualquer tipo de tutela sobre a consciência das pessoas.

Seguindo a mesma trilha, Frei Betto afirmou lamentar que, na campanha presidencial, temas “importantes, mas não prioritários”, como o do aborto, tenham ganhado destaque, deixando em segundo plano questões cruciais. O frei dominicano disse lamentar que tantas mentiras estejam sendo espalhadas. “Felizmente eles não falam nem em nome da Igreja nem em nome da CNBB”, assegurou.

Ao encerrar sua mensagem, Frei Betto sentenciou: “Lei de aborto não impede aborto, o que impede aborto é política social. As mulheres rejeitam uma gravidez (e os filhos) porque não têm condições de sustentá-la, porque não têm condições de assumi-la. E com política social acaba essa ignomínia; as pessoas têm condições de sustentar e de gerar outros filhos.”

Juristas em apoio a Dilma

O objetivo central do ato foi a apresentação do manifesto de juristas pró-Dilma. O texto – subscrito por nomes como Dalmo Dallari, Fábio Konder Comparato e José Geraldo de Sousa Junior – foi lido da tribuna por Luiz Edson Fachin, professor da Universidade Federal do Paraná.

Na ocasião, diversas personalidades da área jurídica falaram das razões de sua opção por Dilma Rousseff e da importância do engajamento nesta fase final do processo eleitoral. Ocuparam a tribuna, além de Fachin, Gilberto Bercovitch, professor de Direito Econômico da USP; José Eduardo Cardoso, professor da PUC-SP e presidente nacional do PT, e Márcio Thomaz Bastos, ex-ministro da Justiça. Para este último, a causa última da candidatura Dilma “é a erradicação da miséria no Brasil, de modo que, como se disse ontem no comício no Rio, todo mundo no Brasil possa ter o direito de tomar café da manhã, almoçar e jantar, ter acesso a direitos fundamentais como saneamento básico, habitação, trabalho e saúde”.

Celso Antônio Bandeira de Mello, professor emérito de Direito da PUC-SP e um dos idealizadores do ato, gravou uma saudação exibida aos presentes. Nela afirma, referindo-se a Dilma: “Fala-se muito hoje em ‘liberdade de expressão’, mas… Quantas mulheres foram capazes de dar tão completo testemunho pela democracia?”

Dilma presente

Da mesma forma que Bandeira de Mello, também Dilma, impossibilitada de comparecer ao ato, gravou depoimento exibido aos presentes. Ela começou lembrando o significado histórico do Tuca, cujas paredes “guardam ainda as marcas dos crimes perpetrados pela ditadura militar”. Em tempo: da mesma forma que o prédio-sede da UNE, no Rio de Janeiro, também o Tuca foi incendiado pela ditadura. As marcas do atentado foram conservadas e ainda hoje podem ser vistas nas paredes do teatro.

“É nesse espaço simbólico”, continuou Dilma, “que quero agradecer pelos apoios de vocês. E a melhor forma de agradecer é reafirmar meus compromissos”. A candidata seguiu lembrando suas principais propostas, muitas delas realizações iniciadas no governo Lula: crescimento econômico robusto e sustentável; afirmação da soberania nacional e da democracia; mais direitos sociais; fim da miséria no Brasil.

Lideranças políticas e sociais

Discursaram ainda no ato diversas lideranças políticas e representantes de entidades dos movimentos sociais. Gabriel Chalita, recém-eleito deputado federal por São Paulo, acusou José Serra de fazer uma campanha “do subsolo e do submundo”. A ex-prefeita de São Paulo e atual deputada federal Luisa Erundina lembrou que “eleger Dilma é lembrar a memória de Margarida Maria Alves, assassinada pelo latifúndio na Paraíba, e é lembrar também a memória da irmã Dorothy Stang, como de tantas outras mulheres que deram a vida por um futuro melhor para nosso povo”.

O presidente da UNE, Augusto Chagas, aproveitou a ocasião para anunciar que, após reunir sua direção, a entidade maior dos estudantes brasileiros decidiu ser o apoio a Dilma Rousseff a única alternativa possível neste 2º turno. Para Chagas, essa decisão não representou nenhuma surpresa. “Os anos FHC-Serra foram os mais catastróficos da história para a educação em nosso país. Uma universidade como a UFRJ ficou impossibilitada de pagar até mesmo suas contas de luz. Só nos anos Lula conseguimos voltar a expandir a educação pública, e foi com essa convicção que os estudantes se decidiram.” Chagas lembrou ainda que Serra é o único ex-presidente da UNE a fazer críticas públicas à entidade. “Ele afirma que mudamos de lado e que aderimos ao governo. Mas a UNE está onde sempre esteve: em defesa do petróleo, das riquezas do país, da democracia, dos avanços sociais. Quem mudou de lado foi ele”, denunciou.

Aloísio Mercadante, segundo colocado na disputa para o governo de São Paulo, lembrou que “uma candidatura é o que ela reúne, são os valores que ela representa”. Para Mercadante, “esta não é uma disputa entre PT e PSDB, mas uma disputa entre o conservadorismo, entre o Brasil do atraso e o novo Brasil”. Para Mercadante, Serra significaria um grande retrocesso na política externa, enquanto Lula é o Brasil que não se quer mais submisso. “Não queremos trazer de volta nosso passado colonial. Não queremos mais, como afirmou o Chico Buarque ontem à noite, um Brasil que fala fino com Washington para falar grosso com a Bolívia. Como maior país da região, o que queremos é integração, paz, estabilidade e desenvolvimento”, completou.

Discursaram ainda no ato o senador Eduardo Suplicy (PT-SP); a ex-prefeita de São Paulo e senadora recém-eleita Marta Suplicy, e a professora da PUC-SP Ana Maria Freire, viúva do educador Paulo Freire. Para esta última, se vivo fosse o célebre educador brasileiro também estaria ali. “Da mesma forma que ontem o Oscar Niemeyer – um homem de 102 anos – foi de cadeira de rodas ao ato do Rio apenas para dizer ‘Dilma, você será a nossa presidente’, também Paulo Freire faria a mesma coisa. Paulo está conosco, porque ele sempre esteve com a justiça e com o Brasil.”

Michel Temer

O ato foi encerrado com intervenção do jurista, professor da PUC-SP e deputado federal Michel Temer, candidato a vice-presidente na chapa das forças progressistas. Referindo-se a Dilma Rousseff, Temer notou: “Interessante como ela lutou pela democracia neste país, a democracia da liberdade de expressão, de manifestação, de reunião. Mas não basta a liberdade de opinião, a liberdade de associação. O povo carente precisava da democracia do pão sobre a mesa, precisava da justiça social. Daí veio o governo Lula e fez a justiça social. E curiosamente fez ao lado da Dilma – Dilma com Lula, juntando, portanto, democracia e justiça social. Então a Dilma é a junção dessas concepções e dessas ideias. Ela é a representação dessa democracia participativa, como também dessa democracia do pão sobre a mesa.”

Além do manifesto dos juristas em apoio a Dilma, a ocasião serviu de palco para a entrega de outras mensagens de apoio. Policiais e defensores do estado de São Paulo entregaram a Michel Temer seus respectivos manifestos, com dezenas de assinaturas de funcionários públicos paulistas. O mesmo foi feito pela presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), Elisangela Lizardo. A “Carta dos pós-graduandos em apoio a Dilma Rousseff” já reúne mais de mil assinaturas de cientistas-estudantes de todo o Brasil, e continua a receber adesões.

De São Paulo, Fábio Palácio.