Muito do debate atual sobre a relação entre a China e a América Latina tem se focado sobre os níveis da taxa de câmbio. A preocupação é legítima no curto prazo, mas não devemos deixar essa polêmica obscurecer as oportunidades econômicas e sociais que podem ser criadas por meio de uma maior integração.

Graças à maior integração econômica, tanto a China como a América Latina e o Caribe se tornaram dois motores importantes de crescimento, que podem contribuir para a recuperação da economia mundial, especialmente depois da crise financeira global.

Hoje, a produção econômica combinada da América Latina e Caribe (cerca de US$ 2,6 trilhões em 2009) está próxima do PIB chinês de US$ 2,7 trilhões. Na última década, duas economias que pouco negociavam entre si, tornaram-se grandes principais parceiras comerciais: o comércio entre a América Latina e a China passou de apenas US$ 10 bilhões por ano em 2000 para mais de US$ 100 bilhões hoje.

No ano passado, a China tornou-se não só a maior importadora de produtos brasileiros como também a maior parceira comercial de Chile, Peru e Argentina. Enquanto as empresas chinesas produzem carros no Uruguai, por exemplo, os arquitetos chilenos estão vendendo serviços de arquitetura antissísmica para a China. Conglomerados energéticos chineses estão investindo no Brasil e multinacionais mexicanas produzem bens de consumo e produtos de pastelaria na China.

A boa notícia é que essa relação comercial ainda está em sua infância. Estamos no limiar de uma nova era de cooperação econômica e tecnológica que pode não só gerar riqueza, mas também permitir que a totalidade do nosso povo desfrute de prosperidade sustentável e uma melhor qualidade de vida. Para isso, tanto a China quanto a América Latina devem enfrentar vários desafios estratégicos.

Um deles diz respeito à energia renovável e a eficiência energética. Muitos países da América Latina e do Caribe compartilham o interesse chinês de reduzir a dependência de combustíveis fósseis importados. A China rapidamente se transformou em uma líder mundial no desenvolvimento de energia eólica e solar, iluminação energeticamente eficiente e aparelhos que economizam combustíveis e reduzem a poluição. A América Latina, que já recebe a maior parte de sua eletricidade de fontes renováveis, incluindo bicombustíveis, tem um enorme potencial de crescimento nesta área.

Outro setor importante é o de transporte limpo. Hoje a América Latina e o Caribe têm mais de 50 cidades com mais de um milhão de habitantes; a China tem pelo menos 170. Mobilidade e poluição do ar são os desafios centrais dessas cidades em crescimento. Várias cidades latino-americanas foram pioneiras em sistemas Bus Rapid Transit, que integram os ônibus ecológicos com os sistemas de transporte existentes. A China está se tornando uma líder em sistemas de transporte de alta velocidade, controle de tráfego inteligente e veículos elétricos. As oportunidades para uma colaboração frutuosa e investimento são óbvias.

Água e saneamento também representam um desafio comum. Tanto a China quanto a América Latina enfrentam escassez de água por questões relacionadas ao clima e precisam urgentemente limpar rios, lagos e proteger as fontes de água subterrânea. Várias empresas de serviços públicos no México e na China recentemente se tornaram líderes na área de reciclagem e reutilização de águas residuais. As empresas que podem fornecer soluções rentáveis nesse setor têm excelentes perspectivas de crescimento.

Finalmente, a China e a América Latina têm muito a aprender um com o outro na área de agricultura sustentável. O instituto de pesquisa agrícola do Brasil, Embrapa, foi pioneiro no desenvolvimento de sementes oleaginosas de alto rendimento e de outras culturas que hoje são importadas pela China. Já a China, por sua vez, tem imenso talento científico em áreas afins. Agora é a hora de se fertilizar mutuamente o conhecimento e a tecnologia para expandir a produção de alimentos usando menos água e terra.

Na semana passada, mais de mil empresários chineses e latino-americanos participaram da Cúpula de Negócios China-América Latina em Chengdu. O evento, organizado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento e o Conselho Chinês para a Promoção da Integração e Comércio, é parte dos esforços do banco para gerar novos investimentos nestes e em muitos outros setores-chave, além de nos ajudar a compreender melhor nossos negócios e culturas de consumo.

O BID é a principal fonte de financiamento multilateral da América Latina e do Caribe. No ano passado, tivemos a honra de receber a decisão visionária da China de se tornar um membro do Banco. Já assinamos vários acordos de cooperação com entidades chinesas. Estamos prontos para trabalhar com nossos parceiros chineses para financiar projetos que trarão oportunidades duradouras, prosperidade e dignidade ao povo da China, América Latina e Caribe.

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Luis Alberto Moreno é o presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

Fonte: jornal Valor Econômico